quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Moçambique | Chissano alerta sobre grave crise e pede respeito ao voto

Ex-PR Chissano alerta para “momento grave” e defende que “ninguém deve impor seu candidato”, pedindo uma futura governação que integre ideias de todos os partidos e respeite o direito de manifestação.

O antigo Presidente moçambicano Joaquim Chissano reconheceu hoje que o país "vive um momento grave" e afirmou que "ninguém deve impor o seu candidato" a Presidente, escolhido em eleições, porque "fica perigosamente perto de golpe de Estado". 

"Em janeiro, o novo Presidente toma posse. Aguardemos os resultados, ninguém deve impor o seu candidato. Forçar o seu candidato fica perigosamente perto de golpe de Estado ou tomada de poder por meios inconstitucionais e tal não deve ser aceite de nenhuma maneira", afirmou Chissano, chefe de Estado de 1986 a 2005, numa mensagem de quase 10 minutos divulgada hoje.

A posição surge numa altura em que Maputo se prepara para a anunciada manifestação nacional convocada pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, que não reconhece os resultados das eleições gerais de 09 de outubro anunciados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), que deram a vitória a Daniel Chapo, apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO, partido no poder desde 1975), com 70,67% dos votos, mas que ainda têm de ser validados pelo Conselho Constitucional.

Hoje cumpre-se também o sétimo dia de paralisação e manifestações em todo o país, convocadas também por Venâncio Mondlane contra os resultados eleitorais, com a generalidade a levar à intervenção da polícia, que dispersa com tiros e gás lacrimogéneo, enquanto os manifestantes cortam avenidas, atiram pedras e incendeiam equipamentos públicos e privados, tal como já tinha acontecido nos protestos de 21, 24 e 25 de outubro.

"Mas alguma leitura deve ser feita. Há um nível de descontentamento que deve ser tido em conta. O nosso país é grande, a nossa população é jovem, há talentos em muitos participantes na política, tanto nos partidos antigos como nos partidos novos. Há que aproveitar esses talentos. Eleições costumam ser períodos de aumento de conflitos, mas também podem servir para descobrir novos talentos para refletir de novo sobre o valor da unidade", afirmou Chissano, na mesma declaração.

"Momento grave"

Acrescentou que "os jovens devem merecer mais atenção da governação", embora sublinhando que "não será possível resolver tudo e já", mas que "novas iniciativas devem ser desenvolvidas para apoiar a habitação dos jovens, por exemplo". 

"O nosso país vive um momento grave. Grupos manifestam-se com violência nas ruas, queimam pneus, atacam lojas. Parece que querem estabelecer um clima de desordem no país. Tudo isto ocorre porque alguns dos concorrentes às eleições consideram que já venceram mesmo antes dos resultados finais terem sido anunciados. Compreendemos essa frustração, mas fiquemos serenos, não haja maior valor que a vida. Já perdemos vidas demais. Já houve destruições de mais", afirmou igualmente.

"Se eu vejo coisas injustas e elas existem, acho que o meu candidato ganhou, porque as denunciou, portanto, se ele não ganha, é porque houve fraude. Mas o resultado das eleições não é ditado por aquilo que eu penso. As eleições são a soma de várias vontades, as minhas e as de outros compatriotas. Aquilo que eu considero verdade só é verdade se resultar da soma das opiniões livremente expressas por todos os cidadãos", disse Chissano, apelando à "serenidade e equilíbrio".

"Não são bons os discursos de que só eu estou preparado porque fui investido de alguma missão. Isso é válido em algumas igrejas e religiões, mas eleições são sobre governação, bem servir o povo, escolher a melhor política de emprego, inventar maneiras de empregar pessoas, incentivar iniciativas de jovens e dar apoio necessário para os próprios se auto empregarem", disse.

Governação com todos os partidos

O antigo Presidente moçambicano Joaquim Chissano apelou hoje a que, após a proclamação dos resultados das eleições gerais, sejam incorporados na futura governação as ideias dos vários manifestos eleitorais, valorizando o "capital humano" que há em todos os partidos.

"Exprimindo o sentimento dos combatentes da luta de libertação nacional e por amor à pátria, faço este apelo. Após a proclamação dos resultados, proponho que os dirigentes dos partidos políticos e organizações sociais discutam as formas de, primeiro, valorizar o capital humano existente nos diferentes partidos e organizações com vista a promover a boa governação e inclusão. Segundo, acomodar no que for possível as ideias contidas em manifestos eleitorais adversários, mas não inimigos", disse Chissano. 

"Serenar os ânimos"

Numa mensagem de quase 10 minutos divulgada esta tarde, o antigo chefe de Estado, de 1986 a 2005, apelou igualmente a "todas as forças vivas da sociedade" para "ajudar a serenar os ânimos", e às autoridades "para manterem a ordem, respeitando os direitos dos cidadãos e a manifestação da livre expressão". 

Joaquim Chissano reconheceu também nesta mensagem que estas eleições gerais "acontecem num período economicamente difícil" a nível global e efeitos em Moçambique.

"A nossa economia é frágil, sofre mais. A nossa população aumenta a um ritmo muito elevado e não conseguimos criar escolas com condições nem dar assistência médica condigna aos concidadãos. A pobreza aumentou de forma visível. Não há que negar", admitiu.  

Por outro lado, aponta que "aumentaram também as más condutas de titulares de órgãos públicos": "A serenidade e simplicidade que deveriam caracterizar os servidores públicos não é seguida suficientemente e a imagem que é difundida é demasiado negativa. Há que regenerar as boas condutas, premiar os servidores sérios e punir os faltosos".

"A corrupção está suficientemente regulada nas leis e elas devem ser aplicadas com rigor e ponderação. Ninguém deve beneficiar de proteção do poder, sempre defendemos uma administração justa e rigorosa", disse. 

O direito de manifestar

"Há que normalizar a vida. Há uns que protestam, têm o direito de protestar. Os que querem trabalhar têm o direito de trabalhar. Ninguém é dono do direito do outro de fazer greve ou de ir trabalhar. Há muitas pessoas que vivem do que ganham no dia-a-dia e as suas famílias alimentam-se dessa receita, por magra que seja. É desumano privar o seu compatriota do direito de trabalhar quando a sua sobrevivência depende disso. Tenho recebido muitos apelos de quem trabalha e peço aos compatriotas que tenham em conta o direito dos outros ao trabalho", afirmou o antigo Presidente.

Na mesma mensagem, Chissano apelou aos órgãos eleitorais a agirem "com serenidade, a respeitar a vontade dos eleitores", sublinhando também que "é dever da polícia enquadrar as manifestações" que por estes dias se realizam por todo o país.

"Em qualquer país, o direito de manifestar é respeitado, mas os manifestantes têm obrigações. Comportar-se bem, não destruir propriedade pública nem privada. Manifestantes têm o direito de ser escoltados. Para mim, a manifestação é algo de normal, tudo isto parece claro, o problema são os excessos, a começar pelo excesso de razão", criticou.

Deutsche Welle | Lusa

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