MANUEL TAVARES – JORNAL DE NOTÍCIAS, opinião
A profundidade do buraco em que estamos enfiados resulta bastante clara das reacções de parte significativa do mundo empresarial às últimas recomendações da troika. Desta vez, não foi Louçã, nem Jerónimo, nem Seguro, tão pouco Carvalho da Silva ou João Proença a erguerem as vozes para denunciarem excessos dos mercados e seus aliados e reclamar uma mais enérgica posição nacional por oposição aos ditames europeus, ou mais correctamente dos países do centro da união financeira, da Alemanha e da França como está bom ver.
Claro que Mário Soares, do alto do seu estatuto de pai do regime, disse grosso o que mais nenhum se atreveu a sussurrar, colocando-nos de atalaia sobre a senhora Merkel: porque ela veio do leste, ou seja do lado comunista do Muro de Berlim, e porque historicamente a Alemanha soma responsabilidades em duas grandes guerras.
Ainda assim, valerá a pena acrescentar às do pai do regime duas outras vigorosas declarações sobre o estado da crise e da governação ou ainda sobre a última conferência de imprensa da troika mais as suas recomendações: Belmiro de Azevedo disse que "o preço a pagar pelo equilíbrio das contas não pode ser a miséria absoluta e um exército de excluídos" e reclamou "crescimento"; Fernando Ulrich apelou para que "acabem com as conferências de imprensa da troika" e "nos poupem de ouvir funcionários de quinta ou sétima linha não eleitos democraticamente", reclamando "união política porque aí o meu voto conta para eleger a senhora Merkel".
Perante estas declarações, a pergunta é óbvia e simples : o que é que está a acontecer para que patrões pareçam perigosos sindicalistas?
A resposta parece-me tão óbvia quanto a pergunta: se o nosso governo seguir a recomendação da troika para cortar mais salários, agora também no sector privado, o mercado interno vai definhar. Muito provavelmente até níveis de empobrecimento da capacidade de consumir que correríamos o risco muito sério de destruir a maior parte do nosso actual tecido empresarial.
Portugal é essencialmente um país de pequenas e médias empresas. O seu definhamento e falência acabaria por arrastar as poucas grandes empresas que não vivem exclusivamente da exportação dos seus produtos.
A subsistência de uma classe média minimamente apta a consumir e de um mercado interno minimamente activo é, portanto, o núcleo fundador de uma nova circunstância. Se chegaremos a ver patrões e sindicalistas de braço dado, isso é outra coisa... Certo é que ambos os lados parecem convergir em defesa dos salários.
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