terça-feira, 26 de julho de 2011

ESTADOS NORTE-AMERICANOS ABOLEM ESCRITA À MÃO NAS ESCOLAS




RICARDO CARVALHO – CARTA CAPITAL

O estado norte-americano de Indiana, seguindo uma tendência de mais de 40 estados do país, aboliu a exigência do ensino de letra cursiva em suas escolas.

A nova norma recomenda aos professores não dar ênfase na aprendizagem da letra cursiva – escrita manuscrita em que as letras são arredondadas e ligadas umas às outras pelas pontas – e focar em outras habilidades, como a digitação de textos em teclados. Desse modo, os educadores norte-americanos conferem menos importância à prática de caligrafia, algo que sempre foi tradição no país. Na prática, a norma significa o desestimulo ao trabalho de uma das formas da escrita à mão – e mantém-se a exigência do ensino da letra de forma (também chamada de “imprensa”), o que acarreta na diminuição do tempo gasto com a aprendizagem da forma manuscrita.

A medida adotada por Indiana é um reflexo do crescente peso das novas tecnologias na sala de aula. Os responsáveis por sua adoção creem que o uso cada vez mais frequente pelos alunos de computadores torna desnecessário que a criança concentre esforços na forma cursiva.

Trata-se, também, de um reflexo de algo que já é uma realidade em muitas escolas norte-americanas. De acordo com o jornal Valor Econômico, pesquisas nacionais mostram que 90% dos professores da 1ª a 3ª série gastam apenas uma hora por semana para o desenvolvimento da escrita à mão.

A nova norma gerou polêmica tanto entre educadores norte-americanos quanto brasileiros. “Não há perda propriamente da aprendizagem escolar (ao abandonar-se o ensino da letra cursiva), mas sim na aprendizagem para a vida social: o da escrita para comunicações pessoais, bilhetes, listas de compras, atividades que a escrita com lápis e papel resolve mais rapidamente, preservando a intimidade da comunicação”, afirma Magda Becker Soares, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais.

A opinião é partilhada por Artur Gomes de Morais, professor titular do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco. “Saber escrever à mão é parte da noção que construímos, nos últimos séculos, de ser humano civilizado. Ser capaz de escrever de próprio punho e ser capaz de usar tecnologias antigas como a caneta ou o lápis continua sendo parte importante na definição de cidadão alfabetizado e letrado”, diz. Ele também destaca que escrever à mão, com letra cursiva, é um símbolo de diferenciação. “Na França, por exemplo, uma carta de recomendação escrita à mão tem um valor simbólico muito maior que o mesmo texto digitado e apenas assinado”.

Os dois educadores também concordam que uma medida semelhante seria impensável para a realidade brasileira. Em primeiro lugar, pelo fato de aqui as novas tecnologias da comunicação ainda não estarem inseridas nas salas de aula do mesmo modo que nos Estados Unidos. Além do mais, historicamente o Brasil e os Estados Uniram se distanciaram da maneira como abordam a alfabetização e o letramento de seus alunos. Até os anos 80, havia grande ênfase também no Brasil ao ensino da leitura e escrita pela letra cursiva, principalmente com a prática da caligrafia.

“Desde então, temos avançado numa frente mais importante. Em lugar de investir muito tempo em treino caligráfico ou coisas afins, despertamos para algo mais fundamental: o papel da escola é formar cidadãos capazes de compreender os textos escritos que circulam na sociedade. Hoje, é quase consenso que, mesmo aos seis anos, é preciso alfabetizar letrando”.

Para isso, diz o professor, os alunos precisam saber ler todos os tipos de letra, seja a cursiva ou a de imprensa (presente nos teclados). “Como alfabetizar letrando ensina também ensinar a escrever, as crianças precisam a escrever conforme o gênero textual. Se vou fazer uma carta, por exemplo, posso usar a letra cursiva”, conclui.

Para Artur Gomes de Morais, esse abandono da escrita à mão nos EUA é reflexo de uma tendência no país de separar, na etapa da alfabetização, o ensino da leitura e o ensino da escrita. “Lá existe uma mentalidade, a meu ver questionável, de que primeiro a criança aprenderia a ler e depois a escrever. Felizmente isso não ocorre no Brasil, porque do ponto de vista cognitivo essa dicotomia não existe”, afirma.

“A mente do aprendiz, para aprender a ler, precisa aprender como as letras funcionam e precisa juntar mentalmente as letras. Ora, poder escrever, seja do próprio punho, seja teclando, é o ato de materializar a produção da escrita, tomar a decisão sobre que letras pôr, etc…”

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