Luís Filipe Pereira*, opinião | Esquerda.net
Qualquer humorista poderia ironizar dizendo que “não são os preços das casas que estão altos mas sim os salários é que estão baixos”. Ambas as afirmações são verdadeiras, só não fazem rir ninguém porque esta situação não é para graças.
São conhecidas de todos as carências habitacionais, sobretudo para aqueles cujos rendimentos não lhes permitem ter acesso a uma habitação a preços de mercado. O preço da compra ou arrendamento das casas, não está ao alcance de quem aufere o Salário Mínimo Nacional (SMN) ou perto desse valor.
Qualquer humorista poderia ironizar dizendo que “não são os preços das casas que estão altos mas sim os salários é que estão baixos”. Ambas as afirmações são verdadeiras, só não fazem rir ninguém porque esta situação não é para graças. É verdade que o SMN em Portugal é dos mais baixos da Europa, é vergonhosamente dos mais baixos da Europa, mas também é verdade que o preço das casas no nosso país é dos que mais tem subido.
Para agravar a situação da carência de habitação, o Estado Português nos seus sucessivos governos nunca se preocupou com a oferta pública de habitação, nunca definiu políticas sociais de habitação sérias. Fala-se muito na habitação social mas muito pouco de políticas sociais de habitação, e os bairros sociais que foram construídos resultaram numa forma de encaixotar as pessoas em guetos, que apenas afirmam e realçam as diferenças sociais e indiferenças governamentais e das entidades responsáveis, quer estas sejam o IHRU (Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana), quer sejam as câmaras municipais. Estas últimas têm sido notícia nos últimos tempos devido aos despejos que têm levado a cabo com grande desumanidade. Derrubam pequenas habitações precárias auto-construídas, sem qualquer solução alternativa de habitação para as pessoas despejadas.
As políticas sociais, ou melhor, a ausência de políticas sociais, não acaba nem reduz as desigualdades sociais, e enquanto vamos avançando a grande velocidade neste século XXI, onde a evolução tecnológica não pára de crescer, nada ou muito pouco se faz em prol da humanidade. Miséria, guerra e fome estão na ordem do dia.
Apesar de consagrado na Constituição da República Portuguesa, e desde 2019 na Lei de Bases da Habitação, que evidenciam o direito à habitação como um direito fundamental de todos os cidadãos e cidadãs, segundo a Amnistia Internacional, no ano 2021 foram contabilizadas em Portugal cerca de 40 mil famílias a viver em situação de habitação indigna. A instabilidade no emprego com baixos salários fazem da habitação uma autêntica miragem, o crescimento absurdo dos preços distancia cada vez mais os jovens de uma solução para aquisição de casa própria ou de arrendamento, e é verdade que este já não é um problema exclusivo dos mais jovens.
Infelizmente estes números mantêm uma tendência crescente e um dos seus efeitos mais negativos é a incidência grave e desumana que têm sobre as crianças e jovens, que crescem com o sentimento de que a sociedade não se preocupa nem com eles, nem com as suas famílias. Crescem à margem da sociedade, tendo isso maus reflexos na sua aprendizagem e grande probabilidade de insucesso escolar.
A falta de uma habitação condigna tem também sérios efeitos na saúde das famílias, que em desespero de causa constroem habitações precárias sem condições, sem água canalizada, sem saneamento, sem electricidade, e nalguns casos em locais de difícil acesso.
Mas que mundo é este que volta a ter como solução para os que menos têm a construção de barracas? Estamos a voltar aos anos sessenta a grande velocidade. Esta situação não pode continuar, a oferta pública de habitação tem de aumentar urgentemente os seus insuficientes 2,8% existentes em Portugal.
Em Almada conhecemos bem esta dura realidade, com o ressurgimento de centenas de pessoas a viverem em habitações auto-construídas em terrenos do IHRU e não só. A existência de um parque habitacional camarário a necessitar de conservação e manutenção, que se faz em câmara lenta, são motivos de grande preocupação. Sei que não são de fácil resolução, mas têm que ser feitas com carácter de urgência.
Temos que dizer não àquela máxima muito utilizada de que “isto não é para fazer, é para ir fazendo”. São as pessoas que estão em causa, e as pessoas têm que ser o mais importante sempre! E não apenas nos períodos eleitorais.
Frases como “Governamos para as pessoas”, “Estamos a pensar em si”, “O melhor são as pessoas”, e outras do mesmo género têm que ter tradução real na prática: o direito à felicidade tem que ser para todos/as.
Impossível não recordar Sérgio Godinho quando imortalizou a definição de Liberdade, no seu poema criado há 50 anos que mantém toda a atualidade: “Só há Liberdade a sério quando houver A Paz, o Pão, a Habitação, a Saúde e a Educação.”
Todos, durante a nossa vida percorremos caminhos e ambicionámos uma vida melhor, uma vida digna, mas não o podemos ambicionar apenas para nós e para a nossa família. Temos que ter presente o bem comum, não podendo haver verdadeira felicidade se soubermos que tanta gente sobrevive com dificuldades que os colocam abaixo do limiar da pobreza.
À medida que os anos passam, cresce a certeza de que não são tomadas medidas concretas e sérias para resolver este problema dramático da falta de habitação, a preços que as pessoas com menores rendimentos possam pagar.
Como compreender que existam tantas casas abandonadas à nossa volta, que podiam e deviam ser requalificadas ou reconstruidas, aumentando assim a oferta de habitação disponível, se os proprietários não o fazem por não terem condições financeiras para recuperar o seu património, ou por outros motivos? O que é certo é que os imóveis degradados continuam a entristecer e deprimir o nosso espaço urbano.
Como compreender que espaços e imóveis pertencentes ao Estado continuem degradados sem nenhum tipo de intervenção? Tudo isto é inaceitável. Até quando vamos assistir a esta incúria? – é a pergunta que temos o direito de fazer!
Nunca é demais relembrar o ponto 1 do artigo 65º da Constituição da República Portuguesa sobre a Habitação e Urbanismo: “Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.”
Nos últimos tempos, milhares têm lutado pela afirmação do direito à Habitação, dando visibilidade a um problema que é urgente resolver, e que já ninguém duvida ser de facto um dos mais graves problemas do nosso País.
* Formador/Aposentado da empresa Arsenal do Alfeite. Dirigente do Bloco de Esquerda
- Artigo publicado em Almada Online a 29 de março de 2025
Sem comentários:
Enviar um comentário