OK, então lá vai o que o presidente Barack Obama deveria dizer em discurso sobre o Oriente Médio: Vamos sair amanhã do Afeganistão. Vamos sair amanhã do Iraque. Vamos parar de dar apoio covarde incondicional a Israel. Os EUA forçarão os israelenses – e a União Europeia – a pôr fim ao sítio de Gaza. Suspenderemos todos os fundos que Israel espera receber de nós, até que acabe, completamente, sem condições, a construção de colônias em terras roubadas aos árabes que nunca pertenceram a Israel. Poremos fim a todos os negócios e cooperação com os ditadores viciosos do mundo árabe – seja saudita, sírio ou líbio – e apoiaremos a democracia também nos países nos quais os EUA têm interesses comerciais massivos. Ah! E, sim, conversaremos com o Hamas, claro.
Evidentemente o presidente Obama não dirá nada disso. Arrogante e covardemente, só falará sobre os “amigos” que o ocidente teria no Oriente Médio, sobre a segurança de Israel – e “segurança” é palavra que Obama jamais usou ao falar da Palestina – e enrolará e enrolará sobre a Primavera Árabe, como se, algum dia, tivesse dado algum apoio a alguma democracia no Oriente Médio (antes, claro, de os ditadores já estarem em fuga); como se – quando mais precisaram do apoio de Obama – Obama tivesse oferecido a ajuda moral de sua autoridade ao povo do Egito. E que ninguém duvide: Obama falará também muito sobre um grande Islã religioso (mas nunca muito grande, ou os Republicanos recomeçam a exigir a certidão de nascimento de Barack Hussein Obama). Temo que ouçamos também – ah, sim, temo! – um convite-comando para que viremos a página de Bin Laden, para “dar o assunto por encerrado” e “seguir avante” (convite-comando que, também temo, o Talibã não aceitará).
Mr. Obama e sua igualmente desfribrada secretária de Estado não têm ideia do que enfrentam no Oriente Médio. Os árabes perderam o medo. Estão fartos de nossos “amigos” e enojados de nossos inimigos.Em breve, os palestinos de Gaza marcharão sobre as fronteiras de Israel e exigirão o direito de “voltar para casa”.
No domingo, já vimos sinais disso nas fronteiras da Síria e do Líbano. O que farão os israelenses? Matarão palestinos aos milhares? E o que dirá então Mr. Obama? (Claro, exigirá “contenção dos dois lados”, frase que aprendeu do seu torturante predecessor).
Penso que os norte-americanos sofrem do mesmo mal que os israelenses: acreditam cegamente nos seus próprios argumentos de autoengano. Os norte-americanos continuam a falar da bondade do Islã; os israelenses, de como entendem “a mente árabe”. Mas não entendem coisa alguma.
O Islã, como religião, nada tem a ver com isso, como tampouco o Cristianismo (palavra que não tenho ouvido nos últimos tempos) tem algo a ver com isso, ou o Judaísmo. Trata-se agora de dignidade, honra, coragem, direitos humanos – qualidades que, noutras circunstâncias, os EUA sempre elogiam –, que os árabes entendem agora que também lhes cabem. E estão certos.
Está na hora de os norte-americanos se livrarem do medo que lhes inspiram os lobbyistas pró-Israel – de fato, são lobbyistas pró-Likud – e a repugnante acusação de antissemitismo que repetem contra qualquer um que se atreva a criticar Israel. É hora de os norte-americanos aprenderem a ter coragem, como a valente comunidade de judeus norte-americanos que protestam contra as injustiças cometidas por Israel e líderes árabes.
Mas nosso presidente favorito jamais dirá em seu discurso qualquer dessas verdades. Podem esquecer. Não passa de presidente bico-doce, que diz qualquer coisa, e que deveria ter devolvido – esquecemos? – seu Prêmio Nobel, porque nem Guantánamo conseguiu fechar; imaginem se conseguirá construir alguma paz!
E o que disse ele no discurso do Nobel? Que ele, Barack Obama, tinha de viver no mundo real; que não é Gandhi… Como se – e honra ao The Irish Times, por ter sabido ler – Gandhi não tivesse combatido o império britânico! Assim sendo, seremos como sempre ensaboados pelas análises de sempre nos EUA, que elogiarão a fala do presidente, essa conversa fiada miserável.
Depois, virá o fim de semana em que Mr. Obama falará à conferência anual do AIPAC, o mais poderoso “amigo” de Israel nos EUA. E começará tudo outra vez, segurança, segurança, segurança; rápida – se acontecer – referência às colônias israelenses na Cisjordânia; e, isso eu garanto, muitas e muitas referências a terrorismo, terrorismo, terrorismo, terrorismo, terrorismo, terrorismo, terrorismo. E, sim, mencionará o assassinato (para não usar a palavra execução) de Osama bin Laden.
Mas o que Mr. Obama não entende – e Mrs. Clinton, essa, então, não faz nem ideia – é que, no novo mundo árabe, já não se trata de confiar em ditadorezinhos e seus asseclas. Que basta de bajulação. A CIA deve andar carregando malas cheias de dinheiro para distribuir, mas suspeito que poucos árabes se animarão a tocar nesse dinheiro.
Os egípcios não mais tolerarão o sítio de Gaza. Nem, creio, os palestinos. Nem, tampouco, os libaneses, e nem os sírios, depois que se livrarem dos chefetes que os governam. Os europeus perceberão antes que os norte-americanos – estamos, afinal de contas, mais próximos do mundo árabe –, e duvido que continuem a admitir que a vida de todos continue a ser guiada pela indiferença acovardada com que os norte-americanos insistem em não ver o roubo de terras de que os israelenses fizeram meio de vida.
Tudo isso, claro, será como deslocamento vertiginoso de placas tectônicas para os israelenses – que deveriam estar elogiando e congratulando-se com os vizinhos árabes e com os palestinos, por se terem reunificado e unificado a causa; e que deveriam estar demonstrando solidariedade e amizade aos vizinhos árabes, em vez de medo.
Faz tempo que minha bola de cristal se partiu. Mas lembro bem do que Winston Churchill disse em 1940: “o que o general Weygand chamou de batalha pela França, acabou. Começa agora a batalha pelo Reino Unido.”
*Robert Fisk é correspondente do jornal britânico The Independent no Oriente Médio. Artigo originalmente publicado no The Independent, traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu e reproduzido pelo blog Viomundo.
Evidentemente o presidente Obama não dirá nada disso. Arrogante e covardemente, só falará sobre os “amigos” que o ocidente teria no Oriente Médio, sobre a segurança de Israel – e “segurança” é palavra que Obama jamais usou ao falar da Palestina – e enrolará e enrolará sobre a Primavera Árabe, como se, algum dia, tivesse dado algum apoio a alguma democracia no Oriente Médio (antes, claro, de os ditadores já estarem em fuga); como se – quando mais precisaram do apoio de Obama – Obama tivesse oferecido a ajuda moral de sua autoridade ao povo do Egito. E que ninguém duvide: Obama falará também muito sobre um grande Islã religioso (mas nunca muito grande, ou os Republicanos recomeçam a exigir a certidão de nascimento de Barack Hussein Obama). Temo que ouçamos também – ah, sim, temo! – um convite-comando para que viremos a página de Bin Laden, para “dar o assunto por encerrado” e “seguir avante” (convite-comando que, também temo, o Talibã não aceitará).
Mr. Obama e sua igualmente desfribrada secretária de Estado não têm ideia do que enfrentam no Oriente Médio. Os árabes perderam o medo. Estão fartos de nossos “amigos” e enojados de nossos inimigos.Em breve, os palestinos de Gaza marcharão sobre as fronteiras de Israel e exigirão o direito de “voltar para casa”.
No domingo, já vimos sinais disso nas fronteiras da Síria e do Líbano. O que farão os israelenses? Matarão palestinos aos milhares? E o que dirá então Mr. Obama? (Claro, exigirá “contenção dos dois lados”, frase que aprendeu do seu torturante predecessor).
Penso que os norte-americanos sofrem do mesmo mal que os israelenses: acreditam cegamente nos seus próprios argumentos de autoengano. Os norte-americanos continuam a falar da bondade do Islã; os israelenses, de como entendem “a mente árabe”. Mas não entendem coisa alguma.
O Islã, como religião, nada tem a ver com isso, como tampouco o Cristianismo (palavra que não tenho ouvido nos últimos tempos) tem algo a ver com isso, ou o Judaísmo. Trata-se agora de dignidade, honra, coragem, direitos humanos – qualidades que, noutras circunstâncias, os EUA sempre elogiam –, que os árabes entendem agora que também lhes cabem. E estão certos.
Está na hora de os norte-americanos se livrarem do medo que lhes inspiram os lobbyistas pró-Israel – de fato, são lobbyistas pró-Likud – e a repugnante acusação de antissemitismo que repetem contra qualquer um que se atreva a criticar Israel. É hora de os norte-americanos aprenderem a ter coragem, como a valente comunidade de judeus norte-americanos que protestam contra as injustiças cometidas por Israel e líderes árabes.
Mas nosso presidente favorito jamais dirá em seu discurso qualquer dessas verdades. Podem esquecer. Não passa de presidente bico-doce, que diz qualquer coisa, e que deveria ter devolvido – esquecemos? – seu Prêmio Nobel, porque nem Guantánamo conseguiu fechar; imaginem se conseguirá construir alguma paz!
E o que disse ele no discurso do Nobel? Que ele, Barack Obama, tinha de viver no mundo real; que não é Gandhi… Como se – e honra ao The Irish Times, por ter sabido ler – Gandhi não tivesse combatido o império britânico! Assim sendo, seremos como sempre ensaboados pelas análises de sempre nos EUA, que elogiarão a fala do presidente, essa conversa fiada miserável.
Depois, virá o fim de semana em que Mr. Obama falará à conferência anual do AIPAC, o mais poderoso “amigo” de Israel nos EUA. E começará tudo outra vez, segurança, segurança, segurança; rápida – se acontecer – referência às colônias israelenses na Cisjordânia; e, isso eu garanto, muitas e muitas referências a terrorismo, terrorismo, terrorismo, terrorismo, terrorismo, terrorismo, terrorismo. E, sim, mencionará o assassinato (para não usar a palavra execução) de Osama bin Laden.
Mas o que Mr. Obama não entende – e Mrs. Clinton, essa, então, não faz nem ideia – é que, no novo mundo árabe, já não se trata de confiar em ditadorezinhos e seus asseclas. Que basta de bajulação. A CIA deve andar carregando malas cheias de dinheiro para distribuir, mas suspeito que poucos árabes se animarão a tocar nesse dinheiro.
Os egípcios não mais tolerarão o sítio de Gaza. Nem, creio, os palestinos. Nem, tampouco, os libaneses, e nem os sírios, depois que se livrarem dos chefetes que os governam. Os europeus perceberão antes que os norte-americanos – estamos, afinal de contas, mais próximos do mundo árabe –, e duvido que continuem a admitir que a vida de todos continue a ser guiada pela indiferença acovardada com que os norte-americanos insistem em não ver o roubo de terras de que os israelenses fizeram meio de vida.
Tudo isso, claro, será como deslocamento vertiginoso de placas tectônicas para os israelenses – que deveriam estar elogiando e congratulando-se com os vizinhos árabes e com os palestinos, por se terem reunificado e unificado a causa; e que deveriam estar demonstrando solidariedade e amizade aos vizinhos árabes, em vez de medo.
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