segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Seguro: AGARREM-ME SENÃO EU ABSTENHO-ME




DANIEL OLIVEIRA – EXPRESSO, opinião

António José Seguro disse que nunca aceitaria no Orçamento de Estado mais do que foi negociado com a troika. Leu o Orçamento e o que lá encontrou foi muítissimo mais do que isso. Ficou, nas suas próprias palavras, "em estado de choque". E qual é o comportamento óbvio que se espera de um líder da oposição que fica chocado com um orçamento que ultrapassa, nas exigências de austeridade, o que ele considera necessário? Abster-se. E informar que só não vota a favor porque o seu voto não serve para nada.

No mesmo momento em que fez este anúncio, explicando que a sua abstenção será "violenta" ("abtenção violenta" é uma expressão a entrar na recheada antologia do anedotário político nacional), exigiu alterações ao Orçamento do estado. Se o PSD não acatar as exigências António José Seguro irá... abster-se na mesma. Mas com ainda mais violência, supõe-se. A coisa é de tal forma absurda que temos Cavaco Silva a fazer de líder do Partido Socialista e a pedir ao Governo, com bastante mais ousadia, tendo em conta o lugar que ocupa, para ouvir a oposição e mudar o documento. Ou seja, a pedir que Passos Coelho finja que o PS existe. A humilhação para os socialistas não podia ser maior.

Partindo do princípio que António José Seguro pensa em política, é possível que tenha, ele próprio, interiorizado o sentimento de culpa do PS em relação ao estado em que estamos. Não que não a tenha. Dividida com o PSD. Só que as suas culpas não são as que a direita lhe aponta, mas outras, mais estruturais, em relaçcão ao nosso modelo de desenvolvimento. Não foi José Sócrates - desculpem se não deixo que a minha antipatia política pela figura me tolde o juízo - que inventou esta crise financeira. E é triste que eu, sem qualquer proximidade aos socialistas, tenha de explicar isto ao líder do PS.

Talvez o problema seja, mais do que tudo, o facto do PS repetir vezes sem conta que há um problema europeu sem saber ao certo o que está a dizer. E é normal que não saiba. O PS, sobre a Europa, sabe apenas uma coisa: que é europeísta. Seja qual for o projeto europeu. E que é bom aluno. Seja quem for o professor. E, se não tem, nesta matéria, um discurso alternativo ao do PSD, não terá outro remédio que não seja o de enfiar a carapuça doméstica que a direita preparou para a sua cabeça.

Há outra coisa que António José Seguro interiorizou: a tese da suspensão democrática. A ideia de que, em estado de necessidade, um país dispensa a oposição. Este espírito está bem presente na sua explicação para se abster: "Este não é o meu Orçamento, mas é este é o meu País". Se votasse contra um Orçamento do Estado que ele acha que fará mal ao País deixaria de o ser? Parece-me que, pelo contrário, quando consideramos que um orçamento é mau temos a obrigação patrótica de nos opormos a ele. A não ser, claro, que Seguro tome o seu "estado de choque" como um mero capricho.

Na verdade, há uma parte deste patético papel a que António José Seguro se está a prestar que não é responsabilidade sua. O PS sempre foi, tal como o PSD, uma nebulosa ideológica, sem identidade clara. Só que o PSD, tal como a generalidade do que era o centro-direita europeu, defniu-se. E o PS, tal como a generalidade do centro-esquerda europeu, encolheu-se. Tenta, complexado, convencer os eleitores que a sua única vantagem em relação àqueles a quem se opõe é a de fazer o mesmo, mas com menos convicção. Quando se opõe, é manso. Quando é "violento", abstem-se.

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