Da Redação de Outras Palavras
Encontro, em S.Paulo, será transmitido via net. Site terá área para ampla contribuição de colaboradores e prepara mudanças gráficas
Capazes de despertar entusiasmo em várias partes do mundo, e de evidenciar a urgência de uma nova democracia, as ocupações de praças que se espalharam pela Espanha ainda são, contudo, pouco debatidas. Que circunstâncias permitiram que um protesto tramado inicialmente por pequenos grupos de jovens reunisse rapidamente centenas de milhares de pessoas e, rompendo barreiras entre gerações, tivesse apoio e carinho de uma maioria dos cidadãos? Quais as e perspectivas (quando terminar o verão espanhol) de um movimento (denominado “15M”, em homenagem a 15 de Mayo, data da primeira ocupação) que não segue as formas de organização da esquerda tradicional, ONGs ou sindicatos? Como garantir eficiênca das formas de organização em rede e desierarquizadas? Que paralelos poderiam ser estabelecidos entre a situação na Espanha e no Brasil?
Outras Palavras, que tem acompanhado o movimento espanhol com informação e análises, sente-se feliz de convidar os leitores para uma conversa com dois ativistas espanhóis. Será nesta quarta-feira (31/8), às 20 horas, em nossa redação (à Rua Augusta, 1239 – sala 11, em São Paulo). Organizada em conjunto com a Universidade Nômade, o Grupo Biolutas e o LAB-TeC da URFJ, o encontro apresentará a nossos leitores dois ativistas que tiveram papel importante papel nas ocupações de praças de Madri (Raúl Cedillo) e Barcelona (Javier Toret).
Raúl Cedillo integra o coletivo da Universidade Nómada em Madri. É dele o texto sobre o 15-M que publicamos abaixo. Além de ajudar a articular o 15M em Barcelona, Javier Toret foi um dos responsáveis por criar, em 2006, protesto muito criativo num supermercado de Sevilla. Cerca de cem trabalhadores sem registro em carteira ou direitos sociais (em parte, imigrantes) entraram, no 1º de Maio, num estebelecimento da rede Plus. Passaram a apresentar esquete teatrais, cantar músicas e reivindicar. Bloquearam os caixas e, ao final, levaram um carrinho do supermercado, com comida. Por tal ousadia, o ativista responde a processo e pode pegar dois anos de cadeia.
A atividade desta quarta-feira não tem pretensões acadêmicas nem pretende atrair multidões. Será simplesmente uma conversa e troca de informações e opiniões entre gente que procura, em distintas partes do mundo, superar os impasses em que a democracia representativa nos meteu – e reconstituir a ideia de que temos o direito de construir nosso futuro coletivo.
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O papo marca também os preparativos para uma ampliação editorial importante, em Outras Palavras. Nas próximas semanas, e em etapas, um novo site irá se somar à nossa revista virtual e à área em que difundimos, hoje, uma seleção de bons textos publicados na websfera. Será uma espécie de blog coletivo, aberto para interessados em acompanhar temas importantes e a escrever sobre eles.
O blog, inspirado em iniciativas como a de Luís Nassif, difundirá, em sua página principal, informações postadas pelos leitores como comentários. Além disso, convidará um grupo de colaboradores diretos, que poderão postar sem moderação. Para tanto, bastará apresentar um breve projeto de colaboração e se cadastrar.
A nova iniciativa editorial é parte do trabalho de Outras Palavras como animador do Ponto de Cultura Escola Livre de Comunicação Compartilhada. No ano passado, ele se desdobrou em 40 oficinas sobre mídias livres na área digital. Em 2011, o projeto terá viés mais prático. Além de resultar no novo site, mais colaborativo, oferecerá uma pequena ajuda de custo (R$ 300 mensais) a dez pessoas interessadas em escrever regularmente para o projeto. E articulará reuniões de pauta, semanais e abertas a todos os colaboradores. De certa forma, a conversa com os espanhóis Raul e Javier antecipa estes encontros. A estreia do novo projeto virá acompanhada de uma importante reforma gráfica em nossos espaços na internet.
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Outras Palavras alegra-se de comunicar, também, que foram liquidados, já na quarta-feira passada (24/8) os vírus que haviam invadido nosso site. O trabalho de desinfecção foi executado pelo programador Ricardo Richieri, nosso colaborador. Para proteger os leitores, o site preferiu, preventivamente, aguardar alguns dias, antes de fazer o comunicado. Agora, você já pode navegar em nossas páginas sem medo algum.
Será um prazer encontrá-l@ na quarta-feira, em nossa redação. Aguarde novas notícias sobre a ampliação editorial e mudança gráfica. Fique, por enquanto, com o texto de Raúl Cedillo sobre o movimento 15-M
Por meio das máscaras, a multidão é uma
A natureza de sistema-rede aberto é a chave do carácter constituinte do 15M. Surpreende que isso se dê sem nenhuma participação das estruturas pré-existentes
Por Raúl Sánchez Cedillo - Foto: Marcelo Expósito
Mais de um mês após a erupção de 15 de maio, a plena realidade de um movimento revolucionário sem precedentes e imprevisível não deixa de provocar admiração e entusiasmo àqueles que tenham apenas alguns minutos para pensar sobre o que está acontecendo na Espanha.
Esta erupção não está sendo uma jácquerie (revolta plebeia) contra as políticas de austeridade econômica, e também não é um movimento pelos direitos civis e de desobediência que podemos encaixar em um esquema (liberal) clássico. O movimento estourou e tem aparecido como um movimento de democratização radical e ao mesmo tempo de radicalização democrática. “Não somos mercadorias nas mãos de banqueiros e políticos. Democracia de verdade agora! “. Não só em suas críticas e propostas para a reforma radical do sistema representativo de partidos, mas também em seus modos de discussão e deliberação nas assembleias e comissões, expressa intensamente a força e os problemas das instâncias de democracia direta de massas. Nos seus modos e repertórios de ação coletiva, os da desobediência civil de massa pacífica e não testemunhal, os da resistência e proteção mútua dos corpos contra a violência policial e os do desafio e assédio aos parlamentos, o 15M se afirma como um movimento de radicalização democrática, o mais poderoso e desconhecido da história constitucional espanhola.
O afeto da indignação não é suficiente para dar conta da extensão, intensidade e persistência do 15M, mesmo que explique a natureza tumultuosa de seu surgimento. Os aspectos mais interessantes (e felizmente inquietantes) tem a ver com o fato de que o movimento vem se firmando como uma rede de redes, de singularidades, que opera em vários níveis da realidade (das praças às redes sociais, passando pela mídia corporativa) e que é capaz de autoregular-se em cada novo ato de seu processo e de seu antagonismo.
É como se o 15M fosse plenamente consciente de que não existe um fora-do-sistema de regulação constitucional dos antagonismos (e de sua lógica subjacente de amigo-inimigo) viável; e de que precisa de máscaras que evitem qualquer tentativa de identificação e divisão, desviando a luz dos focos policiais e midiáticos.
É extraordinário ver agora como o movimento foi capaz de organizar em rede sua erupção (o 15M), de realizar uma mutação sem se destruir e em tempo útil em acampamentos e assembleias nas praças, para assembleias de bairro nas grandes cidades, de organizar ações distribuídas e inesperadas contra a execução de despejos por hipotecas não pagas e de voltar a inundar as ruas contra o Pacto do Euro, de 19 de junho. E como converteu até agora em fonte de legitimidade e de nova indignação todas as tentativas de neutralização e criminalização, sem perder a multiplicidade, complexidade e radicalidade e, acima de tudo, unidade de esforço e aplicação sem uma unidade de comando.
Mas talvez o mais surpreendente é que o 15M está fazendo tudo isso sem a participação de qualquer estrutura pré-existente de protestos políticos e sindicais. Cuidadosamente mantidas a parte, são incentivadas a participar dissolvendo-se e metamorfoseando-se no movimento.
Esta natureza de sistema-rede aberto é a chave do carácter constituinte do 15M. O problema do auto-governo de uma multidão – ou seja, o da combinação da diversidade do movimento e sua capacidade para se unir na implementação oportuna da força, nas formas de decisão por uma espécie de “consenso emergente”, na capacidade de decidir na abundância de tons e opiniões, fazem deste movimento uma ameaça formidável e duradoura. Hoje, começa a amadurecer o projeto de concerto polifônico de instituições analógicas e digitais capazes de responsabilizarem-se de produzir o comum. O principal atrativo do 15M diante das tentações recorrentes de “solução política”, eleitoral ou não, vai na minha opinião na ênfase na produção de instituições materialmente capazes de se reapropriar e de gerir a produção social que ocorre nas metrópoles (cidades-fábricas).
Nem é necessário falar que, como na Grécia ou na Tunísia, Marrocos ou Egito, o 15M dificilmente se manterá vivo ou será diminuído a um destino trágico se não tiver intercessores, relevos, parceiros em outras áreas e cidades euro-mediterrânicas. A inteligência indignada distribuída está nas melhores condições para identificar os adversários principais e secundários e de evitar os atalhos do voluntarismo e do desespero.
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