CABO VERDE
ANTÓNIO ALTE PINHO – LIBERAL, opinião
A notícia chocou-me. Um tal Rui Levy, que é presidente da Associação de Jovens Empresários de Cabo Verde (AJEC) veio defender, após um encontro com o Primeiro-ministro, a “revisão do Código Laboral”, com a alegação de que este seria “demasiado proteccionista” – dos trabalhadores, claro. Esta posição é entendida por mim como um insulto à esmagadora maioria dos trabalhadores cabo-verdianos, é uma alarvidade e revela que o senhor em questão não tem um pingo de solidariedade humana a correr-lhe nas veias.
O Código Laboral – já de si uma espécie de anedota, e mesmo assim raramente cumprido – é, de algum modo, a última fronteira de defesa dos trabalhadores perante a ignomínia reinante num mundo laboral propenso à miséria salarial, à precariedade no emprego e à, não raras vezes, situação imposta aos que, não beneficiários da generosidade do Estado, se vêem sujeitos a relações laborais de natureza esclavagista que medram sob a cumplicidade das autoridades e o olhar para o lado dos sindicatos. E nem mesmo os bispos de Cabo Verde tiveram ainda a coragem de alertar e denunciar as miseráveis condições de vida dos trabalhadores cabo-verdianos.
A argumentação do senhor Levy, para além de desumana, revela-se disparatada e improcedente no plano jurídico. "Queremos que hajam medidas que possam proteger as empresas, porque, quando pretendemos despedir alguém, há um conjunto de reivindicações e indemnizações que têm de ser cumpridas. Mas, quando o empregado resolve sair, porque encontrou uma melhor opção, não há qualquer protecção para a empresa", são palavras do patusco líder dos “jovens empresários”. Ou seja, para o senhor Levy, o ideal seria implementar um sistema de escravatura que impedisse os trabalhadores de mudar de emprego sempre que se encontrem descontentes com a avareza dos empregadores, escolhendo o que é melhor para as suas vidas e para o sustento de suas famílias.
Queixa-se, também, o “jovem empresário”, do “investimento” feito nos recém-formados, esquecendo-se, convenientemente, que são as empresas – mais do que os contratados – a beneficiar de formação especializada e a custo baixo, adiando eternamente os aumentos salariais e a progressão nas carreiras, numa lógica de rapina que coloca Cabo Verde como um dos países do mundo com rendimentos mais baixos e, paralelamente, com preços de bens essenciais muito acima de alguns países europeus.
Ao contrário de dizer ao Primeiro-ministro que o Governo tem de inverter as suas políticas de favorecimento das empresas estrangeiras e de prejuízo das nacionais – quando não mesmo de perseguição a empresários –, o presidente da AJEC foi verberar contra o 13º mês, ajudando José Maria Neves a descartar-se da promessa eleitoral não cumprida.
Ao contrário de ter, em devido tempo – como outros o fizeram – denunciado a mentira de que Cabo Verde estaria “blindado à crise internacional”, Levy foi propor ao Primeiro-ministro que sejam os mesmos de sempre a pagar a crise: os que vivem do aluguer da sua força de trabalho.
Ridículo, o líder da AJEC teve o desplante de dizer que "as pessoas querem um emprego e não um trabalho", como se as condições laborais em Cabo Verde fossem de modo a sugerir-se que a natureza de vida dos trabalhadores não estivesse ao nível da mais absoluta desumanidade, do mais gritante atropelo às recomendações da própria Organização Internacional do Trabalho (OIT) – embora esta seja muito distraída…
As declarações do “jovem empresário” são uma anedota, pelo que Rui Levy não deve ser levado muito a sério. Mas vêm reforçar a convicção de muitos de que a crise não só chegou a Cabo Verde, como está a fazer cama, a instalar-se… E, nos intervalos das distracções colectivas, já levantam cabeça os paladinos das velhas receitas neoliberais: os pobres que paguem a crise!
ANTÓNIO ALTE PINHO | jornalista | privado.apinho@gmail.com
Post-scriptum: 1. a ameaça de “mega manifestação” – foi a denominação usada –, feita pela União dos Sindicatos de Santiago, vai para a frente ou é só mais uma bazófia? 2. Perante as declarações do presidente da AJEC seria natural que sindicatos e, já agora, as organizações juvenis partidárias viessem a terreiro denunciá-las como lesivas do interesse colectivo. Mas não, os sindicatos limitam-se a proferir ameaças avulsas e inconsequentes, e as “jotas” ficam-se pelo papel para que foram criadas: trampolim para se conseguir um lugarzito de deputado e tropa de choque eleitoral dos partidos.
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