terça-feira, 19 de março de 2024

A IA vai destruir 81 mil empregos em Portugal?


O número foi avançado no fim da passada semana pela consultora Randstad: os sistemas de Inteligência Artificial - segundo foi noticiado - vão criar, na próxima década, 400 mil novos empregos em Portugal, mas 481 mil serão automatizados. Dito de outra forma, serão 81 mil postos de trabalho que acabarão destruídos no mesmo período. A confirmar-se, é muito preocupante!

Ricardo Simões Ferreira* | Diário de Notícias | opinião

Mas se há coisa que a história demonstra é que os especialistas têm muita dificuldade em prever o futuro - seja para o mal ou para o bem. Exemplos são muitos. Na passagem do século XIX para o XX, o DN Ilustrado previa como “seria o ano 2000” assegurando que teríamos carros voadores (extrapolando ideias de Júlio Verne e antecipando em mais de 80 anos o Regresso ao Futuro II - que, convém lembrar, projetava o mesmo para... 2015). Já numa perspetiva catastrofista, no último quartel do séc. XX havia estudos (muito sérios) prevendo que as reservas de petróleo mundial acabariam no final desse século ou, pelo menos, em 50 anos a partir de então. Simplesmente ninguém imaginou que a eficiência energética viria a ser uma imposição, já para não falar da necessidade da descarbonização; e quando Malthus, em 1798, afirmou que o crescimento populacional inevitavelmente levaria a ultrapassar a capacidade de produção de alimentos do planeta, não podia saber de todos os desenvolvimentos tecnológicos na agricultura que surgiram, em especial nos últimos 50 anos. (A título de curiosidade, havia então cerca de mil milhões de pessoas no mundo, somos hoje mais de 8 mil milhões.)

E é exatamente aqui que reside o problema dos estudos de futurologia, por mais bem feitos, e bem intencionados, que sejam: a pura incapacidade de saber que inovações o futuro trará, de como os seres humanos - as pessoas - responderão perante as adversidades, que soluções encontrarão para os problemas do dia a dia ou, simplesmente, que criações surgirão fruto da imaginação e criatividade - que, se não o é, parece de facto infinita.

O YouTube surgiu, faz no próximo ano, duas décadas. O Instagram tem 14 anos. O Twitch (serviço de streaming de videojogos) tem 13 anos. E segundo a revista Forbes, existem hoje 2 milhões de pessoas no mundo que vivem exclusivamente a produzir conteúdo para estas plataformas, usufruindo anualmente “um rendimento de seis dígitos”.

Se contabilizarmos o TikTok e outras redes do género, há ao todo mais de 50 milhões as pessoas que vivem a produzir conteúdos para estes suportes, o que, num certo sentido, faz deles, em conjunto, o maior empregador do planeta. Isto se é que ainda se pode falar de relações laborais, como no séc. XIX - tal como teima alguma esquerda, teimosamente agarrada a uma perspetiva estática da sociedade que, na realidade, já estava falida ainda antes de os livros que toma como bíblia terem secado a sua tinta.

Claro que não vamos ser todos YouTubers ou TikTokers. Mas certo é que há um quarto de século ninguém podia prever que estas atividades, passatempos, profissões iriam sequer existir -  as plataformas ainda nem tinham sido inventadas.

A IA vai trazer transformações profundas à sociedade, isso é certo, mas também é praticamente seguro afirmar que, com ela, virá nova capacidade de gerar mais-valia, outras formas de riqueza. E, o que é fundamental, uma nova forma de democratização das ferramentas de acesso ao conhecimento e à produção intelectual. O que, na sociedade do conhecimento em que vivemos, é essencial para que, de uma vez por todas, consigamos criar um sistema em que o mérito e o talento sejam valorizados. Esperemos apenas que, em Portugal, esta não seja mais uma previsão que não se concretiza.

* Editor do Diário de Notícias

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