sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

A ÁFRICA QUE SURPREENDE




Helio G. Barros – A Semana, opinião

As ilhas de Cabo Verde formam um dos menores países da África. Desde a independência, em 1975, esse país de 4 mil km² construiu as condições de estabilidade político-administrativa e económica que o elevaram, em 2007, à categoria de país em desenvolvimento. O Banco Mundial e outros organismos confirmam anualmente suas análises favoráveis, dando-lhe sempre o status de país confiável e sério.

Se a reputação conquistada nos organismos internacionais derivou, na política, da boa governança e alternância democrática sem corrupção, a nova atitude que valoriza a educação merece igual respeito pela consideração dada ao ensino básico. As novidades nos dois campos são exemplares, mas a educação nos interessa particularmente porque conta com o apoio da cooperação técnica brasileira.

A novidade política, que deve inspirar países que convivem com elevados índices de corrupção no sector público, foi a recente concessão do prémio Mo Ibrahim ao ex-Presidente da República, Pedro Pires, entregue na Tunísia no dia 12 de novembro passado.

O prémio Mo Ibrahm é uma espécie de Nobel do político honesto, iniciativa africana criada para promover o debate sobre boa governança na África e reconhecer líderes africanos que, ao terminar seus mandatos electivos, deixam o legado da honradez e atitude democrática. Nos dois aspectos, Pedro Pires é exemplo magnífico de probidade e respeito às regras democráticas. Este registo é também o depoimento de quem conviveu com esse homem de hábitos simples e discretos.

A novidade educacional não é menos instigante, porque mexe com as nossas próprias necessidades educacionais, pelo tamanho do déficit brasileiro no ensino básico. A solidez da orientação caboverdiana revelou-se em dois momentos, em 2008, quando negociei com o Ministério da Educação a adopção de um programa de ensino de português e matemática e em 2010, colaborando com o I Encontro de Investigação e Desenvolvimento (ENID) destinado a avaliar o futuro da C&T no país.

Convidado para liderar o evento, que contou com quase duzentos participantes locais e da diáspora – professores em universidades americanas e europeias - o então Presidente da República Pedro Pires apoiou a iniciativa, mas deu o recado. Exortou-os a dar atenção ao ensino básico: “...provavelmente errado é o modo como lidamos com a Educação, Ciência, e Tecnologia.... Falamos de qualidade e excelência na Educação sem, contudo, dizer como se conseguem nem como se avaliam os ganhos, quando, na verdade, parte significativa dos alunos transita do ensino secundário para o ensino universitário sem dominar plenamente a Língua Portuguesa ou as noções fundamentais da Matemática, duas disciplinas indispensáveis ao desenvolvimento do pensamento abstracto, característico da vida e da acção criadora em sociedade”.

No ENID prevaleceu a consciência de que ciência e ensino superior não podem evoluir à custa do ensino básico e que, sem alunos bem formados, o ensino superior pode ser problema mais que solução. As recomendações finais enfatizaram a importância do ensino de português e matemática, confirmando decisão anterior do ministério da Educação-ME que aceitou, em 2008, oferta do Brasil para capacitar professores de matemática e português do ensino médio e fundamental. A meta, nada modesta, de treinar 100% do professorado do ensino médio formado em matemática, em quatro anos, foi atingida e em 2012 a CAPES financiará a fase 2 do curso que será porta de entrada para o mestrado presencial e a distância.

MEC/CAPES, MRE/DEAF e MCT/CNPq uniram-se para financiar o “Programa Linguagem das Letras e dos Números”, executado por instituições do Ceará, Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo. Em Julho e Agosto, grupos de 160 professores virão ao Brasil para curso de 30 dias, com oito horas diárias, muito conteúdo e extensa programação cultural. ”Fomos ao país do carnaval e encontramos o país do trabalho”, relatou o líder do primeiro grupo à Ministra da Educação, ao regressar do Brasil em 2008. Resultado imediato, a proposta de aumentar uma hora de aula de matemática por semana no currículo oficial do país.

A cooperação brasileira apoiou acções complementares em olimpíada, ensino a distância, portais de ensino e avaliação. A olimpíada talvez seja o melhor exemplo que define essa cooperação, porque realça a atitude caboverdiano de valorizar a educação e assumir seu próprio destino.

A Olimpíada de Matemática da Escola Pública de Cabo Verde foi construída por professores que vieram ao Brasil em 2008 e docentes da universidade pública. Com recursos próprios do ME, a olimpíada contou com 5 mil crianças em 2010. Parecia muito, mas neste ano de 2011 foram 15 mil crianças do 8º ao 12º ano. Quase 30% do total da matricula no ensino secundário (54.406 alunos). Nada que se compare às estatísticas brasileiras, mas impressionante em país de 500 mil habitantes.

A área de português tem a mesma expectativa de mestrado a distância e olimpíada nos moldes do projecto brasileiro conduzido pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária - CENPEC, com apoio do MEC/CAPES.

Diante de décadas de notícias ruins reconforta ver o exemplo de coerência de uma nova África afinada com as questões do conhecimento e de um pequeno país comprometido com a matematização do ensino e transformação do português, que deixará de ser apenas a língua falada oficialmente para ser instrumento de trabalho das novas gerações.

*Helio G. Barros, ex/Secretário de Educação Superior do MEC, ex-Secretário de C&T do Estado do Ceará, coordena projectos de Cooperação na África, com apoio CNPq/TWAS.

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