Artur Queiroz*, Luanda
Os vencedores do 25 de Novembro de 1975 em Portugal “dispensaram-me” de correspondente em Angola do jornal “Diário de Notícias” alegando que eu não sou pluralista. A carta era assinada por Vítor da Cunha Rego e Mário Mesquita. Respondi pedindo aos signatários para pensarem melhor, porque fui contratado como jornalista e não como pluralista. Não tive resposta.
Além de mim, foram despedidos outros jornalistas, entre os quais Mário Rosendo, Jorge Feio, Luís de Barros e José Saramago. Consideraram os despedimentos ilegais e puseram uma acção contra a empresa. Convidado a fazer parte dos queixosos, não aceitei. Disse que um dia havia de esclarecer tudo com Vítor da Cunha Rego e Mário Mesquita, cara a cara. Há coisas que os Tribunais não podem resolver. Nunca consegui falar com os dois despedidores. Morreram sem que chegasse à fala com eles. A morte resolveu o diferendo. Como escreveu o poeta e mornista cabo-verdiano Eugénio Tavares, se deus é grande o amor é ainda maior.
Antes desse crime contra a liberdade de imprensa, um grupo de jornalistas saiu do Diário de Notícias para fundar o semanário O Jornal. No início eu colaborava a partir de Luanda. Entre os fundadores estavam alguns amigos do peito. Uns anos mais tarde fui surpreendido com uma notícia que me deixou em estado de choque. Publicaram a ficha clínica de Leonor Beleza, então ministra da Saúde do Governo Português. O “material” até incluía dados da última consulta que fez na especialidade de ginecologia. Quis saber como foi possível aquela enormidade. Responderam-me que a publicação foi movida pelo interesse público. Desilusão total.
Defendo que o Jornalismo não precisa desse truque. Nada justifica que um jornalista viole a esfera pessoal, a esfera do segredo e a história pessoal seja de quem for. Nada. Isso do interesse público é uma criada para todo o serviço. Para atropelar o Direito à Inviolabilidade Pessoal na sua projecção vital. Os jornalistas passam bem sem a criada. O público não precisa de espreitar para a vida pessoal de ninguém. Não tem que penetrar nos jardins secretos seja de quem for. Violar Direitos Fundamentais não é Jornalismo.
O médico Matadi Daniel publicou um texto no Novo Jornal. Segundo o próprio, “sobre o estado clínico do então ex-PR, José Eduardo dos Santos, com o propósito de prestar um serviço público, esclarecendo o seu quadro clínico e definindo o eventual prognóstico”.
Jornalistas meus camaradas divulgaram a ficha clínica de uma cidadã. Apesar de sermos amigos, cortei relações com eles. Espezinharam o Direito à Inviolabilidade Pessoal. Um médico, invocando o “serviço público”, expôs nas páginas de um jornal, lido por milhares de pessoas, o estado clínico do Presidente José Eduardo dos Santos, que serviu Angola e o Povo Angolano entre 1979 e 2017. Matadi Daniel esclareceu o seu “quadro clínico”! E partiu para um diagnóstico. Tudo na praça pública. Eu pensava que os médicos não podem falar publicamente das doenças dos seus pacientes. Mas no reino do chefe Miala tudo é possível.
Em nome do interesse público, Matadi Daniel escreveu no Novo Jornal que “no doente é notório o seu fácies hipocrático ou também designado fácies cadavérico”. Sempre com o sentido de servir, revela no seu texto que “no Centro Médico Teknon de Barcelona, uma consulta de clínica geral custa a módica quantia de 520 euros e um internamento diário na Unidade de Cuidados Intensivos, custa entre os 7500 e os 8000 euros”.
Se o médico dos rins Matadi Daniel não tivesse revelado isto, o chefe Miala bebia água com facas e garfo. Comia na taça de champanhe. Os golpistas “sobreviventes” do 27 de Maio de 1977 metiam as mãos pelos pés e vendiam as cabeças ao Grupo Carrinho. Um texto indispensável à salvação de Angola. Acontece que não estou de acordo e nesse aspecto alinho com o autor. Não devemos permitir que a barbárie prevaleça. Não mesmo. Contem comigo.
No seu comunicado, o médico dos rins e coronel reformado agradece às suas testemunhas que vão depor contra mim no Tribunal. Eu também agradeço porque serão a minha melhor defesa. Como o médico Matadi Daniel não publicou os seus nomes, faço-o eu: Lígia Maria Viegas dos Santos Lima Bessa, médica, Francisco Flaviano Lima Buta, médico, João Manuel Bispo Pereira, médico. Estes vão seguramente confirmar em Tribunal o diagnóstico, E garantir que “no doente é notório o seu fácies hipocrático ou também designado fácies cadavérico”. Confirmar que na Clínica Teknon de Barcelona “um internamento diário na Unidade de Cuidados Intensivos, custa entre os 7500 e os 8000 euros”.
Reginaldo Telmo Augusto da Silva também é testemunha. Seguramente que vai dizer em Tribunal que apresentei uma queixa contra ele à Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA) e só a partir de então deixou de me mandar mensagens racistas e altamente insultuosas. Não precisava de fazer este sacrifício.
A última testemunha. Um amigo que muito prezo manifestou-me o seu incómodo por denunciar um artista que mama em grande do Estado Angolano, desde 11 de Novembro de 1975, Em nome da nossa amizade prometi-lhe que nunca mais escrevia sequer o seu nome. Vou cumprir a minha palavra. Dessa testemunha apenas revelo estes dados: Morador na Avenida Ruy Luís Gomes, número 12, Alfornelos 2650-126 Amadora. Endereço electrónico: kasseca@hotmail.com.
Depois do julgamento espero que o governador Homem coloque uma estátua em tamanho natural do coronel reformado e médico dos rins Matadi Daniel, na Rua B7 do antigamente na vida. Motivo? Fez publicamente um diagnóstico de saúde ao Presidente José Eduardo e concluiu que “no doente é notório o seu fácies hipocrático ou também designado fácies cadavérico”. E não é que seis dias depois o nosso saudoso Zedu, o Arquitecto da Paz, morreu mesmo? Matadi é o maior!
O Presidente José Eduardo dos Santos encheu a pança a muitos que agora o excrementam. Isto de cuspir no prato é normal. Quando eu era miúdo, se o menu não me agradava mastigava, mastigava e depois punha a comida mastigada no canto do prato. Minha Mamã chamava-me porco. O que diria ela hoje se visse bêbados da valeta e motoristas, promovidos por José Eduardo dos Santos aos píncaros, cuspirem na sua memória?
* Jornalista
Sem comentários:
Enviar um comentário