Artur Queiroz*, Luanda
Um dia descobrimos que as cantorias também eram luta. Escrevi uns versos que entreguei ao Mário Rui Silva (o maior depois de Liceu Vieira Dias) e ele pôs música lá dentro. Mas jurou que as palavras já eram musicais. Nesse tempo havia um festival em Luanda e convidámos Tino Catela, voz de diamante, para se apresentar no palco com a canção. Claro que a peça foi reprovada. As lagoas da chuva nos musseques eram mares cruzados por almirantes enfeitados com flores de fome. E os amigos morriam na prisão: Rei é capitão soldado e ladrão!
Reis jamais. Prisões nunca. Não à morte dentro ou fora das celas. Até na cama. Cada morto no genocídio da Faixa de Gaza somos nós que morremos definitivamente. Só existimos porque existem os outros, sejam vizinhos, próximos ou longínquos. Somos filhos da Humanidade ainda que alguns tenham sido perfilhados pela madrugada.
Se alguém morre na prisão o crime é múltiplo. Construir prisões é criminoso. Não estou a falar apenas de estabelecimentos prisionais, masmorras, cárceres, fortalezas. Também falo do lar doce lar. Da escola bafienta. Dos guetos. Das barracas. Prender seja quem for é crime contra toda a Humanidade.
Durante o ano de 2023 morreram 51 prisioneiros nos cárceres portugueses. Destes 14, dizem os carcereiros, suicidaram-se. Estão muito enganados. Morrem todos de pena. Não desenharam nas paredes das celas uma bicicleta para passearem nela pelas avenidas do sonho. Como fez o meu saudoso amigo Luís Veiga Leitão. Os carrascos pensavam que o poeta ia ajoelhar-se e pedir perdão. Qual o quê! Montava no desenho da bicicleta e passeava-se pelo mundo, pelas páginas dos livros, pelos corpos do delito de amor, pela atmosfera da liberdade.
(Acabo de ser informado que faleceu Amândio Clemente, o mais espantoso jornalista desportivo que conheci. Aprendi muito com ele. Às vezes ouvia-me e aceitava as minhas soluções. Tinha uma paciência infinita para com os jovens que davam os primeiros passos na profissão. Perdi um amigo. O Jornalismo Angolano perdeu um dos seus melhores profissionais. A equipa desportiva do Jornal de Angola, sob a batuta do mestre Honorato Silva, era excelente. Entre essa excelência estava o Amândio Clemente. Dedicava-se ao Jornalismo com o mesmo amor com que defendeu a Pátria nas fileiras das FAPLA. Comandante Amândio, estou a chorar por nós!)
Ao longo do ano de 2023 foram executados nas prisões dos EUA 23 reclusos. Morreram 1.700 durante a pandemia COVID-19. Todos os anos morrem às centenas. Causas naturais, suicídios, espancamentos, rixas entre prisioneiros. O sistema prisional do estado terrorista mais perigoso do mundo mata que se farta. Nunca se esqueçam do campo de concentração de Guantánamo. Estão lá prisioneiros que nunca foram julgados nem sequer acusados.
Organizações de direitos civis denunciaram que há centenas de presos políticos nos EUA. São quase todos oriundos de minorias, negros e hispânicos. Alguns estão presos há 45 anos! Nunca esqueçam as denúncias do Embaixador Jackson Young quando disse ao jornal francês Le Matin: “Temos nas s cadeias dos EUA centenas de pessoas que podemos classificar como prisioneiros políticos”. O jornalista Julien Assange em breve vai a caminho. E quando foi feita esta denúncia ainda não existia o campo de concentração de Guantánamo. Nem as prisões secretas da CIA após o 11 de Setembro de 2001.
Os EUA continuam a ocultar que têm centenas de presos políticos, quase todos com ligações aos Panteras Negras. Ramsey Clark, figura do Poder Judicial nos EUA, disse isto: “Os presos políticos no nosso país não têm reconhecimento legal, são tratados como inimigos do Estado. O objetivo é que eles sirvam de exemplo para novas gerações, estabelecendo o preço a pagar se recorrerem à rebelião e à insubordinação.”
O advogado Robert Boyle pôs o dedo noutra ferida: “Há muitas condenações fabricadas, com pressão às testemunhas e eliminação de provas a favor dos presos políticos. Há um acordo tácito, que amarra o sistema judicial e as polícias, determina regras especiais de repressão contra integrantes de grupos revolucionários, muitas vezes violando o devido processo legal. Os presos políticos quase nunca recebem o benefício da liberdade condicional a que têm direito”. Depois de 2001 entrou em vigor o “Acto Patriota” e a “guerra ao terror”. Milhares de presos sofrem torturas, sevícias. Muitos foram mortos, desde as prisões nos EUA às do Iraque. Sobretudo muçulmanos.
As prisões francesas são antros de tortura, doença e morte. A penitenciária de Vendin-le-Vieil, Lens, é sinistra. O jornal Le Figaro denunciou recentemente “uma crise profunda no sistema carcerário de França. As prisões do país estão superlotadas, vetustas e insalubres”. Todos os anos morrem presos dentro das cadeias.
Alemanha. O Grupo Baader-Meinhof (Facção do Exército Vermelho) iniciou a luta armada na então República Federal da Alemanha. O Estado reprimiu violentamente os jovens que faziam parte da organização. Em 9 de Maio de 1976, mataram Ulrike Meinhof, fundadora do movimento, na cela 719 da prisão de Estugarda.
Ulrike Meinhof era jornalista. Anos mais tarde fiz uma reportagem sobre o Baader-Meinhof e recolhi depoimentos importantes. As autoridades anunciaram que a dirigente rebelde se suicidou. Mentira. Foi assassinada pelos esbirros do Estado Alemão como concluíram investigadores num inquérito internacional.
Ulrike Meinhof foi militante da causa contra o nuclear. Dirigente do movimento socialista estudantil. Militante do Partido Comunista Alemão (KPD) atirado para a clandestinidade. Lutou contra os nazis e a corrida aos armamentos. Com Andreas Baader fundou o Grupo Baader-Meinhof. Muitos militantes do movimento apareceram mortos nas prisões da República Federal da Alemanha. Enforcados nas celas!
O alarido que o ocidente alargado tem feito à volta do falecimento de Navalny numa prisão da Federação Russa só pode significar cinismo, farsa e embuste. O sistema é assim. Prende e mata que se farta. Ninguém está livre de ser vítima. Nem o Presidente João Lourenço. Toca a todos. Nunca esqueçam o alerta do Papa Francisco: Este capitalismo mata!
Washington anunciou a morte do “número três do HAMAS”. Blinken está no Médio Oriente a tratar da solução final na Faixa de Gaza. Extermínio dos palestinos. Os nazis de Telavive vão falar com Biden para combinarem os próximos massacres. Tudo em ordem.
* Jornalista
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