quinta-feira, 19 de maio de 2011

EMENDA PIOR QUE O SONETO




MAIR PENA NETO – DIRETO DA REDAÇÃO

Ainda não estão claros os interesses por trás das denúncias contra o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, um dos mais queridos pelo mercado, mas a estratégia adotada para a defesa do seu enriquecimento nos últimos quatro anos pode ser considerada desastrosa. Uma nota da própria Casa Civil afirma que Palocci não foi o único a multiplicar seu patrimônio enquanto exercia cargo público, reforçando a percepção comum de que todos se locupletam no poder.

A intenção da nota talvez tenha sido encerrar o assunto ao citar especificamente nomes de ex-ministros da Fazenda, como Mailson da Nóbrega e Pedro Malan, e ex-presidentes do Banco Central e do BNDES, como Pérsio Arida e André Lara Rezende, que se tornaram banqueiros, diretores de instituições financeiras e consultores.

Ao se referir a personagens conhecidos, sobretudo tucanos ilustres, a nota parece ter pretendido enviar o recado de que todos têm telhado de vidro, o que poderia ser eficiente politicamente, mas terrível eticamente. Além de tudo, colocou ainda mais lenha na fogueira ao levantar a hipótese de que Palocci tenha se beneficiado de seus conhecimentos dos tempos de ministro da Fazenda, quando a multiplicação de seu patrimônio se deu no período em que esteve na Câmara dos Deputados.

O comunicado da Casa Civil afirma textualmente que “no mercado de capitais e em outros setores, a passagem por Ministério da Fazenda, BNDES ou Banco Central proporciona uma experiência única que dá enorme valor a estes profissionais no mercado”. A verdade não poderia ser mais cristalina. O mercado realmente deseja muito contar com essas pessoas, mas não apenas pelos seus talentos, e sim pelas informações de que dispõem.

O sentido ético do verdadeiro homem público deveria levá-lo a recusar tais propostas. E se é muito exigir isso, a lei precisaria estabelecer uma quarentena rigorosa para impedir quem deixa posições estratégicas, como o ministério da Fazenda e a presidência do Banco Central, de trabalhar ou prestar serviços para instituições financeiras.

O economista argentino Raúl Prebisch contou a Celso Furtado que quando deixou a direção do Banco Central argentino, por ele mesmo criado, ficou sem meio de vida, mas não aceitou vários convites para trabalhar no mercado financeiro. “Eu havia sido muitos anos Diretor-Presidente do Banco Central, conhecia a carteira de todos os bancos. Quando me demitiram, muitos grandes bancos me ofereceram altas posições, mas como podia colocar os meus conhecimentos a serviço de um se estava ao corrente dos segredos de todos?”, disse Prebisch, que, assim como Celso Furtado, nunca cedeu às tentações do setor privado.

A evolução do patrimônio de Palocci aconteceu durante o período em que esteve na Câmara dos Deputados e ele deve prestar contas dela. A nota da Casa Civil afirma que o ministro prestou todas as informações à Receita Federal e recolheu todos os impostos sobre a remuneração obtida com os serviços prestados, o que já é um ponto a seu favor. Há um oportunismo político evidente na exploração do caso, mas a questão ética ficou arranhada e a emenda foi pior do que o soneto.

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