sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Afonso Dhlakama: a difícil transição de um “guerrilheiro” em “político”



Adelson Rafael – O País (mz), opinião
 
“A qualidade mais importante em um líder é aquela de ser reconhecido como tal. Todos os líderes cuja aptidão é questionada são claramente desprovidos de força” - André Maurois, The Art of Living

As evidências mostram a difícil transição que vem ocorrendo de Afonso Dhlakama “guerrilheiro” para Afonso Dhlakama “político”, adiando a sua afirmação no cenário político moçambicano, reforçando a ideia de que ele vem trilhando num percurso político sinuoso feito através de um itinerário penoso e longo

O atribulado ano de 2011 trouxe-nos interessantes lições, e em diversas áreas temáticas, sendo que a área política partidária não constituiu excepção.

É de conhecimento geral que as oportunidades estão onde menos se espera, pelo que caberá a cada um de nós tirar o máximo proveito, aproveitando-as da melhor maneira, procurando-a onde outros somente vêem dificuldades.

Afonso Macacho Marceta Dhlakama, líder do maior partido da oposição em Moçambique, contribuiu de maneira significativa para que o ano de 2011 fosse atribulado, ao ter prometido retirar a Frelimo do poder, até ao dia 25 de Dezembro de 2011, com “manifestações pacíficas”. E, depois da data prometida, de maneira fugaz, veio ao público anunciar adiantamento da “revolução” que pretende, abdicando de um preceito básico, de que, a essência da democracia consiste no nobre exercício do voto em liberdade de consciência. A renúncia em usar a “arma” mais eficaz e eficiente na democracia – que é o voto expresso nas urnas – revelou descrédito e desprestígio com quem, hoje, o líder da Renamo optou confrontar o exercício da política partidária.

Afonso Macacho Marceta Dhlakama é odiado por uns e amado por outros. Ainda hoje, a política moçambicana segue, em alguma medida, tendo a figura de Afonso Dhlakama como referência no horizonte.

Para uns, ele constitui o “pai da democracia”, astuto guerrilheiro, um líder sábio, que mantém viva a sua nobre causa que levou à criação da Resistência: a implantação da verdadeira democracia em Moçambique. Para outros, ele é um bárbaro assassino, pelos massacres e raptos perpetrados durante o conflito armado moçambicano. Enfim, inegável é que Afonso Dhlakama é um dos moçambicanos que mais influíram sobre os rumos da nossa história pós-independência, para o bem ou para o mal.

Interpretar a transição de Afonso Dhlakama “guerrilheiro” para Afonso Dhlakama “político” exige um rápido “mergulho” na sua história, pelo que faz lógica questionar como aparece a figura de Afonso Dhlakama no cenário político moçambicano? Reza a história que a trajectória de Afonso Dhlakama, nascido a 1 de Janeiro de 1953, começou com a morte, em combate de arma em riste, de Matsangaíce, em 17 de Outubro de 1979, que provocou uma primeira crise na Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), na qual duas facções se digladiaram pela liderança do movimento, acabando por vencer Afonso Dhlakama, então com 27 anos, que se tornaria no segundo comandante-chefe do movimento. No governo transitório de Setembro de 1974, antes da independência, até 1977, Afonso Dhlakama foi chefe do Departamento de Logística nas forças governamentais, sendo que foi neste cargo que conheceu o futuro comandante-chefe das forças da Renamo, Matsangaíce. Controversa, como foi o assumir da liderança de Afonso Dhlakama, é a génese de formação desse partido político.

André Mathadi Matsangaíce Dyuwayo, de seu nome completo, um antigo comandante da Frelimo e amigo de Ken Flower, o chefe da “Central Intelligence Office” (CIO), os serviços secretos da Rodésia de Ian Smith, na sequência de uma mágoa pessoal (e mais tarde tendo em conta o desespero dos demais no mesmo espaço social), consistia em libertar os prisioneiros do Centro de Reeducação de Sacuze na Gorongosa, donde se havia evadido, em Outubro de 1976, treiná-los militarmente, para que se constituísse, assim, o primeiro embrião de um novo exército guerrilheiro que fizesse frente ao totalitarismo político então instalado no país.

Em termos de liderança político-partidária, Afonso Dhlakama foi eleito primeiro presidente da Renamo (Resistência Nacional Moçambicana) no primeiro congresso, realizado no ano de 1983, cargo que ocupa até à data, visto que não há registo de outra liderança na Renamo. Depois, foi reeleito para mais cinco anos no quinto congresso realizado na cidade de Nampula, entre os dias 20 e 21 de Julho de 2009, onde obteve a quase totalidade dos votos, isto é, 296 votos a seu favor, contra os 10 de Rogério Vicente, embora alguns congressistas tenham apontado que esta candidatura se destinava apenas “a democratizar o processo” da eleição de Dhlakama.

Após as primeiras eleições multipartidárias em Moçambique, a Renamo torna-se um grande aglutinador de proeminentes figuras políticas e académicas que buscavam uma nova forma de actuar politicamente, mas os conflitos internos, a marginalização e expurgações das fileiras da Renamo das proeminentes figuras políticas e académicas fizeram-se o modus vivendi político de Dhlakama. Apesar da vasta contestação, quer interna e externa ao seu partido, a realidade quotidiana continuou a contrastar com a visão estratégia de Afonso Dhlakama, que não soube aprender de seus próprios erros e muito menos soube tirar proveito e aprendizagens em méritos de seus mais directos rivais políticos. O magnetismo de Afonso Dhlakama capaz de transparecer grandes emoções vai esgotando-se e, com ela, a fúria frenética espelhada em seus discípulos.

As evidências mostram a difícil transição que vem ocorrendo de Afonso Dhlakama “guerrilheiro” para Afonso Dhlakama “político”, adiando a sua afirmação no cenário político moçambicano, reforçando a ideia de que ele vem trilhando num percurso político sinuoso feito através de um itinerário penoso e longo. Mas neste contexto, como em todos, a prudência é uma boa aliada. Logo a prudência recomenda, como imperativo, que Afonso Dhlakama se dedique de corpo e alma a assuntos de interesse nacional, em detrimento de sua “revolução”.

Não está em causa analisar os fundamentos da “revolução” pretendida.

Mas a nação moçambicana estará eternamente grata, e Afonso Dhlakama marcará diferença enquanto actor político se, em detrimento de sua “revolução”, se dedicar de corpo e alma a dois processos em curso, actualmente, que se configuram de utilidade extrema:

(a) Revisão da legislação eleitoral, cujo objectivo é que haja condições para que todos os pleitos eleitorais se consignem em processos livres, transparentes e justos;

(b) Revisão da constituição da república, para que os anseios de parte significativa das moçambicanas e dos moçambicanos esteja reflectido nesse magno documento, para que ninguém se sinta excluído do processo e dos dividendos do crescimento económico que o país vem registando ou discriminado por factores meramente de ordem subjectiva.

É impossível apressar o nascer do sol e absurdo querer forçar a transição de Afonso Dhlakama “guerrilheiro” para Afonso Dhlakama “político”. Os sucessos da carreira política contraem e expande-se proporcionalmente ao trabalho organizativo. Parafraseando Abraham Lincoln: “ (…) pode-se enganar a alguns durante muito tempo; pode-se enganar a muitos durante algum tempo; mas não se pode enganar a todos durante todo o tempo.”

1 comentário:

Anónimo disse...

Quem e' o politico lider em Mocambique que nao foi guerilheiro antes?

Mais lidas da semana