Artur Queiroz*, Luanda
Os deputados angolanos e seus colegas da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) discutem até amanhã a situação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. O documento nasceu na cidade de Lisboa, a 16 de Dezembro de 1990, para unificar as normas ortográficas. Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Portugal, São Tomé e Príncipe e maiis tarde Timor-Leste ratificaram o texto. Falta Moçambique e Angola. Ainda bem que ainda há dignidade deste lado do continente africano.
Os órgãos de comunicação social são instrumentos fundamentais de defesa da Língua Portuguesa. Todos têm de fazer o máximo para cumprir a missão exaltante de preservar um património cultural e vital, que convive connosco pelo menos desde 1486, ano em que a armada de Diogo Cão subiu o rio Zaire até Matadi e iniciou relações oficiais com o Reino do Congo.
Quando os africanos que viviam no actual mapa de Angola tomaram contacto com a Língua Portuguesa, ela era uma jovem de 272 anos. E foram os contactos com os diversos povos de África, Ásia, América e Oceânia que a mantiveram jovem, até aos dias de hoje. Angola dá um contributo especial a essa juventude perene, à sua renovação permanente, que a torna cada vez mais viva e especial.
Os primeiros vestígios do chamado “português tabeliónico” foram confirmados no galaico-português, veículo da mais bela e pura poesia trovadoresca, as Cantigas de Amigo. Desde então, a Língua Portuguesa ganhou personalidade própria e foi ferramenta fundamental de Bernardim, mestre Gil Vicente ou Camões, quando compôs aqueles que são dos mais belos poemas da Literatura Universal, na doce medida velha, para usar a feliz expressão do poeta, na definição da poesia que mergulhava as suas raízes nas cantigas de trovadores e jograis.
A maravilhosa aventura da Língua Portuguesa cruzou mares, subiu montanhas e soou nas “sete partidas”. O estádio supremo de uma cultura é o edifício da língua que lhe serve de veículo. O Português entrou há seis séculos em nossa casa e tornou-se membro da família. Ao chegar a África e logo a seguir à América (Brasil) e ao Oriente, encontrou o elixir da eterna juventude. É hoje falada por milhões de seres humanos em todo o mundo e adquiriu o perfume especial de cada povo que a fala e a adoptou como língua oficial.
Em Angola, a Língua Portuguesa encontrou línguas africanas bem estruturadas, com muitos falantes, mas ágrafas. Ao ser adoptada pelos nossos antepassados ganhou um ritmo diferente, sons melodiosos que a tornam única, bela, com uma amplitude extraordinária, mas igualmente mais complexa. Hoje o Português que se fala em Angola tem elementos próprios e um som que a torna única. O extraordinário neste convívio é que nunca os angolanos deixaram morrer as línguas africanas nem sequer os dialectos falados por pequenas comunidades, de norte a sul do país.
Como a Língua Portuguesa nunca foi hegemónica, não matou as línguas africanas. Pelo contrário, ao longo de 528 anos, mais de cinco séculos, todas as línguas conviveram em harmonia e “contaminaram-se” mutuamente. Quando o Português foi adoptado por Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe como língua oficial, teve um papel importante na unidade nacional nesses países e não de conflitualidade.
O testamento do rei D. Afonso II (terceiro de Portugal) a suas irmãs, datado de 27 de Junho de 1214, marca o nascimento da Língua Portuguesa. São 800 anos de existência que exigem de todos os que falam português e dos países de língua oficial portuguesa especiais responsabilidades na sua defesa e preservação, o que seguramente não se consegue com o Acordo Ortográfico já ratificado por governos no mínimo precipitados.
A adopção do Acordo Ortográfico por parte dos órgãos de informação portugueses causa uma grande perplexidade, porque, ao mesmo tempo, ignoram a linguagem jornalística e as técnicas de construção da mensagem informativa. Quanto às técnicas de ancoragem, nem se fala, são pura e simplesmente assassinadas, numa olímpica falta de respeito pelos consumidores.
O Acordo Ortográfico é um instrumento para facilitar o comércio das palavras. Nada mais do que isso. Os órgãos de informação não são academias de linguistas e muito menos usam uma linguagem rebuscada. A nossa mensagem é directa, substantiva e afirmativa. Cabe nos nossos produtos, a liberdade de captar certas formas de contar e expressões populares. Por vezes, esses materiais têm uma grande riqueza plástica. Mas a base de trabalho é sempre a Língua Portuguesa e disso os jornalistas não podem abdicae, por muito popular que seja vender a ideia de que é preciso escrever nos jornais como se fala. Os jornalistas não podem descer ao nível de quem sabe pouco. É seu dever elevar os consumidores ao nível dos que sabem mais.
Não passa pela cabeça de ninguém fazer um “acordo” para que os estilos próprios de cada povo sejam adoptados por todos os jornalistas de Língua Portuguesa. A Língua Portuguesa tem de ser defendida pelos que a amam e conhecem profundamente. Sobretudo quando nos querem impingir um Acordo Ortográfico que pretende pôr os brasileiros a abdicar da sua doce medida, os portugueses das suas múltiplas origens que vão do latim ao árabe, os angolanos da Sagrada Esperança e das suas construções harmoniosas, os moçambicanos das laranjas de Inhambane, os cabo-verdianos da poesia crioula.
A Língua Portuguesa tem na sua diversidade a marca da eternidade. Quem hipotecar a sua língua ao difícil comércio das palavras tem de assumir essa responsabilidade perante todos os falantes de todas as latitudes. Eu rejeito esse caminho. Quanto mais não seja, em nome do fabuloso Mosaico Cultural Angolano e da unidade nacional.
Meu amor, hoje venho dizer-te que floriram as macieiras e foi breve o perfume da gardénia. E o fogo apagou. Onzo iatekela omaza ma nsunga iovo ia vangila. Mbazu mé Zima!
* Jornalista
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