MANUEL TAVARES - JORNAL DE NOTÍCIAS
Passos Coelho não podia desejar uma vitória eleitoral melhor que esta: inequívoca quanto à disputa com José Sócrates sobre a preferência dos portugueses para o desempenho do cargo de primeiro-ministro e ainda por cima traduzida num resultado que sendo rotundo não atingiu a maioria absoluta e que por isso chama Paulo Portas à partilha de responsabilidades.
A favor de Passos Coelho podemos alinhar um conjunto muito interessante de circunstâncias favoráveis no quadro da maioria absoluta PSD/CDS que irá liderar: a expressiva votação que o PSD obteve, apenas inferior às maiorias obtidas por Cavaco Silva e a relação de forças também muito favorável que lhe permitirá uma margem de negociação suficiente com Paulo Portas de modo a garantir que uma das suas promessas mais ouvidas não se perca. Ou seja: um governo contido na quantidade de ministros e secretários de Estado, para dar o melhor e mais simples exemplo de que o Estado gordo não é uma fatalidade.
Passos Coelho reúne também outro conjunto assinalável de circunstâncias favoráveis no campo da futura Oposição: pela primeira vez a Esquerda vê a Direita concretizar o sonho de sempre, ou seja, um presidente da República eleito pelas suas forças, uma representação parlamentar e um governo sustentados por uma maioria absoluta de votos; mas a Esquerda perde ainda José Sócrates que, ao retirar-se da esfera dos cargos políticos, abre no PS um processo certamente complexo de escolha e afirmação de um novo secretário-geral; e esse novo líder vai ter de encontrar novas ideias e uma estratégia que terá como opção de fundo procurar "engolir" o que resta do Bloco de Esquerda ou, em sentido inverso, pacificar toda a Esquerda com o objectivo de tentar regressar ao poder numa base de compromisso; e tudo isto não só é difícil - a primeira declaração do Bloco foi no sentido de chamar a si, desde já, a liderança do combate parlamentar - como carece de tempo, e muito...
Mas Passos Coelho tem também pela frente um conjunto de circunstâncias desfavoráveis, que está obrigado a superar em tempo recorde uma vez que há um conjunto de medidas acordadas com a troika e com prazos de operacionalização até Setembro próximo - o corte nas pensões de reforma acima de 1500 euros e a subida das taxas moderadoras são das primeiras - cujo impacto social negativo é evidente para a classe média. Ora este plano da troika, que é uma espécie de governo sombra, não pode deixar de ser amenizado através de compensações que abriguem pelo menos os sectores de actividade e franjas sociais mais débeis. Sim, porque, infelizmente, sendo certo que é gordo não é menos verdade que este Estado ainda mata a fome a muitos portugueses. Ora, neste particular, o programa eleitoral do CDS, aparentemente menos radical que o do PSD na redução do peso da função social do Estado, será porventura mais fácil de aplicar no imediato.
Acresce que, para manter-se fiel aos pontos essenciais do seu programa, Paulo Portas nem sequer necessita de um debate miudinho com Passos. Simplesmente porque, ao procurar distinguir-se sem margem para dúvidas do PS de Sócrates, Passos construiu um programa verdadeiramente de ruptura com o actual Estado. E tanto assim que boa parte dele ficará suspenso de uma revisão constitucional, que, já ontem, nas primeiras declarações pós-vitória, Alberto João Jardim recordou nos termos seguintes: "Sem ela não vamos lá".
Por fim, continuamos a ter uma taxa de abstenção muito grande. Enorme para uma emergência como esta que estamos a viver.
Ainda assim, mudar é sempre um acto de coragem. E por isso deve ser saudado como um sinal de esperança.
Bom dia, Portugal.
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