Arnaldo Gonçalves – Hoje Macau, opinião
Hong Kong prepara-se para a eleição do terceiro Chefe do Executivo da sua história recente e os candidatos já anunciados dão indicações que a competição vai ser viva e aberta, revelando a maturidade do sistema político da antiga colónia inglesa. Um sistema que tendo fonte na Lei Básica negociada pelos representantes de Pequim e a elite empresarial de Hong Kong está, contudo, longe de corresponder aos anseios de sufrágio directo e universal e ampla democracia da população e à vontade da comunidade internacional.
Os homens que se perfilam na corrida são a expressão da textura da elite intelectual e empresarial de Hong Kong, com um Henry Tang, ex-secretário-chefe do governo da RAEHK, Leung Chun-ying, conselheiro do governo e até à pouco CEO da empresa imobiliária londrina DTZ, Holdings Plc e Albert Ho Chun- yan, líder do Partido Democrático.
Segundo a maioria dos observadores, Henry Tang, de 59 anos, parte com vantagem, desde logo pela experiência que detém pelas funções que desempenhou como secretário para a economia e depois secretário-chefe, por outro pela proximidade à comunidade empresarial e financeira de que é um dos “princelings”. Henry Tang é filho de Tang Hsiang Chien, considerado o 40º homem mais rico do mundo pela revista Forbes. O arranque da sua campanha foi frouxo, com um timing mal calculado para o anúncio da candidatura e um quiproquó confrangedor com a exposição pública das suas infidelidades conjugais com uma antiga assessora. Tang tem-se desdobrado em encontros com várias organizações sociais mas deixa transparecer o pouco à vontade que tem no contacto directo com o cidadão comum e, até agora, uma absoluta ausência de ideias de como poderá governar Hong Kong.
Já Leung Chun-ying, de 57 anos, parece mexer-se mais à vontade junto das tradicionais associações profissionais e sectoriais da RAEHK, as “functional constituencies”, revelando maior focagem política e conhecimento dos problemas dos sectores mais expostos aos efeitos da subida da inflação, do disparar dos preços do sector imobiliário e do alargamento das desigualdades sociais. Recorde-se que Hong Kong é o local da Ásia onde o fosso entre ricos e pobres é mais acentuado. Dos sete milhões de residentes um milhão e meio subsiste com subsídios do governo e metade da população vive em habitação social.
Albert Ho, de 60 anos, é a tradicional figura do campo democrático, líder dos pan-democratas, e um crítico acérrimo da gestão de Donald Tsang, o chefe do executivo em funções. Previsível derrotado nas eleições, Ho “marca” a agenda da oposição a Pequim na exigência de eleições livres e directas quer para chefe do executivo quer para o Legco. Advogado, membro da Assembleia Legislativa, é a expressão da pulverização dos pan-democratas, unidos por causas pontuais como a oposição ao artigo 23º da Lei Básica, a condenação da repressão de Tianamen de Junho de 1989 ou o aprofundamento da autonomia de Hong Kong, mas incapazes de construírem uma alternativa credível de poder (e governo) ao sector alinhado com Pequim.
Neste puzzle político o facto novo é o aparente distanciamento do Governo Popular Central em termos de favorecimento de uma ou outra candidatura do campo pró-Pequim. Embora perceba que a competição não é um processo de consulta popular o Governo chinês quer assegurar que o próximo chefe do executivo, ao contrário de Donald Tsang, usufruirá de um mais amplo apoio da comunidade e que dará garantias de manter a estabilidade política e social. A demarcação de Tsang das duas candidaturas pró-Pequim, o desagrado com o destaque político que o processo encontra nos media, revela as limitações que muitos lhe prognosticaram quando, em recurso, foi chamado a substituir um impopular Tung Chee Hwa.
Sendo certo que pelas regras de constituição do Comité de Eleição do Chefe do Executivo (de 1200 membros), os representantes directos e indirectos de Pequim dispõem de uma confortável maioria, afigura-se que o Governo Central quererá perceber para onde “caiem” os favores dos sectores tradicionais da RAEHK antes de dar um sinal de quem apoia. Em Março passado, o Premier Wen Jiabao admoestava os dirigentes de Hong Kong quanto à necessidade urgente de resolverem os conflitos sociais “profundos” por forma a assegurar a estabilidade política e social; outra forma de reconhecer a incapacidade do governo local de dialogar com a população e responder aos seus anseios.
A tarefa do próximo Chefe do Executivo não se revela nada fácil, desde logo pela previsão da continuidade da crise financeira internacional, segundo as projecções da OCDE e do Banco Mundial, por outro lado pelo quase certo sobre-aquecimento da economia chinesa e a retracção no crescimento do Produto Interno Bruto em 2012, e finalmente pela indefinição da situação política na China.
Recorde-se que em 2012, a China muda de liderança política e com ela serão “baralhados” os canais de acesso da elite empresarial e política de Hong Kong aos centros de poder em Pequim. Sendo a evolução do sistema chinês razoavelmente previsível não é claro quem são os “homens de confiança” da dupla Xi Jiping-Li Keqiang na RAEHK. Manda a prudência da lenta progressão dos principais dirigentes do Politburo que dissimulem o mais possível as suas preferências pessoais e evitem dar passos em falso.
Ainda esta semana um pequeno episódio com Bo Guagua, filho do poderoso Bo Xilai, membro do Comité Permanente do Comité Central do PCC, poderá ter afastado de todo as pretensões deste último a um lugar cimeiro na distribuição dos principais lugares no aparelho de Estado. A China depois de ter abraçado o modelo de desenvolvimento capitalista, de eliminar as considerações ideológicas e apostar na bondade do governo dos tecnocratas, confronta-se com o enorme problema de não dispor de um corpo coerente de ideias e convicções que una a população e legitime quem detém o poder.
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