Pedro Tadeu* | Diário de Notíicias | opinião
O tempo vai passando e a multiplicação e emissão de notícias e opiniões contraditórias sobre o caso de Luís Montenegro e da empresa que ele criou, a Spinumviva, está a provocar, por um lado, cansaço sobre o assunto e, por outro, a sensação de que, afinal, a polémica é exagerada e confusa.
Se ouvirmos o que o próprio Luís Montenegro e os dirigentes do PSD têm dito, até parece que o primeiro-ministro não fez nada de errado.
Por outro lado, se ouvirmos o que André Ventura manda colocar em cartazes, parece que estamos perante um caso de corrupção. E Pedro Nuno Santos exagerou quando tornou politicamente relevante uma suspeita, que se revelou infundada, de que a empresa não exercia atividade real.
Luís Montenegro não fez nada de mal? Há algumas coisas que estão provadas e que confirmam que sim, fez coisas erradas, muito erradas.
Em primeiro lugar, em notícia nunca desmentida e à qual a classe política não deu relevância (talvez por ser do Correio da Manhã, um preconceito estúpido) parece provado que Luís Montenegro violou a Lei 52/2019 de 31 de julho que determina no artigo 3.º, nas alíneas b e i, que a declaração de rendimentos que os titulares de cargos políticos têm de entregar na Entidade da Transparência deve incluir, cito, “a inscrição de interesses financeiros relevantes, que compreende a identificação dos atos que geram, direta ou indiretamente, pagamentos”, designadamente os nomes de, volto a citar, “pessoas coletivas públicas e privadas a quem foram prestados os serviços”.
Além de não ter feito esta declaração obrigatória, Luís Montenegro recusou durante muito tempo dizer quem eram os seus clientes e, mesmo agora, depois da revelação de quem eram os clientes “permanentes”, recusa dizer quem foram os clientes “pontuais”, o que contraria abertamente esta lei.
Depois também me parece claramente provado que a passagem da empresa para o nome da mulher e dos filhos e, depois da polémica estalar, só para os filhos, não resolve a questão principal que é a de um primeiro-ministro estar a receber dinheiro de empresas privadas enquanto exerce o cargo.
Ele alega que não é ele que recebe. Era a mulher e agora são os filhos.
Sendo uma empresa familiar, cujos clientes foram todos arranjados pelo próprio primeiro-ministro, não tendo sido acrescentados novos desde que ele voltou à política, é evidente que o rendimento que ela cria, e talvez a canalização fiscal de algumas despesas, vai para o benefício da família, tal como também beneficia o agregado familiar o rendimento que Montenegro recebe como primeiro-ministro. Dizer o contrário com formalismos jurídicos é uma clara falácia.
As suspeitas sobre Luís Montenegro são certamente menos graves do que as suspeitas que recaem sobre José Sócrates - e aí ele tem toda a razão. Porém, não me parece aceitável que um primeiro-ministro não cumpra os regulamentos básicos sobre transparência na vida política criados por uma lei bem recente e, por outro, independentemente dos formalismos legais serem ou não serem corretos, exerça o cargo no Estado enquanto fatura, direta ou indiretamente, dinheiro de empresas privadas em resultado dos negócios que anteriormente criou.
Para mim bastam esses dois factos para, em nome do máximo rigor ético no exercício do cargo de primeiro-ministro que este regime, em crise de credibilidade, tanto necessita, achar que Luís Montenegro deveria ter-se demitido, em vez de, como fez, provocar novas eleições, candidatar-se e pedir ao povo que consagre mais uma degradação moral da República.
* Jornalista
Sem comentários:
Enviar um comentário