terça-feira, 17 de maio de 2011

Moçambique: PORTUGUÊS ENQUANTO LÍNGUA DA “MOÇAMBICANIDADE”





No passado dia 5 de Maio comemorou-se em Maputo o Dia da Língua Portuguesa e Cultura da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). Um dos grandes escritores contemporâneos africanos de literatura de expressão portuguesa, e o mais consagrado de origem moçambicana, Mia Couto, considera que 36 anos após a sua independência, com cerca de 40% da população a falar português, “apenas uma das nações de Moçambique já vive na lusofonia”, e defendia, em 2001, que “o idioma português não é a língua dos moçambicanos. Mas, em contrapartida, ela é a língua da moçambicanidade.”

Instrumento de dominação ou troféu da independência?

Se em 1975, cerca de 80 por cento dos moçambicanos não falavam português, fala-se hoje mais português em Moçambique do que se falava na altura da Independência.

Há 30 anos, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), ainda na guerrilha anticolonial, viu no idioma lusitano uma arma para a unificação do país e a construção da Nação. Aquele instrumento que servira a dominação colonial se convertia, nas mãos dos nacionalistas, no seu contrário - um troféu de guerra, um pilar de afirmação.

Numa série de artigos no blog Moçambique para Todos, sobre o livro “Descolonização e Independência em Moçambique – Factos e Argumentos” de Henrique Terreiro Galha, é citado o líder revolucionário e primeiro presidente de Moçambique, Samora Machel, em finais de 1975, num comício no Estádio da Machava, na então cidade de Lourenço Marques (hoje cidade de Maputo):

“outros dirão mas a língua ainda é portuguesa. É preciso utilizar a língua do inimigo. A língua portuguesa agora já mudou de conteúdo, não é aquele português que era falado pelo senhor Governador em Moçambique. Deve ser o nosso português de moçambicanos.”


“O português era o único veículo de comunicação entre as diversas etnias. Foi uma decisão difícil, tomada a contra-gosto. Num seminário realizado em Mocuba (Zambézia), no início de 1975, com a presença de Joaquim Chissano, foi salientado e relembrado, como tarefa dos grupos dinamizadores, “a necessidade de transformar (sic) a língua portuguesa, de instrumento de despersonalização e opressão, em veículo de comunicação do Povo.”

Um português particular

Embora os dados existentes ilustrem que a maioria dos moçambicanos se comunica através das 43 línguas nacionais, a língua portuguesa é considerada como um dos elementos de Unidade Nacional. Segundo Mia Couto “o governo moçambicano fez mais pela língua portuguesa que séculos de colonização (…) seu próprio interesse nacional, pela defesa da coesão interna, pela construção da sua própria interioridade”. Num debate realizado no Centro Cultura Brasil-Moçambique a propósito do 5 de Maio o ministro da Cultura, Armando Artur, reafirmou que a língua portuguesa faz parte do património linguístico de Moçambique, coabitando com as línguas nacionais:

“Com o advento da Independência Nacional, ela viu o seu prestígio mais reforçado com a sua adopção como um elemento de Unidade Nacional, passando, deste modo, a ostentar o estatuto de língua oficial em Moçambique.”

O governante e escritor moçambicano acrescentou que cada vez mais os moçambicanos apropriam-se da língua portuguesa através de um processo de interacção, entre esta e as línguas nacionais, atribuindo-lhe marcas e aspectos próprios, que se consubstanciam em novas palavras e novas expressões.

Porém este elemento de Unidade é questionado por vários quadrantes da sociedade. Já em 2009, num comentário a um artigo do blog Moçambique para Todos, Elisio Fonseca apontava:

“Em nome da “unidade nacional” o nosso governo colocou um manto sobre a nossa cultura, menosprezando o ensino das línguas, hostilizando todos os nossos valores culturais. Há linguistas que consideram isto um erro tremendo. Para eles, a capacidade de um adolescente moçambicano em aprender uma língua estrangeira, seja o português ou o inglês, mede-se pelo domínio que tem da língua nativa. Sem esta base sólida, argumentam, torna-se mais difícil essa aprendizagem. Mas o erro foi feito, e hoje reflecte-se no nível do português falado entre muitas camadas da nossa sociedade.”

Max Coutinho, do blog Etnias, um exemplo de “inexactidão recorrente” que reflecte esse “nível” mencionado por Fonseca no uso da língua oficial:

“Os cidadãos de Maputo, tanto em solo nacional como na diáspora, confundem os verbos Ir (deslocar-se de um lugar para outro para lá ficar; afastando-se) e Vir (transportar-se para cá).”

Fátima Ribeiro, Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, comenta:

“O Português falado em Moçambique é diferente do falado noutros países lusófonos. Nós estamos a construir o nosso Português que tem várias influências das nossas várias línguas maternas e também do inglês. É um Português que, em termo de vocabulário, gramática e estrutura, é diferente naturalmente.”

Sobre a lusofonia e outras línguas faladas nos países de língua portuguesa, leia também os seguintes artigos que o Global Voices publicou em 2011:

Escrito por Jornal @Verdade

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