terça-feira, 4 de outubro de 2011

A PROPÓSITO DO COLÓQUIO DE MAPUTO





Cada língua é, no fundo, uma realidade constituída colectivamente. É no seio de uma comunidade que ela se coloca à disposição dos seus membros como instrumento de coesão, identificação, comunicação e expressão criativa.

Promovido pelo Comité de Tradutores e Direitos Linguísticos do PEN Clube Internacional (constituído por 32 centros PEN e 64 organizações do mundo inteiro, que trabalham na investigação jurídica, linguística, sociológica e na defesa dos direitos dos povos) e pelo Centro Internacional Escarré para as Minorias Étnicas e as Nações – CIEMEN, a Declaração Universal dos Direitos Linguísticos surge, em Barcelona, a 6 de Junho de 1996, como um projecto que tem como propósito fundamental: “corrigir os desequilíbrios linguísticos, de modo a assegurar o respeito e o pleno desenvolvimento de todas as línguas, para além de estabelecer os princípios de uma paz linguística planetária justa e equitativa, como factor principal da convivência social”.

Tendo como principal preocupação as comunidades linguísticas e não os Estados esta Declaração inscreve-se no esforço, levado a cabo por instituições internacionais, de garantir, para toda a humanidade, um desenvolvimento sustentado e equitativo. A mesma considera que todas as línguas são a expressão de uma identidade colectiva, pelo que, todas elas, devem gozar de condições necessárias para o seu desenvolvimento em todos os domínios. Cada língua é, no fundo, uma realidade constituída colectivamente. É no seio de uma comunidade que ela se coloca à disposição dos seus membros como instrumento de coesão, identificação, comunicação e expressão criativa. 

Entre outros princípios, a Declaração Universal dos Direitos Linguísticos considera que todas as comunidades linguísticas são iguais em direitos e refere como inadmissíveis as discriminações resultantes de critérios assentes no grau de soberania política, situação social, económica ou qualquer outra, assim como o nível de codificação, actualização ou modernização que as diferentes línguas tenham alcançado. Com base no princípio da igualdade, a Declaração Universal dos Direitos Linguísticos menciona, também, que se devem estabelecer as medidas indispensáveis para que essa igualdade seja, de facto, efectiva. Necessariamente, esta Declaração fundamenta todos os seus objectivos com base em princípios universais e de justiça social que estão na base de muitos documentos jurídicos: 

- Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que, no seu preâmbulo, reitera a sua “fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres”; 

- Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de 16 de Dezembro de 1966 (artº 27) e Pacto Internacional dos Direitos Económicos Sociais e Culturais, da mesma data, que, nos seus preâmbulos, afirmam que o ideal de ser humano livre, liberto do medo e da miséria, não pode ser realizado, a menos que sejam criadas condições que permitam a cada um desfrutar dos seus direitos económicos, sociais e culturais, bem como dos seus direitos civis e políticos; 

- Resolução 47/135, de 18 de Dezembro de 1992, da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, que adopta a Declaração sobre os direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais ou étnicas, religiosas e linguísticas;

- Convenção número 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 26 de Junho de 1989, relativa aos povos indígenas independentes; 


- Relatório da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Económico e Social das Nações Unidas, de 20 de Abril de 1994, sobre a minuta de Declaração dos Direitos dos povos indígenas, aprovado na sessão nº 1278, de 18 de Setembro de 1995.

Políticas linguísticas

Em África, sob o pretexto da indiscutível necessidade de construção dos Estados-nação, prevalece, sobretudo, em países de língua oficial francesa e portuguesa, uma secular tendência unificadora e assimilacionista, herdada das administrações coloniais, que procuraram minimizar a diversidade e favorecer atitudes adversas ao multiculturalismo e plurilinguismo. Tendência essa agravada pela mundialização da economia, já que a mesma interfere, de forma significativa, na comunicação e na afirmação cultural dos povos. Decorrente desse facto, as relações e as formas de interacção que procuram garantir a coesão interna em sociedades multiculturais e, até mesmo, no seio de cada comunidade etnolinguística são, necessariamente, afectadas e, consequentemente, acabam por se desviar do primado da paz, da concórdia e da estabilidade social. Porém, estes aspectos, entre outros, ao não serem devidamente equacionados, deixam de se reflectir na inculcação de um espírito democrático, onde o respeito pela diversidade e justiça social são pré-requisitos norteadores para o desenvolvimento sustentado dos povos.

A invasão, a colonização e a ocupação, assim como outros casos de subordinação política, económica ou social, implicaram na imposição directa da língua estrangeira, na distorção da percepção do valor das línguas e no surgimento de atitudes linguísticas hierarquizantes, afectando, assim, a lealdade linguística dos falantes. Daí que as línguas de alguns povos que alcançaram a sua soberania, estejam imersas num processo de substituição linguística, tendo em conta a existência de políticas linguísticas que favorecem a língua das antigas colónias. 

Para se garantir a convivência entre comunidades linguísticas urge estabelecer princípios universais que permitam assegurar a promoção, o respeito e o uso social público e privado de todas as línguas. O universalismo deve assentar numa concepção de diversidade linguística e cultural que supere as actuais tendências de carácter hegemónico, motivadas por factores não linguísticos (históricos, políticos, territoriais, demográficos, económicos, socioculturais, sociolinguísticos e do domínio dos comportamentos colectivos), que contribuem para o desaparecimento, marginalização e degradação de numerosas línguas e culturais. Torna-se necessário que os direitos linguísticos se afirmem dentro de uma perspectiva global, para que se possam aplicar, em cada caso, as soluções específicas e adequadas.

A carta de Maputo

Decorreu de 12 a 14 de Setembro , em Maputo, um colóquio promovido pelo Instituto Internacional de Língua Portuguesa (IILP) sobre a diversidade linguística nos Estados membros da CPLP), tendo-se reconhecido que, para além da língua portuguesa, há um somatório de mais de 300 línguas, que, no seu todo, representam cerca de 5% da diversidade linguística do mundo. Entre outros, o representante de Angola, António Chamuhongo, do Instituto Nacional para a Investigação e Desenvolvimento da Educação (INIDE), com base na nova Constituição da República, frisou o facto das línguas antes chamadas de “nacionais” ganharem uma nova denominação oficial, de acordo com a Constituição da República: a de “línguas angolanas”. Justamente, para que venham a ser incorporadas numa futura política linguística, tanto as “línguas angolanas africanas” como as “línguas angolanas europeias”.

Gregório Firmino, da Universidade Eduardo Mondlane (Moçambique), ao analisar tanto os processos de reconhecimento das línguas bantu como o processo de nacionalização ou nativização do português “descreveu a situação do seu país como sendo uma situação de nacionalização sem oficialização das línguas bantu e de oficialização sem nacionalização da língua portuguesa”.

A necessidade de construção de um “Atlas das Línguas da CPLP” leva a que deixe de ser reducionista, a visão que considere, simplesmente, como lusófonos, os Estados têm no seu seio várias línguas, que devem, sim, cooperar com a língua portuguesa, sem que esta tenha, necessariamente, que exercer um papel glotofágico, para a sua própria promoção e difusão comunitária e internacional. 

A lusofonia, um conceito mais ideológico que sociológico, necessita ser reavaliado. Que instituições académicas angolanas estarão, numa primeira fase, abertas a essa discussão?


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