quarta-feira, 18 de maio de 2011

EM FACE DA CRISE NA EUROPA: PONTOS DE VISTA CONVERGENTES




Eric Toussaint

Desde Setembro de 2010 que está em curso o feliz encadeamento de um processode convergência entre o CADTM e outros movimentos sobre as formas de fazer faceaos problemas da dívida pública e à sua utilização por parte dos governos paraporem em marcha verdadeiros programas de ajustamento estrutural. Eis algunsexemplos:

1. No Manifesto dos Economistas Aterrados lançado em Setembro de 2010 esubscrito por mais de 2700 economistas e diversos militantes, pode ler-se,entre as 22 propostas concretas para a saída da crise, duas que vãoparcialmente ao encontro das propostas avançadas pelo CADTM: |1|

«Medida n.º 9: Realizar uma auditoria pública e cívica às dívidassoberanas, para determinar a sua origem e conhecer a identidade dos principaisdetentores de títulos de dívida e os montantes que possuem.» «Medida n.º 15: Senecessário, reestruturar a dívida pública, limitando por exemplo o seu peso adeterminado valor percentual do PIB e estabelecendo uma discriminação entre oscredores segundo o volume de títulos que possuam: os grandes financeiros(particulares ou instituições) deverão aceitar um prolongamento considerável dadívida, senão mesmo anulações parciais ou totais. É igualmente necessáriorenegociar as exorbitantes taxas de juro dos títulos emitidos pelos países queentraram em dificuldade na sequência da crise.»

2. A 24 de Novembro de 2010, a ATTAC espanhola avança a seguinte posição acercada Grécia: «Na Grécia, a associação obscura, secreta e delituosa entre aGoldman Sachs e o governo conservador precedente intrujou os cidadãos gregos eeuropeus, com o apoio cúmplice da banca privada alemã e francesa. O plano deresgate europeu permitiu a esses bancos alemães e franceses recuperar as suasperdas, enquanto a Goldman Sachs e os responsáveis políticos precedentesdesfrutam livremente o seu festim. A resposta justa consistia e consiste, emprimeiro lugar, em emitir um mandato de captura contra os responsáveis,levando-os a tribunal pelos seus delitos; em segundo lugar, em exigir umaauditoria à dívida, a fim de determinar e reconhecer unicamente a parte justada mesma; e por fim, em dar prioridade aos interesses sociais dos Gregos sobreos da banca internacional, reponderando os orçamentos e compromissos referentesà compra de novos submarinos à Alemanha.» No caso da Irlanda, a ATTACespanhola afirma: «Neste caso específico, existem também numerosas razões paraacusar os dirigentes actuais e os membros dos conselhos de administração dosbancos privados pelos delitos cometidos. Recusar a continuação do pagamento dadívida até que se faça uma auditoria e pôr os interesses da população à frentedos interesses dos especuladores fundamentalistas de mercado, que nos mentem enos ludibriam.» |2|

3. A coligação irlandesa «Dívida e Desenvolvimento» agrupa uma série de ONGsde desenvolvimento e de organizações de solidariedade Norte¬/Sul com base numaplataforma bastante moderada e essencialmente focada numa melhor gestão dosempréstimos concedidos aos países do Sul. Ela produziu um documento de 24páginas sobre a crise irlandesa, nas quais apela ao governo irlandês para que«ponha em questão a política do FMI, nomeadamente ao reclamar o fim dascondições acrescentadas aos acordos de empréstimo do FMI». |3|

Por seu lado, a principal confederação sindical irlandesa exige que osdetentores de títulos da dívida pública sejam sujeitos a uma redução de 10% doseu valor |4|

4. Num comunicado datado de 30 de Novembro de 2010, a ATTAC francesa avança6 propostas / reivindicações que o CADTM pode subscrever na generalidade:« –taxação e regulação estrita das transacções financeiras, a começar pelastransacções sobre o euro; proibição da especulação sobre as dívidas públicas;encerramento progressivo dos mercados;– declaração de falência para os bancosdemasiado endividados, sem indemnização dos credores e accionistas queacumularam lucros brincando com o fogo;– nacionalização dos bancos salvos pelosfundos públicos; estes bancos devem ser rapidamente socializados, ou seja, postossob controle democrático dos assalariados, dos cidadãos e dos poderespúblicos;– interdição aos bancos comerciais (de depósitos), que gerem aspoupanças privadas, de encetarem acções especulativas e de terem filiais nosparaísos fiscais;– reestruturação da dívida, com redução parcial para osEstados estrangulados pela carga da dívida pública; a dívida agravada pelosbenefícios fiscais dos ricos, nutrida pela crise financeira e pelo auxíliofinanceiro aos bancos, é uma dívida ilegítima;– Em paralelo, monetarizaçãoparcial da dívida pública, devendo o Banco Central Europeu comprar as suasobrigações directamente aos Estados.»

5. A 5 de Dezembro de 2010, um jornal grego de grande tiragem publicou umartigo de opinião do economista grego Costas Lapavitsas intitulado ComissãoInternacional de Auditoria da Dívida Grega: Uma Exigência Imperativa.Concluindo o artigo, o autor afirma: «A Comissão internacional de auditoriaterá um campo de acção privilegiado no nosso país. Basta pensar nos contratosde dívida celebrados com a intermediação da Goldman Sachs ou destinados afinanciar a compra de armas para concluir a necessidade de uma auditoriaindependente. Se se revelarem odiosas ou ilegais, essas dívidas serão entãodeclaradas nulas e o nosso país poderá recusar o seu reembolso, pedindo ajustejudicial de contas a quem as contraiu».

6. A 17 de Dezembro de 2010, a rede europeia da ATTAC publicou umadeclaração comum |5|
propondo verdadeiras medidas alternativas, entre as quais:« – desencadearum mecanismo de suspensão, pelo qual os Estados repudiariam o todo ou parte dasua dívida pública, provocada pelos benefícios fiscais aos ricos, pela crisefinanceira e pelas taxas de juro exorbitantes impostas pelos mercadosfinanceiros;– fazer uma reforma fiscal para restabelecer as receitas públicas etorná-la mais justa, taxando os movimentos de capitais, os rendimentos maiselevados, os lucros das empresas, tendo em vista a maximização da receita.»Tambémaqui verificamos uma larga convergência destes dois pontos entre a rede dasATTAC europeias e a rede do CADTM europeu.

7. Alguns dias mais tarde, Jean-Marie Harribey, ex-co-presidente da ATTACfrancesa e membro do seu conselho científico, publicou um artigo intitulado «ÉPreciso Encurralar os Serial Killers», no qual propõe «acolectivização-socialização de todo o sistema bancário à escala europeia». Noque respeita à dívida, consagra dois parágrafos que não podemos deixar desubscrever:«Anular a parte ilegítima da dívida pública Toda a gente sabe quea subida dos défices públicos e, consequentemente, do endividamento público nãoresulta duma deriva das despesas públicas. Resulta de dois factores: um queestá em curso de forma ascendente desde há várias décadas, exemplarmenteilustrado pelo caso francês: a fiscalidade foi reduzida de todas as formas, emparticular a fiscalidade progressiva, sem que os sucessivos governos tenhamconseguido cercear proporcionalmente as despesas públicas e sociais, das quaisuma grande parte é incompreensível. O segundo factor é recente e mais violento:o endossamento da dívidas privadas para o colectivo público, na sequência dacrise bancária e financeira. Não há justificação possível para que aspopulações sejam obrigadas a acarretar todas as consequências duma situação daqual não são responsáveis. A quase totalidade da dívida pública é ilegítima.»

8. A 3 de Março de 2011, mais de uma centena de personalidades gregas e internacionaislançaram um apelo público a favor da criação duma comissão de auditoria.Declaram: «Nós, abaixo assinados, pensamos que há necessidade urgente deconstituir uma Comissão de Auditoria para examinar a dívida pública grega. Aactual política relativa à dívida pública levada a cabo pela União Europeia epelo FMI acarretou custos sociais gravíssimos para a Grécia. Por conseguinte, opovo grego tem o direito democrático de ser cabalmente informado sobre a dívidapública e a dívida privada que beneficia de garantias públicas. O objectivodesta comissão será o de investigar as razões que levaram a que esta dívidafosse contraída, os termos nos quais tal foi feito e o destino dado aos fundosemprestados. Com base no resultado destas indagações, a Comissão deveráproduzir recomendações relativas à dívida, incluindo as partes reconhecidascomo ilegais, ilegítimas ou odiosas. O objectivo da Comissão será ajudar aGrécia a tomar todas as medidas necessárias para fazer frente ao fardo dadívida. A Comissão tentará igualmente apurar as responsabilidades.» |6|

9. A 10 e 11 de Março de 2011, representantes de sindicatos belgas eeuropeus, de ONGs e de redes de 15 países europeus (de Oeste a Leste)reuniram-se na primeira Joint Social Conference de Primavera. Eis um extractoda declaração final aprovada nesse encontro:«Os trabalhadores não sãoresponsáveis pela crise, mas foram e continuam a ser as primeiras vítimas. Oque é demais basta! A situação crítica dos orçamentos dos países da UniãoEuropeia tem de ser regulada doutra maneira: a. por um sistema fiscal justoque, ao invés das tendências actuais, tribute mais os ricos e os lucrosfinanceiros do que os trabalhadores (nomeadamente regressando à progressividadedos impostos, introduzindo um tributo europeu sobre as transacções financeiras,abolindo os paraísos fiscais, introduzindo um imposto mínimo sobre as empresasà escala europeia); b. por uma auditoria às dívidas públicas nos países daUnião Europeia; não podemos aceitar que o futuro de uma ou várias gerações sejahipotecado por causa duma dívida que de facto é, na sua maior parte, a dívidados especuladores e do sistema financeiro.» |7|

10. Em Maio de 2011, num livro sobre a dívida pública elaborado pela ATTACfrancesa, a associação altermundialista destaca diversas alternativas queconstituem um conjunto coerente para sair da crise |8|...e que são largamente partilhadas pelo CADTM, designadamente no que se refereà necessidade da auditoria da dívida e à anulação das dívidas públicasilegítimas.

11. A 4 de Maio de 2011, uma coligação irlandesa (constituída pela Actionfrom Ireland –Afri-, pelo sindicato UNITE e pela campanha Dette etdéveloppement) dá inicio a uma auditoria independente da dívida irlandesa.

12. Do 6 ao 8 de Maio 2011 teve lugar em Atenas uma conferência internacionalem favor da auditoria da dívida e da anulação da parte ilegítima da dívida.Quase 3 000 pessoas tomaram parte. É incontestável que o tema da dívida públicairrompeu no Norte por ocasião da grave crise que o mundo atravessa desde2007-2008. Os ensinamentos de 30 anos de ajustamentos estruturais no Sul devemser aproveitados e os povos europeus devem mobilizar-se em força, para que asdecisões tomadas no Norte não sejam um símile das decisões impostas ao Sul nodecurso das três últimas décadas. Numerosos movimentos começam já a pôr aquestão da legitimidade dessa dívida e da sua auditoria integral, tendo emvista a anulação da parte ilegítima. Este combate é essencial para estabeleceras bases duma lógica económica e financeira radicalmente diferente. A dívidapública é o ferrolho que é preciso fazer saltar no interesse dos povos. Paracomeçar a pôr em prática uma política económica e social ao serviço daspopulações e para lutar contra as mudanças climáticas, a redução radical dadívida pública é uma condição necessária más insuficiente. É apenas o primeiropasso. Deverá ser acompanhada por uma série de reformas radicais a propósitodas quais o CADTM trabalha há anos para fornecer pistas eficazes e coerentes.Só uma mobilização popular maciça, com objectivos claros, permitirá alcançaresta meta.

Notas
|2
| Verhttp://www.attac.es/realidad-co...
|3| Debt and Development Coalition Ireland, «AGlobal Justice Perspective on the Irish EU¬IMF Loans: Lessons from the WiderWorld», Novembro 2010, http://www.cadtm.org/A-Global-Justi....
|4
|5
| Verhttp://www.france.attac.org/spi...
|6| Texto integral do apelo e lista de signatários: http://www.cadtm.org/Appel-pour-une...
|7
|8
| Ver ATTAC, «Le piège de la dette publique, comments’en sortir, Les liens qui libèrent», Paris, 2011, chapitre 6. http://www.france.attac.org/livres/

P.S

Eric
Toussaint é Doutor em Ciências Políticas pelas Universidades de Liège eParis VIII, Presidente da CADTM Bélgica, membro do Conselho Internacional doFórum Social Mundial e da Comissão presidencial de auditoria da dívida (CAIC)do Equador, membro do Conselho Científico da ATTAC França, autor do livro: ABolsa ou a Vida – As finanças contra os povos, Perseu Abramo, São Paulo, 2002;co-autor do livro: 50 perguntas / 50 respostas sobre a dívida, o FMI e o BancoMundial, Boitempo Editorial, São Paulo, 2006. Próximo livro a ser publicado emJunho de 2011: La Dette ou la Vie, Aden-CADTM, 2011 (obra colectiva coordenadapor Damien Millet e Eric Toussaint).

Tradução de Rui Viana Pereira, revisão de Noémie Josse.


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