terça-feira, 30 de abril de 2024

Angola | Dos Píncaros da Glória ao Abismo – Artur Queiroz

Otelo Saraiva de Carvalho


Artur Queiroz*, Luanda

Quem ama consente. Quem cala é indecente. Não me calo. Portugal sem o vermelho rubro dos cravos, sem a imensa generosidade de Otelo Saraiva de Carvalho e seus companheiros do Movimento das Forças Armadas é um sítio mal frequentado. A Pátria de meu Pai sem o 25 de Abril mede-se por 50 deputados do partido Chega, racista e xenófobo, 79 da Aliança Democrática, quase todos ressabiados com o MPLA, o PAIGC e a FRELIMO, mais oito da Iniciativa Liberal, filhotes do fascismo. Os colonialistas e fascistas têm tanta força que o Presidente Lula da Silva não participou nas comemorações dos 50 anos da Revolução dos Cravos. São a maioria absoluta!

O Presidente Spínola, Mário Soares e a CIA fizeram tudo para afastar o MPLA do processo de descolonização. Sabiam que se conseguissem, Angola nunca seria um país independente. A FNLA foi a aposta para defender os interesses neocolonialistas. A UNITA de nada servia porque lutou contra a Independência Nacional, ao lado dos colonialistas portugueses. Apesar de terem criado a aliança mais agressiva e reaccionária que alguma vez se formou no planeta, desconseguiram. Foram derrotados em todas as frentes!

O líder do MPLA, Agostinho Neto, era tão forte e competente que conseguiu mobilizar o Povo Angolano para a Resistência Popular Generalizada. O Zaire de Mobutu foi derrotado no Norte logo no primeiro embate. Militares zairenses, portugueses, mercenários de várias nacionalidades e oficiais da CIA foram escorraçados desde Kifangondo ao Soyo, do Uíje a Maquela do Zombo, do Ambriz a Banza Congo. As forças armadas sul-africanas e seu biombo UNITA foram esmagados desde o Ebo ao Luena, de Benguela a Namacunde, do Bailundo e Andulo ao Triângulo do Tumpo. No Lucusse, ponto final.

Em 11 de Novembro de 1975 Portugal podia ser um parceiro estratégico para Angola. Tinha massa crítica para nos ajudar a construir um país próspero e moderno, pelo menos durante 50 anos. Tinha mão-de-obra especializada para nos ajudar a criar uma Indústria potente. Experiência e técnica para o desenvolvimento da Agricultura a um nível que desse de comida em abundância sem necessidade de importar. Tinha professores em número suficiente para criar em Angola um sistema de Educação do qual ninguém ficava fora. Portugal, dominado pelos spinolistas, Mário Soares e pela CIA rejeitou essa aliança. Ostensivamente. O governo de Lisboa nem reconheceu a República Popular de Angola em cima da independência!

Hoje, como uma maioria absoluta de deputados fascistas e protofascistas na Assembleia da República, Lisboa nada tem para oferecer a Angola. A Europa do cartel União Europeia muito menos. Já só se move porque está numa grande descida rumo à tumba e não precisa do motor gripado da Alemanha para descer. A realidade é pior do que estou a pintar. Em 1976, a Editorial Notícias publicou o livro “A Europa Acabou-se” escrito pelo jornalista Joseph Alain Farlon. Dez anos depois Mário Soares arrastou Portugal para a então Comunidade Económica Europeia. 

A Luta Armada de Libertação em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique mais a Revolução do 25 de Abril acabaram com o império colonial português. O que sobrou foi atirado para o caixão de Bruxelas onde jazia a desordem económica, a dependência das grandes potências europeias do estado terrorista mais perigoso do mundo. Um cartel de protectorados! O Presidente João Lourenço quer entrar nesse cortejo fúnebre à força toda! Um equívoco trágico.

João Lourenço internamente cometeu um erro gravíssimo. Apostou todas as fichas naquilo que diz ser o “combate à corrupção”. Os seus camaradas da direcção do MPLA tinham o dever de ajudá-lo a resolver os problemas que criou no início do seu primeiro mandato. Deixaram-no em roda livre. A elevadíssima abstenção, votos brancos e nulos nas últimas eleições foram um aviso sério mas ignorado. A joia da coroa do presidente foi para o lixo. O Tribunal Constitucional considerou inconstitucionais as normas do Decreto Presidencial nº 69/21, de 16 Março, que atribuía uma comissão de dez por cento órgãos da Administração da Justiça pelos activos financeiros e não financeiros recuperados.

Tido o processo foi para o lixo, Consultem os juristas do MPLA. Os independentes. Os de outros partidos. Tudo o que aconteceu no âmbito desse Decreto Presidencial celerado morreu. Apesar disso, o Presidente João Lourenço não reconhece a derrota e avança rumo ao abismo arrastando com ele o glorioso MPLA.

Minha amiga que és dirigente do MPLA trava essa corrida louca! Meu amigo dirigente do MPLA não permitas que o património que herdaste de Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos se espatife no abismo. Todas as dirigentes, todos os dirigentes do MPLA que estão no cargo por mérito próprio, pela sua militância, não permitam que João Lourenço faça do MPLA o mesmo que Holden Roberto fez da FNLA. Não permitam que o partido seja irrelevante depois das eleições em 2027.

Um dia entrei nos Estúdios Norte para iniciar a noite de trabalho e Sebastião Coelho apresentou-me um homem risonho, magrinho. Era o enfermeiro Agostinho Mendes de Carvalho. Ele tinha levado o original dactilografado de Mestre Tamoda. O servidor dos cafés nocturnos nas ondas da rádio pediu-me para ler o livro. Um espanto. 

O Sebastião Coelho disse-me que tínhamos de arranjar um editor para a obra. Em 1970 editei com Orlando de Albuquerque o suplemento de artes e letras do diário O Lobito. Ele tinha acabado de criar a editora Cadernos Capricórnio, Apresentei-lhe o original e el ficou entusiasmadíssimo, O livro nasceu! 

Todas as obras de Wanhenga Xitu (Agostinho Mendes de Carvalho) são excelentes. Mas Mestre Tamoda é o meu livro favorito. Quando preciso de alimentar o orgulho de ser angolano, leio umas páginas. Fico cheio de força! Perto de mim estão permanentemente os livros Sagrada Esperança (Agostinho Neto), Luuanda (Luandino Vieira), Poemas & Canto Miúdo (Mário António),Poesia Completa de Ada Lara (edição organizada por Orlando de Albuquerque) Vinte Canções para Ximinha (João Maria Vilanova), Quinaxixe (Arnaldo Santos), Poesia com Armas (Fernando Costa Andrade), Crónicas da Roda Gigante (Ernesto Lara Filho),  Mayombe (Pepetela) e Chuva Novembrina (José Luís Mendonça.

No tempo em que a minha sede se espalhava pelo corpo todo e tinha de beber desalmadamente para saciá-la, fui a um sítio chamado Paco, Lisboa, em frente à Gulbenkian onde então trabalhava Mário António. Ele tinha publicado na revista Colóquio/Letras uma crítica simpática a um livro meu. Fui visitá-lo. No meio da conversa saiu-me esta pergunta: Mestre, como consegue viver desligado do MPLA e de Angola? Ele olhou-me seriamente e respondeu: O MPLA e Angola é que se desligaram de mim!

Dirigentes do MPLA não permitam que o MPLA se desligue do Povo Angolano!

Os meus enfermeiros são grandes escritores. Um deles já referi, Agostinho Mendes de Carvalho. Outro, que conheci através de Ernesto Lara Filho, foi enfermeiro em Vila Luso (Luena). Chama-se Onésimo da Silveira, cabo-verdiano. Como hoje e sábado deixo-vos um dos seus poemas:

AS ÁGUAS

A chuva regressou pela boca da noite
Da sua grande caminhada
Qual virgem prostituída
Lançou-se desesperada
Nos braços famintos
Das árvores ressequidas!

(Nos braços famintos das árvores
Que eram os braços famintos dos homens...)

Derramou-se sobre as chagas da terra
E pingou das frestas
Do chapéu roto dos desalmados casebres das ilhas
E escorreu do dorso descarnado dos montes!

Desceu pela noite a serenar
A louca, a vagabunda, a pérfida estrela do céu
Até que ao olhar brando e calmo da manhã
Num aceno farto de promessas
Ressurgiu a terra sarada
Ressumando a fartura e a vida!

Nos braços das árvores...
Nos braços dos homens...

*Jornalista

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