quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

DEIXEM-ME FALAR-LHES SOBRE CLIENTELISMO



Nuno Resende – Aventar

Clientelismo é, segundo os dicionários: maneira de agir que consiste numa troca de favores, benefícios ou serviços políticos ou relacionados com a vida política. Ora todas as discussões, em Portugal, sobre a vida política, deviam começar por esta definição. É claro que generalizaríamos se enfiássemos o Carmo na Betesga, ou seja, Portugal no clube exclusivo de países onde o clientelismo impera. Não é assim, mas é certo que o nosso país integra o pelotão dos países onde a corrupção é maior, sendo o clientelismo uma expressão da corrupção.

Quando há meses se formaram movimentos de cidadãos indignados, precários e acampados, todos eles se esqueceram deste pequeno pormenor: não é o voto que manda, é o clientelismo que tem última palavra. Percebê-lo é o primeiro passo para mudar as coisas que alguns queriam mudar, embora muitos quisessem apenas… mudar. O quê, era irrelevante.

Durante os últimos séculos os portugueses viram com bons olhos o clientelismo, cultivaram-no com gosto. Desde o jeitinho à cunha, passando pela manutenção de vínculos familiares como força de manter certos feudos (mesmo apesar do republicanismo primário), o português, qual feitor analfabeto, sempre se sujeitou a ir de chapéu na mão à caso do doutor, pedir emprego para a filha ou filho. O facto de os colocar na universidade não mudou nada esta mentalidade. Se não era, agora, o pai a pedir emprego, era o filho que conhece bem o valor do factor C [vulgo para cunha].

A Igreja, por outro lado, sempre cultivou abertamente, o nepotismo. Sobrinhos (quando não filhos) de eclesiásticos sucediam em prebendas, abadias e demais cargos que durante séculos foram mantidos à custa do poderio social e económico desta instituição. Ainda hoje integram certas organizações da igreja, como a Opus Dei, os membros das elites católicas.

Ora quando falamos em maçonaria e não obstante o discurso laudatório de alguns comentadores e politólogos (profissão muito em voga), não podemos esquecer o seu lado clientelista. Já não me refiro ao lugar anacrónico numa sociedade que se ufana, pela boca de vários interlocutores, de ser livre e democrática. Que a maçonaria tenha desempenhado um papel na libertação de Portugal da mordaça absolutista, tudo bem. Que até reis a tenham integrado fazendo jus ao papel principal desta instituição há um século atrás, nada contra. Mas que, em 2012 alguém se junte à maçonaria para defender a Carta Constitucional ou os valores de Abril, vestido a rigor, numa sala sem janelas e à luz trémula de uma vela que lança sombras sinistras sobre o chão axadrezado…bem, isso apenas me parece ridículo.

O que tudo isto suscita é, contudo, uma pergunta: se não é necessário salvar a liberdade de avental, para que serve, hoje, no século XIX esta organização que o sr. professor José Adelino Maltez diz ser constituída por 5 milhões em todo o mundo? Dez milhões de mãos com luvas brancas!

Eça de Queirós nas suas Campanhas alegres dizia, com graça e ironia, que “a Igreja condena[va] a maçonaria; mas a maçonaria é hoje simplesmente uma sociedade constituída para fazer eleições; – a Igreja portanto condena[va] completamente o tráfego eleitoral.” Apenas consigo imaginar que hoje, como quando Eça escreveu este texto, a maçonaria sirva para fazer eleições ou para lubrificar clientelismos. Em 2008 Arnaut dizia que a maçonaria já esteve “inundada de oportunistas”. Quem nos garante que não está nem voltará a estar? Por muito que uma árvore não faça a floresta, se esta estiver doente, em breve contaminará todas as outras.

Mesmo apesar dos seus 5 milhões a maçonaria não provou ser uma instituição intemporal. É uma organização humanitária? tem centros de ajuda? distribuiu víveres? ajuda os refugiados? pratica voluntariado? A maçonaria teve o seu valor e o seu tempo. Hoje é anacrónica, como qualquer organização, secular ou religiosa, que lance sobre os seus membros o labéu de ungidos. Mas o pior disto tudo é o cheiro a clientelismo que dali emana. Sobretudo num país como Portugal, onde é fácil submeter os mais fracos, à mercê de uma cultura superior (mesmo que os mentores desta cultura sejam quase iliteratos). Mas a força venial dos doutores, dos políticos, desses escolhidos e ungidos da democracia e da liberdade é suficiente para vergar os feitores e estimular o servilismo, a cunha, o jeito.

Depois todos sabemos como funciona: para o lugar vai o medíocre (os feitores têm filhos medíocres e bons e em geral a cunha é para o medíocre) que faz uma carreira fulgurante trocando e oferecendo favores ao longo da sua vida. Com sorte chega a primeiro-ministro ou presidente da república (quantos pertenceram ou pertencem à maçonaria?). Pactuar com isto é crime.

E ainda há quem se admire como chega um país à bancarrota.

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