sábado, 12 de novembro de 2011

GREVE GERAL EM PORTUGAL PARA QUÊ?




ORLANDO CASTRO*, jornalista – ALTO HAMA*

No próximo dia 24, os trabalhadores portugueses estão convocados para tomar uma atitude. Há, de facto, muitas razões para lutar. Mas, creio, reduzir a luta a uma greve é o mesmo que confundir a lagartixa com o jacaré.

Como diz o Sindicato dos Jornalistas no apelo à participação da classe, a dívida externa existe, mas não é por culpa dos trabalhadores. Existe por causa de sucessivas políticas de desmantelamento do aparelho produtivo, na indústria, na agricultura e nas pescas; das negociatas com as parcerias público-privadas; dos negócios como o BPN (cinco mil milhões de euros que já nos custou ou vai custar); de derrapagens orçamentais em obras públicas; da fraude, da evasão fiscal e da economia paralela.

Em vez de taxar a Banca e a Finança, os bens de luxo e as empresas e negócios offshore, o Governo agrava os impostos – o IRS, as taxas moderadoras e o IVA –, penalizando os que menos ganham e a própria classe média.

O Governo vai roubar parte dos subsídios de Natal dos trabalhadores e pensionistas este ano. Já cortou nos salários dos trabalhadores da Função Pública e do Sector Empresarial do Estado em 2011 e quer cortar nos subsídios de férias e Natal de 2012 e de 2013 a todos os pensionistas e aos trabalhadores do sector público empresarial e à função pública.

Os trabalhadores já pagam uma factura pesada: em 3,8 milhões de empregados por conta de outrem, 2,3 milhões ganham menos de 900 euros por mês; o salário mínimo é o mais baixo da Zona Euro; trabalhamos mais horas do que os trabalhadores na União Europeia a 15 países; a precariedade atinge mais de um milhão de trabalhadores.

No entanto, o Governo prepara-se para dar de mão beijada ao patronato a apropriação de um mês de salário pela via do aumento do horário de trabalho em duas horas e meia por semana, a redução do número de feriados e o não pagamento de trabalho extraordinário ou pelo menos a redução do seu valor.

Apesar da enorme desregulação que campeia nas empresas, o Governo prepara-se para agravá-la, através de um banco de horas mensal (dez horas) ao serviço do patronato, fulminando o direito ao descanso e entregando às empresas a gestão do tempo de trabalho e prejudicando a vida familiar.

Apesar da enorme importância dos subsídios de férias e de Natal, que visam permitir que os trabalhadores e as suas famílias gozem esses períodos sem esforço adicional dos rendimentos mensais e contribuem para o comércio e o turismo, prepara-se a diluição desses subsídios nas retribuições mensais, levando ao congelamento dos salários e à sua extinção a prazo.

Com um desemprego galopante e cada vez mais prolongado, o Governo desprotege ainda mais os trabalhadores, fazendo aprovar leis que tornam os despedimentos ainda mais fáceis e mais baratos e reduzindo o valor e a duração dos subsídios de desemprego.

As alterações ao Código do Trabalho já concretizadas e outras anunciadas já estão a permitir intensificar a exploração dos trabalhadores, incluindo os jornalistas, particularmente os mais novos na profissão, aumentando a precariedade e agravando as condições de trabalho e de vida, ao mesmo tempo que servem já de chantagem para forçar inúmeros trabalhadores a aceitar rescisões ditas “amigáveis”.

Com a situação social a agravar-se, o Governo piora as condições dos idosos, cortando 1.880 milhões de euros no Orçamento de Estado para as pensões e reformas; e corta mais de dois mil milhões de euros para prestações sociais como pensões mínimas do regime geral, subsídio social de desemprego e abono de família, que será eliminado para muitas famílias.

Com medidas de austeridade socialmente gravosas e diminuindo drasticamente o poder de compra dos salários, das pensões e de outras prestações sociais, a retracção e a recessão afundarão ainda mais a economia, empobrecendo os portugueses e empurrando o país para o desastre.

Com a obsessiva cruzada pela “ideologia do Estado mínimo”, como bem a caracterizou a organização Comissão Justiça e Paz, o Governo impõe cortes brutais nas funções sociais do Estado, nas áreas da Saúde e da Educação, quer privatizar ainda mais empresas e sectores estratégicos, dos transportes à comunicação social, das águas à energia. Mas, ao mesmo tempo, canaliza para a Banca 12 mil milhões de euros.

No capítulo da comunicação social, o Governo e o PSD mantém um cerrado ataque aos serviços públicos de rádio e de televisão e de notícias, pretendendo a privatização total da Agência Lusa e a privatização parcial da RTP, impondo um plano de reestruturação que implica centenas de despedimentos. Mais: a privatização de um canal de televisão teria efeitos graves no mercado de publicidade não só no segmento audiovisual, mas também na Imprensa, com consequências dramáticas em todo o sector.

É necessário – é urgente – combater as injustiças, a exploração e o empobrecimento dos trabalhadores e do país; dinamizar a produção nacional na agricultura, nas pescas e na indústria; promover o crescimento económico e distribuir a riqueza de forma mais justa e sustentada, criando mais e melhor emprego, combatendo o desemprego e a precariedade; defender a negociação colectiva, aumentar os salários e as pensões.

É também urgente barrar a agiotagem da Banca, renegociar a dívida com condições justas quanto aos montantes, juros e prazos, no respeito pela soberania nacional, no interesse do povo e pelas gerações futuras.

Pois é. Tudo isto é verdade. Mas os jornalistas não vão fazer greve. Entre um prato de lentilhas e uma participação na greve, eles pensam com a barriga. Aliás, pensar com a barriga que alimenta um corpo sem coluna vertebral é mais de meio caminho andado. Para andar o outro meio basta ter cartão do partido.

* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.

Título anterior do autor, compilado em Página Global: E se, com exclusão dos políticos donos do país, os portugueses emigrassem todos?

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