Artur Queiroz*, Luanda
Luanda tinha um cubano de cor
entre o branco sujo e o mestiço claro. Era embarcadiço e fingiu doença para ser
levado ao hospital Maria Pia. O navio zarpou e ele continuou internado. Disse
às autoridades que era de Cuba e se fosse apanhado pelos barbudos seria
fuzilado. Ficou
Um dia levámos o Cubano ao espectáculo Chá das Seis e Meia que tinha a rubrica “Tem um minuto para mostrar o que vale”. Ele foi cantar, com um sotaque entre o espanholês, portunhol e angolano, o tema da Dalva de Oliveira “morena quem te contou que esta noite serenou”. Sentou-se ao piano do maestro Casal Ribeiro e martelou nas teclas, enquanto floreava o romance vocal. Se chovesse chuva forte morena, você nem sentiria! No final foi muito aplaudido e ganhou o direito a cantar um número completo na matiné seguinte, do popular programa radiopublicitário onde brilhavam Alice Cruz e Artur Peres.
Problema grave. O Cubano desafinou o piano ao maestro Casal Ribeiro e ele disse que nunca mais queria ver o artista à frente. Afinar um piano é mais difícil do que aturar filho de enfermeiro ou de pai incógnito. O pianista Marto, muito mais democrático e amigo dos génios musicais deu trabalho ao desafinador de pianos. Tocavam músicas românticas, para dançar di lento, num cabaré chamado Casa Portuguesa. Um êxito.
Entre o quartel da Polícia Móvel, na Estrada de Catete, e a fábrica Macambira existia uma comunidade do Norte onde me abastecia de kandingolo. Garrafão de cinco litros, cinco escudos. Dois cálices do produto davam logo bebedeira. Rapidíssimo. Com pouco dinheiro andava feliz e com a cabeça cheia de fantasias, durante o mês todo. E quase de borla. Foi a poupar assim que cheguei a milionário como o filho de enfermeiro. O Cubano não era esquisito e ajudava a esgotar o garrafão de “ron”. Um dia, bem chibados de liamba e kandingolo, ele confessou: “Meu hermano eu não sou cubano, sou porto-riquenho mas enganei o s gajos”. Portanto, o nosso portentoso Cubano era falso.
Guardei segredo e em 1974, ele
era o único cubano que existia
As tropas do regime racista de Pretória invadiram Angola quando FNLA e UNITA abandonaram o Governo der Transição e o Colégio Presidencial, rasgando assim o Acordo de Alvor, que os portugueses decidiram “ suspender” por decreto presidencial. Nessa altura só estava em Angola o meu amigo Cubano, génio da dikanza, do violão e desafinador de pianos.
Claro que após a invasão maciça a
sul e a ocupação e saque do Norte de Angola os combatentes cubanos vieram
ajudar o Povo Angolano a pedido do líder do MPLA, Agostinho Neto. Só foram
embora quando o regime racista de Pretória capitulou
Segui cuidadosamente o congresso extraordinário do MPLA. Por deformação profissional encaro sempre os acontecimentos pelo lado do homem que morde o cão. Foi o que fiz. Retive um pormenor importantíssimo que passo a expor. João Lourenço, com aquele ar de um deus que desceu do acento etéreo e diz umas palavrinhas aos simples mortais, fez este discurso: “Felicito e desejo boa sorte aos novos membros do Bureau Político e do Secretariado. Felicito os reconduzidos”.
Nem uma palavra para os que saíram. Se alguém tinha dúvidas de que o congresso serviu apenas para castigar alguns e reforçar o poder pessoal do chefe, esta simples frase tira todas aa dúvidas Além de que revela um líder sem categoria e nada educado.
A jornalista Luísa Damião foi vice-presidente do MPLA, número dois do partido. Por mérito próprio e não por favor do filho de enfermeiro. Segui o seu trabalho e teve um excelente desempenho. Num momento em que da direcção do MPLA só saíam asneiras, ela foi a única que emitiu mensagens claras e mobilizadoras. João Lourenço não foi capaz de, ante os delegados e convidados ao congresso extraordinário, agradecer o seu contributo. É esta a sorte destinada a Mara Quiosa. Usar e deitar fora.
João Lourenço não agradeceu às e aos dirigentes que foram substituídos, militantes excepcionais, aos quais Angola muito deve. Irene Neto nasceu no MPLA. Cresceu no MPLA. Dedicou toda a sua vida ao estudo, à ciência e ao MPLA. Fora! Sobretudo porque é filha de Agostinho Neto, que os “americanos” e destruidores do partido querem esquecer e que seja esquecido, ainda que o tratem por “saudoso”.
Em Portugal o fascismo anda à solta. Já não disfarçam. Centenas de polícias invadiram uma área de Lisboa muito frequentada por emigrantes. Encostaram-nos de mãos no ar à parede. Para o mundo ver que na capital portuguesa mandam os fascistas. A esquerda ficou indignada. A direita apoiou. Caiu o verniz da “democracia”.
Manuel Rui escreveu uma crónica de boas-festas que publicou no Jornal de Angola. Escreveu esta mensagem: “ Boas festas aos jornalistas deste jornal que perdem horas de sono, trabalhando à noite para que o jornal chegue à rua logo de manhã”. Meu caro, estás atrasado uns 50 anos. Isso de trabalhar à noite nos jornais já não existe. Agora às 20 horas todas as páginas têm de estar em PDF na Cuca. Editor que não respeite a hora de fecho, fica sem o subsídio técnico ou vai receber ao chefe Miala.
* Jornalista
Sem comentários:
Enviar um comentário