Carlos Ramos – Sol
O embaixador angolano assegura que a cooperação com Portugal é estratégica, seja qual for o partido que estiver no Governo em Lisboa. E insiste que há lobbies em Portugal que tentam desacreditar as instituições angolanas.
A relação entre os dois países faz-se a velocidades diferentes conforme está no Governo de Portugal o PSD ou o PS?
As relações estabelecem-se e desenvolvem-se independentemente do Executivo que está em Portugal. Reafirmamos a nossa disposição para considerar sempre estratégica a cooperação com Portugal. São relações históricas e incontornáveis.
Recentemente, numa entrevista ao Jornal de Angola, referiu-se à existência de lobbies em Portugal que mancham a imagem do Estado angolano. Pode especificar?
Esses lobbies sempre existiram, talvez com mais força no passado, mas continuam. A desinformação que se faz da realidade angolana, a distorção dos factos, a utilização da velha prática de misturar a mentira com a verdade, para poder induzir as pessoas numa determinada direcção, é tudo urdido por gente ao serviço de interesses particulares.
Pode ser mais concreto?
Devo dizer também que não temos nada a esconder. Na verdade, se os factos existem devem ser relatados mas, na nossa óptica, devem sê-lo com a maior isenção possível. Saudamos, por exemplo, uma posição que o SOL assumiu, há bem pouco tempo, a propósito das manifestações que ocorreram em Angola, particularmente em Luanda. São manifestações normais numa sociedade democrática, mas a forma maliciosa como, às vezes, as situações são empoladas não é aceitável. «Milhares de pessoas» referiram alguns, mas quando o SOL, por exemplo, relatou os factos, estes correspondiam exactamente ao que estávamos a ver em directo pela televisão e, na verdade, não tinham nada a ver com os tais «milhares de pessoas…». Vários colunistas escreveram depois, também de forma tendenciosa, não prestando dessa forma um bom serviço nem a Portugal, nem a Angola, nem aos cidadãos dos dois países que querem ver normalizadas as suas relações e que querem que Angola, por exemplo, tenha um ambiente bom para poderem viajar e trabalhar. Empolar factos por empolar, não é correcto, não é bom.
Há uma crítica clara no seu discurso à comunicação social portuguesa.
Este é apenas um facto simples. Diria até, trivial. Mas há outras questões mais profundas.
No sector económico?
Em todos os domínios. Em nosso entender não é desejável que, num momento em que há um esforço muito grande para que Angola e Portugal façam um trabalho conjunto para a sustentabilidade de ambas as economias, haja gente que se opõe a um investimento angolano em Portugal. Isto é absurdo num mundo globalizado, numa altura em que se busca a internacionalização dos investimentos, dos mercados. Angola está, naturalmente, na banca portuguesa para ganhar dinheiro. Mas estando a investir em Portugal, e na banca em particular, está também a contribuir para a melhoria da economia portuguesa. Do mesmo modo que em Angola encorajamos e incentivamos o investimento estrangeiro, o português em particular. Portanto, quando se diz que esses lobbies estão a enfraquecer as ligações entre os dois Estados, o que estão a fazer é, de facto, a desacreditar as instituições angolanas.
Esses lobbies visam apenas Angola ou também Portugal?
Visam primeiro atacar Angola, directa e indirectamente. Denegrir a imagem das instituições angolanas e dos seus responsáveis é uma agressão directa. Impedir ou desencorajar que investidores angolanos invistam em Portugal e portugueses invistam em Angola é um ataque à soberania e à livre vontade de quem quer fazer os seus negócios.
Angola continua com imagem negativa no que diz respeito ao combate à corrupção, ainda que tenha sido aprovada nova legislação.
Nesse domínio a imagem de Angola deu um salto muito grande, melhorou bastante. Nunca deixou de se reconhecer que, num contexto de perturbação social, como foi a guerra, há questões que escapam do controlo das autoridades. Agora, numa situação de normalidade, seria anormal admitir continuar a pactuar com situações dessas. A par dos mecanismos legais e institucionais criados para o combate à corrupção, há também um trabalho pedagógico que tem de ser feito. Sabemos que a corrupção não se combate apenas por decreto. A corrupção é uma atitude e a sua mudança implica novas aprendizagens, recorrendo a vários instrumentos. Compreendemos, naturalmente, a ansiedade de quantos gostariam que o fizéssemos mais rápido. Mas é necessário entender que esses processos têm a sua própria velocidade. E, por vezes, antecipar os acontecimentos pode ser fatal.
Em relação ao novo acordo dos vistos, qual é o ponto da situação?
Teve dificuldades iniciais, mas o processo decorre bem. A maior dificuldade está no cumprimento dos prazos. Atendendo ao aumento assinalável de solicitações, é necessário que os serviços disponham de tempo. Um mínimo de burocracia irá sempre existir.
Numa altura em que se prevê um aumento da capacidade de produção petrolífera de Angola, como vê o futuro de outros sectores?
Seja qual for o cenário em termos da produção petrolífera no futuro, Angola não vai abdicar da diversificação da economia. Além do petróleo, temos outros recursos, em particular as terras aráveis e a água. Temos um potencial enorme para desenvolvermos a agricultura. Nesta diversificação, em momento nenhum o Estado pode pensar em estar sozinho. Daí que defenda e incentive o sector privado de modo a que, conjugados, possam levantar a economia.
Nesse caso, Angola conta com a experiência de outros países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa?
Há acordos gerais de cooperação entre os países da CPLP. Com Portugal, em particular, há reflexões muito importantes sobre pequenas e médias empresas. Porque Portugal tem uma tradição agrícola, tem uma forte experiência de que Angola precisa, por exemplo de famílias que têm estruturas montadas, bem organizadas, que sem necessidade de muita mão-de-obra, produzem importantes quantidades.
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