David Muratore, EricToussaint
Entrevista realizada em 19 de abril de 2011, por David Muratore |1|,em Rosario (Argentina), terra natal de Che Guevara.
Eric Toussaint, que esteve em Rosario, convidado por diferentes organizaçõessociais (sendo uma delas a seção de Rosário da Central dos Trabalhadores daArgentina - CTA) falou sobre a questão da economia mundial e da América do Sul.Na entrevista ele afirmou também que "uma rebelião popular em algunspaíses europeus é possível." Ele antecipou também o aumento das taxas dejuros no Norte, podendo causar sérios problemas para as economias dependentes.Ele recomendou assim que a América do Sul "faça uma auditoria da dívidailegítima, que não a pague e que invista em fontes de financiamento endógenas,como o Banco do Sul".
Economista e historiador, seu primeiro trabalho por 10 meses, em 1972, foide jornalista esportivo, quando comentava os jogos de futebol para um jornalbelga |2|,muito embora não seja ele do tipo que jogue futebol e ainda deteste os negóciosque giram ao redor do mundo do futebol.
A crise econômica e financeira mundial vai durar entre 10 e 15 anosainda
A crise econômica e financeira mundial vai durar entre 10 e 15 anos aindanos países industrializados, anunciou Eric Toussaint em uma discussão com aequipe de comunicação da CTA de Rosario e com o jornalista Álvaro Torriglia, dodiário La Capital. Ele explica que a situação é diferente para os paísesdo Sul “que se beneficiam de uma conjuntura favorável graças aos preçoselevados das comodites e da situação da China, como locomotiva da economiamundial”. Um outro fator, favorável atualmente para os países do Sul, é astaxas de juros baixas dos países de primeiro mundo “que permitem aos paísesemergentes reembolsar suas dívidas sem que isto afete muito suas economias umavez que pagam uma taxa de juros relativamente baixa, uma taxa sustentável.”Mas isso dito, ele nos oferece uma primeira advertência: “Esta situaçãofavorável resulta de dois fatores que são alheios à América Latina, à África ea grande parte da Ásia. Primeiro fator: as decisões dos bancos centrais doNorte de manter as taxas de juro baixas. Segundo fator: o boom econômico chinês”.Mas isso, de acordo com Eric Toussaint, não altera a situação que causou acrise internacional. “As taxas de juros baixas nos Estados Unidos, desde2008, e na Europa, desde 2009, permitiram às empresas que estavam à beira dafalência, assim como às empresas que detinham ativos tóxicos, de serefinanciarem; isto diminuiu o impacto da crise, mas com uma injeção vultuosade dólares e euros no sector financeiro temos um grande volume de liquidez, doqual uma grande parte vai para as atividades especulativas relacionadas àsmatérias-primas, alimentos e títulos da dívida pública de países europeus comoa Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda. Os bancos centrais deveriam,logicamente, aumentar suas taxas, constrangendo assim a formação de novasbolhas mas, ao mesmo tempo, faria explodir as bolhas existentes, conduzindo a novasfalências. Além disso, uma vez que as taxas de juros aumentam, o custo doreembolso da dívida pública aumenta, o que está acontecendo, já que, há algunsdias, o Banco Central Europeu elevou sua taxa básica, passando de 1% para1,25%. Caso a alta dos juros se confirme, tomando proporções significativas,isso terá um impacto negativo importante sobre as economias do Sul.”
A alternativa do não-pagamento da dívida para os países da periferiada Europa
Eric Toussaint considera uma entrada em dificuldades de vários paíseseuropeus. Ele afirma que “o exemplo argentino |3|está em discussão na Europa. A suspensão do pagamento da dívida pública é umapossibilidade para países como a Grécia, Portugal, Irlanda ou mesmo a Espanha”.Para que isso não seja considerado como um exagero, ele salientou que “estaé uma discussão espontânea, dada a dificuldade da situação e que aparece nojornal econômico de referência que é o Financial Times e também na últimaedição do The Economist. Perante esta situação, movimentos sociais como onosso, o Comité pela Anulação da Dívida do Terceiro Mundo, www.cadtm.org , sustentam a perspectiva dainadimplência.” Eric Toussaint propõe a suspensão dos pagamentos, arealização de auditorias – “diferentemente do que aconteceu na Argentina”,para detectar a parte ilegítima e forçar os detentores de títulos a aceitar asanulações ou as reestruturações, com uma redução do estoque da dívida.
A continuidade das velhas receitas neoliberais
Apesar desta discussão sobre a solução da crise para os vários paíseseuropeus através da cessação de pagamentos, as políticas implementadas pelosgovernos são as mesmas receitas neoliberais de sempre, disse Eric Toussaint.Ele dá como exemplo “as privatizações, como na Grécia, um país pequeno ondepretendem impor privatizações de mais de 50 bilhões de euros, mas onde asmobilizações sociais continuam a ser importantes.” Ele aborda desta forma aideia que deu o título a esta entrevista: “não se pode descartar que possahaver uma reviravolta num determinado momento, como resultado do aumento dessesprotestos”, mas “eu diria que estamos sendo confrontados, na Europa, comuma situação do tipo ocorrido no governo de De la Rúa - Domingo Cavallo, emborana Argentina tenha acontecido aquilo que nos é conhecido, em dezembro de 2001.”O governo de centro-esquerda de Fernando de la Rúa e seu ministro da Economia,Domingo Cavallo (ex-ministro da ditadura argentina), aplicou fortes medidasneoliberais, em um contexto no qual a Argentina estava em recessão há mais dedois anos. Isso causou uma revolta social muito forte em dezembro de 2001. Issoderrubou o governo (o presidente "escapou" do palácio presidencialnum helicóptero) e levou o novo presidente (Rodriguez Saa) a decretar, no fimde dezembro de 2001, a suspensão do pagamento da dívida e a fazer importantesconcessões ao movimento social cujas mobilizações foram muito fortes em2002-2003.
Eric Toussaint vê este tipo de "reviravolta" como umapossibilidade em alguns países como a Irlanda, Portugal ou a Grécia. Entretantoele precisa em seguida: “esta situação pode durar anos, pois é claro que asesquerdas tradicionais européias dão continuidade, quando alcançam o poder, àspolíticas neoliberais, e o resultado é, portanto, a necessidade de uma crisedesse tipo de orientação, a crise dos partidos tradicionais da esquerda européiapara que uma mudança ocorra. Vemos isso com os governos socialistas de Portugale da Grécia. Na Europa, pode haver uma rebelião popular com as mesmas dimensõesdo levante argentino ou daqueles ocorridos contra as ditaduras do Norte deÁfrica.” Perguntado se ele vê condições objetivas de revoltas populares empaíses da periferia da Europa (Grécia, Irlanda, Portugal), Toussaint respondeuafirmativamente: “Sim, absolutamente!” Até então, os protestos têm seguidoseu caminho tradicional “greves gerais, sem excessos, exceto na Islândia, ondehouve uma rebelião nas ruas.” Apesar do fato de que a Islândia é um país dequase 350 mil habitantes, os protestos contra os responsáveis pela crisemarcaram a história deste país “e os islandeses rejeitaram, no decorrer de doisreferendos, o pagamento da dívida externa da Islândia” |4|.
Eric Toussaint continua, referindo-se às revoltas na África do Norte quepodem também ter repercussão em alguns países europeus mais afectados pelacrise. A proximidade com a zona mediterrânia da Europa, em particular no quediz respeito à Grécia e à Espanha, e a existência nesses países detrabalhadores originários daqueles países Africanos, vêm em apoio a essapossibilidade.
Sem chegar ao ponto de dizer que estes trabalhadores seriam a causa de umarebelião europeia, ele explica que em alguns setores da opinião públicaeuropeia surgiu a ideia de que “se as pessoas se opuseram na África do Norteaos governos absolutistas e violentos, porque não se oporiam a governos como osda Europa que não respeitam a vontade popular?”. Eric Toussaint vê noresultado das eleições na Europa uma insatisfação que se reflete na busca dealternativas, incluindo aí a extrema-direita. Trata-se de mais uma demonstraçãosuplementar de insatisfação quanto à política econômica praticada pelospartidos tradicionais na Europa, tanto de centro-direita quanto decentro-esquerda. Obviamente que onde o eleitorado volta-se para a direita arebelião parece distanciar-se. A Hungria e a Finlândia são exemplos destavirada à direita.
Rumo ao fim do Euro? O centro e a periferia europeus
“O euro está em crise e, em muitos países, diferentes sectores da opiniãopública sugerem a saída desta moeda, certamente uma discussão que está aberta”,disse Eric Toussaint.
Em seguida, ele propõe uma agenda com os temas mais importantes: o temaprincipal sendo o da dívida e das auditorias da dívida, a decisão de continuarou não os pagamentos e o segundo tema sendo a retirada ou não do Euro, da partede países como a Grécia, Portugal e Irlanda. Ele explica que nos paísesperiféricos da Europa, gosava a União Europeia de um grande crédito, na décadade 1970 e no início de 1980, uma vez que ela simbolizava o distanciamento dasexperiências totalitárias na Espanha, Portugal e Grécia. Hoje em dia estecontexto não existe mais. Havia também uma transferência de capitais da Alemanha,da França e do Benelux para esses países, que também não existe mais hoje. “Agoratemos uma relação Centro-Periferia no seio da União Europeia, uma relaçãodesfavorável para a periferia.”
“Quem são os detentores dos títulos da dívida grega?" pergunta-seele, antes de responder: "os banqueiros alemães e franceses, nummontante de 41%, seguidos por banqueiros italianos, belgas, holandeses ebritânicos; ocorre de forma semelhante com a dívida da Espanha, do Portugal eda Irlanda”, o que tem por concequência que os países mais pobres da Europaefetuam uma transferência de recursos para os países da Europa “Central”. Issogera um sentimento de descontentamento nestes países periféricos. Na imprensaalemã, e mesmo na Europa em geral, tentamos apresentar a Alemanha comooferecendo assistência aos países na periferia, embora não seja este o caso,esta "ajuda" retorna para o sector financeiro privado alemão.
Os países do Sul e a dívida
“O problema na América Latina, por exemplo, é que os governos não levam emconta a forma como a situação poderá evoluir, considerando eles que o pagamentoda dívida é sustentável em função das baixas taxas de juros atuais e, portanto,não tomam nenhuma medida e, o que é pior, endividam-se rapidamente”, afirmaEric Toussaint, mesmo não sendo este o caso para a Argentina, onde não estamospresenciando uma nova onda de endividamento, mas é o caso para os países nosquais a entrada de divisas é devida fundamentalmente ao petróleo. “Trata-sede uma incapacidade de levar em conta a situação que é muito grave, uma vez queseria necessário tirar proveito da situação atual na qual as reservas estãoelevadas para fazer duas coisas: a auditoria da dívida , identificar a parteilegítima e suspender seu pagamento, para reduzir drasticamente o estoque dadívida e acelerar o ritmo da integração regional.”
O Banco do Sul, uma meta necessária
“Os países latino-americanos deveriam lançar a iniciativa do Banco doSul, uma iniciativa ao mesmo tempo necessária e viável, colocando parte dassuas reservas neste banco e financiando desta forma projetos regionais, sem terque pedir financiamento para o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID),ao Banco Mundial, ao FMI ou ao mercado de capitais.” Ele lança dessa formao seguinte aviso aos governos dos países emergentes: “eles perdem um tempoprecioso e a situação pode se deteriorar rapidamente, devido à falta deprevisão, razão pela qual eu quero alertar a opinião pública sobre os perigos,que não são imediatos. Nós não podemos prever qual será o ritmo do aumento dastaxas de juros no Norte, mas é claro que a tendência atual é no sentido de umaumento, o que irá afetar o Sul.”
Eric Toussaint termina seu café no bar do centrinho, onde fizemos aentrevista; ele pergunta ao colunista do La Capitale como está acirculação deste jornal, o que permite ao repórter lhe contar sobre a tentativahavida de ataque contra os trabalhadores (jornalistas, impressores, ...) daparte dos patrões da empresa, e a reação dos trabalhadores, seguida da reaçãodo povo de Rosario. “E como acabou?” Inquiriu ele, então. O repórter lherespodeu que os trabalhadores haviam tido êxito e, então, ele exibiu um sorrisoe disse "muito bem", mais para ele do que para seusinterlocutores.
Traduzido por Claudia de Siervi
Notas
|1| David Muratore é o secretário de comunicação daConfederação de Trabalhadores Argentinos (CTA), que é a alternativa sindical aosindicato histórico CGT.
|2| Trata-se do jornal de Liége, La Walonie, agoradesaparecido. Foi o órgão do sindicato FGTB em Liége. Na Bélgica não há maisnenhum jornal de esquerda
|3| De 2001 a 2005, a Argentina suspendeu o reembolso dasua dívida pública externa na forma de títulos, num montante de cerca de 100bilhões de dólares. Graças a esta decisão, a Argentina foi capaz de entrar numafase de recuperação econômica e social.
|4| Ver “Islândia: NÃO e mais NÃO!” por YvetteKrolikowski, Mike Krolikowski, Damien Millet http://www.cadtm.org/Islande-NON-et...
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