Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias* | opinião
No passado dia 17.10 assinalou-se o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza e surgiram novas análises sobre o “fenómeno da pobreza”. Por vezes há fenómenos naturais a gerar pobreza, todavia as suas causas principais e as que a eternizam (muito estudadas) resultam de atos humanos reais: desrespeito pelo outro e egoísmo que geram crises e guerras; falta de solidariedade transformadora em programas de governação e más políticas públicas; desvalorização de instituições de combate às desigualdades; fraco confronto ideológico sobre a origem e a solução dos problemas. Porque ideologia são quadros de valores que todos temos, é reacionário quem acusa os outros de “ideológicos” para impor a sua ideologia como única.
Numa sociedade em que existe mais riqueza que nunca, onde há capacidade para produzir alimentos e bens que garantam uma vida digna a todos os seres humanos, constata-se que os objetivos estabelecidos para 2030, pela Organização das Nações Unidas (ONU), não serão atingidos. Vão resvalar várias décadas: na luta pela erradicação da pobreza extrema, e no combate a todas as formas de pobreza.
Em Portugal, tomando os últimos dados disponíveis (de 2022), a situação agravou-se. Temos mais cidadãos que trabalham e continuam pobres porque os salários são muito baixos. Mais desempregados pobres por não terem acesso a subsídio de desemprego. Mais crianças pobres porque as suas famílias são pobres e as instituições que trabalham direitos universalizados, como a Escola e o SNS, não conseguem mitigar as desigualdades de partida. Há mais de um milhão de portugueses a viver com menos de 510 euros e três em cada quatro pensões de reforma de valor inferior ao salário mínimo nacional. Temos, ainda, habitação cara e muitas casas sem conforto.
Somos um país com profundas desigualdades - o maior gerador de pobreza. Cidadãos identificados como estando “em risco de pobreza” são pobres: basta surgir-lhes um mínimo gasto extra com a habitação ou para fazer frente a um problema de saúde (até resultante do aumento da esperança de vida) e ficam paupérrimos. Acresce que, sendo nós um país de imigração e baixos salários, se ampliam elementos geradores da pobreza e há novas exigências na estruturação e missões do Estado social.
Não se erradica a pobreza com esmolas. Quando o primeiro-ministro diz que aumentará as pensões no valor mínimo que a lei impõe e depois “se tiver condições financeiras” (segundo o seu critério) dará um “bónus” pontual, está a implementar a esmola ao sabor do seu calendário político, eternizando a pobreza. O que deve fazer é aumentar as pensões com justiça evitando a sua erosão. Chega de hipocrisia.
As instituições e todos os que querem combater a pobreza necessitam de ser mais acutilantes. E não nos esqueçamos que a pobreza passará a ser a miséria que era no século XIX ou antes do 25 de Abril, se não travarmos a mercantilização do trabalho.
*Publicação JN em 26 outubro, 2024
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