FLÁVIO AGUIAR, Berlim – OPERA MUNDI
Na que passou e neste começo de semana um pequeno terremoto agitou o governo alemão. As forças mais à direita, representadas pelo vice-chanceler Philipp Rösler, do FDP, e pelo primeiro ministro da Baviera (da União Social Cristã, CSU, co-irmã da União Democrata Cristã da chanceler Ângela Merkel), Horst Seehofer, começaram a falar abertamente de um endurecimento em relação à Grécia. O vice-chanceler aventou a possibilidade de uma moratória ou falência da Grécia em relação à sua dívida pública (movimento que agora atende pelo termo “default” ou “reestruturação”), enquanto Seehoffer aventou a simples possibilidade de expulsar aquele país da zona do euro.
A posição de Rösler aventava para a possibilidade (ainda no campo das conjecturas) de que o FDP não venha a votar no Parlamento Alemão (Bundestag) pela aprovação do novo pacote de ajuda à Grécia, da ordem de mais uma centena de bilhões de euros, além de outra centena já comprometida. Essas declarações públicas vieram na esteira de uma crise de confiança em relação aos bancos franceses, que, com os alemães, estão entre os maiores credores da Grécia, no caso do já esperado nessa altura “default”grego, discutindo-se muitas vezes o quando isso deverá ocorrer.
A maré chegou a tal ponto que o Ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble e a própria chanceler vieram a público pedir que membros do governo e da coalizão se calassem sobre a possibilidade da falência, e desautorizaram qualquer especulação no sentido de que o governo alemão encarava até mesmo uma perspectiva de “autorizar” esse movimento por parte da Grécia ou sua saída da zona do euro, retornando ao passado dracma.
Há no ar o temor de que, se a Grécia declarar uma moratória ou a impossibilidade de pagar o total de sua dívida, Portugal e Irlanda venham a fazer o mesmo, seguidos por Espanha e Itália. Aí sim o sistema bancário europeu balançaria, a maré montante da crise atravessaria o Reno e chegaria com fragor à Alemanha de Frankfurt e Berlim, e a tsunami decorrente atravessaria o Atlântico engolfando, mais uma vez, Washington e Nova York.
Em toda a celeuma, que semanalmente provoca crises de adrenalina em escala mundial, ressalta-se a falta absoluta de alternativas de um lado ou do outro do Atlântico. Até o momento ideólogos de direita na mídia e nas universidades conseguiram criar um muro férreo em torno da idéia central de que a solução de tudo parte, como item número um da agenda única, da contenção de despesas públicas, da “independência” dos bancos centrais (como se isso existisse), e, portanto, que a solução passa pela privatização incontida e incondicional dos bens públicos capazes de tornar o Estado um vetor de desenvolvimento, pelo corte substancial nos investimentos, sobretudo os sociais, e pela dispensa e arrocho em relação aos trabalhadores e aposentados do setor.
Nada há que se contraponha a essa maré de idéias que já não deram certo em várias partes do mundo, mas que são fáceis de defender, mesmo sem argumentos, porque se apóiam numa espécie de “senso comum” de que um estado robusto é um “gigante de desperdício”. Não estou me referindo a campanhas movidas por extremas direitas dentro e fora da mídia, do tipo praticado pelos Tea Party e Fox News, ou agências do Império de Murdoch; refiro-me ao consenso médio da grande maioria de comentaristas econômicos, a editoriais e a dirigentes partidários dos mais variados matizes, que nada têm a oferecer como alternativas a essas mezinhas herdeiras do neoliberalismo.
No pico desse círculo vicioso e viciado de idéias, os dirigentes financeiros da Europa – nos governos e nas instituições privadas – chantageiam cada vez mais o governo grego porque este ainda não demitiu o suficiente seus funcionários e porque ainda não privatizou, na pressa desejada, os 50 bi de euros que ainda tem por privatizar. A ameaça (que provocará uma hecatombe) é a de não entregar as parcelas da ajuda prometida no tempo devido, para que, no fundo, a Grécia possa repassa-las, em grande parte, aos bancos credores.
Quando se parte para alternativas partidárias, o campo fica confuso. Os partidos socialistas ou social democratas se renderam à retórica do Consenso de Washington há muito tempo, e agora não sabem como sair disso. Os Partidos Verdes aderem mais e mais a uma espécie de “bio-capitalismo” que não confronta o “disco rígido” do programa da financeirização da política, da produção e do mundo.
No caso da Alemanha, voz isolada, a Linke prega, mais recentemente, uma valorização da política, da distribuição mais eqüitativa de renda e da democracia como alternativa às propostas de administração da crise baseada nos princípios que construíram a própria crise. Essa é uma alternativa interessante, mas que ainda está no balbucio, e a que falta necessárias correntes de solidariedade e sustentação Europa afora(para dizer o mínimo), pois os movimentos de trabalhadores, estudantes e aposentados na Grécia, Portugal, Irlanda, parecem lutar sozinhos contra o consenso geral de que “eles estão errados” e “defendem privilégios insustentáveis”, isto é, seus direitos legalmente constituídos.
Diante desse quadro desolador, parece mentira, mas algumas idéias razoáveis aparecem... no campo do FMI! Como, por exemplo, a admissão (ainda feita a boca pequena nos corredores) de que o “default” da Grécia pode muito bem ocorrer, não por “incompetência” ou “vagabundagem” dos gregos, como quer explicar a direita, mas simplesmente porque a dívida tornou-se impagável e honrá-la significa, como vem acontecendo, prostrar a possibilidade de qualquer reação pelo país.
Enquanto isso, na caluda e na moita, os chineses, que já arrendaram o porto do Pireu, consideram a possibilidade de “comprar” a dívida italiana. Será?
*Flávio Aguiar é correspondente da Carta Maior em Berlim
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