quinta-feira, 6 de junho de 2024

Angola | Guerra Civil Contra os Bóeres – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

As FAPLA tinham pouco mais do que um ano quando tiveram de enfrentar a Operação Savana, desencadeada pelo regime racista de Pretória. Comandantes: Constand Viljoen, Bem de Wet Roos e Jan Breytenbach. As tropas invasoras traziam encavalitadas a UNITA, a FNLA e a Facção Chipenda, para matarem a República Popular de Angola, que ia ser proclamada a 11 de Novembro de 1975. Esta primeira agressão sul-africana foi travada na Grande Batalha do Ebo. Angola era independente há poucos dias. Militares sul-africanos foram feitos prisioneiros.

Os angolanos distraídos chamam a esta invasão uma “guerra civil”. Os bóeres chamam-lhe mesmo uma guerra. Leiam os numerosos livros que publicaram!

No dia 23 de Agosto de 1981, seis anos mais tarde, as Forças de Defesa e Segurança da África do Sul (SADF) desencadearam a Operação Protea contra as FAPLA e as forças guerrilheiras da SWAPO, trazendo consigo, desta vez, apenas a UNITA, que devia ser nomeada e empossada por Pretória como administradora do Cunene, criando um “bantustão”.

Os distraídos chamam a esta invasão uma “guerra civil”. Os bóeres chamam-lhe mesmo uma guerra. Leiam os numerosos livros que publicaram.

A Operação Protea e a Operação Daisy duraram de Agosto de 1981 a Março de 1988, durante sete dolorosos anos. A área da província do Cunene ocupada pelas SADF de 1981 a 1988 foi de 40.000 quilómetros quadrados, numa profundidade de 88 quilómetros entre a fronteira de Namacunde e a Môngua. Estas operações foram o culminar da estratégia delineada em comum por Washington e Pretória para a destruição do Governo do MPLA. A estratégia incluiu o ataque à refinaria de Luanda, por um comando sul-africano em finais de 1981.

Os angolanos distraídos chamam a esta invasão uma “guerra civil”. Os bóeres chamam-lhe mesmo uma guerra. Leiam os numerosos livros que publicaram.

O Governo racista de Pretória mobilizou para as operações Protea e Daisy, na província do Cunene, 11 mil homens, 36 tanques “Centurion M-41” e 70 blindados “AML-90”, 200 veículos de transporte de tropas “Ratel”, “Buffel” e “Sarracen”, artilharia com canhões G-5, de 155 milímetros, mísseis terra-terra “Kentron”, de 127 milímetros, mais 90 aviões e helicópteros. A invasão começou com bombardeamentos a Chibemba e Cahama, executados por seis “Mirage” e dois “Buccanneer”. No dia 24 de Agosto, três colunas de infantaria motorizada penetravam em território angolano pelo Cunene, ocupando Xangongo, Humbe e Namacunde. A aviação do regime racista de Pretória bombardeou a cidade de Ondjiva.

Os angolanos distraídos chamam a esta invasão uma “guerra civil”. Os bóeres chamam-lhe mesmo uma guerra. Leiam os numerosos livros que publicaram.

Em apenas seis dias, as tropas sul-africanas ocuparam uma extensão de 40 mil quilómetros quadrados, onde se incluem Xangongo, Môngua, Humbe, Uia, Cuamato, Anhaca, Nehone, Mucope, Evale, Mupa e Ondjiva. As tentativas de ocupação da Cahama fracassaram devido à heroica resistência das unidades das FAPLA que tinham a missão de defender a vila. Leiam o livro do General Zumbi. Durante o mês de Setembro, incapazes de ultrapassar a linha da Cahama, os sul-africanos iniciaram a retirada da artilharia pesada e tanques, mas mantiveram no terreno unidades blindadas ligeiras. Durante esta retirada parcial, os invasores roubaram viaturas ligeiras e pesadas, tractores e plataformas, gado e mercadorias. 

Os angolanos distraídos chamam a esta invasão uma “guerra civil”. Os bóeres chamam-lhe mesmo uma guerra. Leiam os numerosos livros que publicaram.

Três autores sul-africanos, Willem Steenkamp, com o livro “Grensoorlog Border War 1966-1989”, Heimoed Romer Heitman, na obra “South African Armed Forces”, e Leopold Scholtz, em “The SADF in Border War 1966–1989”, escrevem sobre a Operação Protea. Estes não se distraíram. Willem Steenkamp revela que o plano para a Operação Protea passou pelo crivo do Governo sul-africano: “Todos os planos operacionais transfronteiriços foram apresentados ao Ministro da Defesa, Magnus Malan, e somente após a aprovação do Governo as operações foram lançadas”, refere.

Helmoed Romer Heitman refere, no livro “South African Armed Forces”, que a Operação Protea “foi planificada com um cuidado especial”. O plano sul-africano de colocar tropas no terreno foi elaborado por Constand Viljoen, comandante das SADF, e envolveu três unidades: A “Alpha”, sob comando do coronel Joep Joubert (constituía a força principal), a “Bravo”, dirigida pelo coronel Vos Benade, e a “Charlie”, integrada por todas as unidades não envolvidas na operação e que continuaram a guerra contra a SWAPO no interior da Namíbia. Este escritor bóer também não dormiu nem se distraiu.

Leopold Scholtz, historiador militar e analista político sul-africano, autor do livro “The SADF in the Border War 1966-1989”, revela que a dimensão da Operação Protea é tal que, em muitos aspectos, foi maior do que as operações Modular, Hooper e Packer, operações realizadas durante a Batalha do Cuito Cuanavale, travada no Triângulo do Tumpo. Em Maio de 1981 o major-general Charles Lloyd, oficial superior das SADF na Namíbia, escreveu uma carta a Constand Viljoen, recomendando novos ataques em Angola. Na carta, ele dizia que as SADF tinham que operar por períodos mais longos em Angola e ocupar o território, em vez de procurarem bases específicas e retirarem depois. 

Scholtz revela detalhes da carta: “As linhas de comunicação da SWAPO ao longo do rio Cunene deviam ser permanentemente destruídas e, para isso, ele pediu a Viljoen para destruir os pontos fortes conjuntos das FAPLA e SWAPO em Xangongo, Môngua e Ondjiva”. O escritor bóer, muito atento, escreve que “as recomendações do major-general Charles Lloyd foram aprovadas e, em seguida, o alto comando sul-africano criou as três forças “Alpha”, “Bravo” e “Charlie”, cada qual o equivalente a uma Brigada para a execução da Operação Protea. E revela quais foram as batalhas mais importantes durante a invasão a Angola: Batalha de Xangongo, Batalha da Môngua e Batalha de Ondjiva.

Os angolanos distraídos chamam a esta invasão uma “guerra civil”. Os bóeres chamam-lhe mesmo uma guerra. Leiam os numerosos livros que publicaram. Ler é saber mais!

O meu amigo Jaime Azulay escreveu sobre o Acordo de Bicesse e faz esta afirmação: “Após as sucessivas campanhas que tiveram como palco o chamado ‘Triangulo do Tumpo’, no sudeste do território, gerou-se um impasse no terreno. O cansaço e o esgotamento começavam a tomar conta das hostes beligerantes. As baixas em ambos beligerantes eram consideráveis”.

O “impasse no terreno” deu a “Acta da Derrota” que já publiquei várias vezes. Um documento secreto onde o presidente P W Botha e o alto comando sul-africano reconhecem que foram derrotados em Angola. O “impasse no terreno” deu a libertação da Namíbia. A libertação de Nelson Mandela. O fim do regime racista. A ascensão ao poder da maioria negra, através do ANC, em eleições democráticas. O “impasse no terreno” mudou África e o mundo. 

Escreve Jaime Azulay: “A continuação, em crescendo, do envolvimento das forças cubanas e as da África do Sul em campos opostos, ameaçava expandir a guerra para lá da fronteira Sul. A prosseguir essa escalada, chegaríamos inevitavelmente a uma situação de internacionalização do conflito. Isso ninguém em sã consciência desejava. Mas a ameaça era bem real.” Estou a perder faculdades. Não consigo perceber a comparação entre tropas aliadas de um governo legítimo e invasores estrangeiros. Estou a ficar mesmo muito burro.

Mais esta citação do texto do meu amigo Jaime Azulay: “Os últimos combates ocorridos nas cercanias do Kuito-Kuanavale, seguidos dos ‘raides’ da aviação cubana e angolana contra as posições sul-africanas na barragem de Kalueque, a pouco mais de uma dezena de quilómetros da fronteira com a Namíbia, constituíram o ponto de viragem decisivo na guerra”. Nesta parte já não me sinto tão burro. Afinal houve “uma viragem decisiva na guerra”.

Finalmente o Acordo de Bicesse, assinado em 31 de Maio de 1999, em Portugal. Jaime Azulay escreve que “seria mais um teste à capacidade dos políticos angolanos em superarem as suas divergências. Infelizmente, como se veria depois, e para não destoar o que se tinha passado anteriormente, a guerra retornaria a Angola após as eleições gerais de 1992 e, por mais dez anos, as armas falariam mais alto, para desgraça dos angolanos”. 

Aqui voltei a ficar burro e não compreendi a parte onde ele escreveu que a UNITA rejeitou os resultados eleitorais. Ameaçou reduzir Angola a pó se fossem publicados. Ameaçou balcanizar Angola. Apenas quatro dias depois da assinatura do acordo, Jonas Savimbi escondeu em bases secretas do Cuando Cubango, 20.000 homens e as melhoras armas, inclusive os mísseis Stinger. Durante as acções da campanha eleitoral da UNITA, esses homens e essas armas foram espalhados por todo o país. Além de burro já nem sei ler. Mas seguramente que Jaime Azulay escreveu tudo isto. Ele conhece estes factos tão bem ou melhor do que eu.   

O ANC teve 40,3 por cento dos votos nas eleições da África do Sul. O dobro do segundo partido, a Aliança Democrática. O partido de Jacob Zuma (MK) ganhou na importantíssima província Kwazulu-Natal e registou 14,7 por cento dos votos. O partido Combatentes da Liberdade Económica, de Julius Malema, chegou aos 9,5 por cento. Feitas as contas o ANC e seus dissidentes passaram os 65 por cento. Os bóeres não valem nada eleitoralmente. E militarmente foi o que se viu durante a Guerra Pela Soberania Nacional e a Integridade Territorial. Derrotados. Obrigados a capitular em Nova Iorque.

* Jornalista

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