quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

FAÇAMOS BOA CARA AO MAU TEMPO




Mário Soares – Diário de Notícias, opinião

1. Entrámos num mundo de transição. Nada está ganho nem nada está perdido. Concentremo-nos na Europa, nossa pátria coletiva. Não vai nada bem. O mundo em geral, de resto, também está em ebulição, numa fase bem difícil e perigosa. Mas a Europa era para o mundo uma referência: de democracia, de bem-estar, de justiça social, de respeito pelos Direitos Humanos, de desenvolvimento sustentado, para defesa de um planeta ameaçado. Deixou de ser? Em boa parte teremos de responder: deixou. O capitalismo financeiro, a economia virtual e os loucos mercados especulativos estão a corroer os valores europeus e, talvez, a própria Democracia.

As pessoas, e não só as mais pobres, estão cada vez em pior situação. São também as das chamadas classes médias, que estão a perder as perspetivas e a ficar desesperadas. Compreende-se. São situações muito preocupantes. Mas quem paga não são os ricos: são sempre os pobres.

Será que a Europa enlouqueceu? É o título de um belo artigo escrito pelo director do Jornal do Fundão, Fernando Paulouro Neves, que cita a começar um poema de Nuno Júdice, curiosamente de 2008, que diz: "... A Europa enlouqueceu/e pede que a fechem/para que ninguém/acredite no que ela diz..."

Paulouro Neves vai mais longe e lembra o grande Presidente americano Franklin Roosevelt, que viveu e venceu, como se sabe, a crise de 1929/31, a qual esteve na origem do nazismo. Disse ele: "Ser governado pelo dinheiro organizado é tão perigoso como pelo crime organizado." Tinha razão. O capitalismo desregulado, em tempo de globalização e sem ética nem valores, está a promover, seguramente sem o querer, a criminalidade, o mal-estar social e os conflitos entre pessoas e Estados. Um caminho perigoso que nos pode conduzir a uma nova guerra. Conclusão: é preciso reagir e com urgência. Enquanto é tempo!

2. Como? Stéphane Hessel, o autor do Indignai-Vos, que tive a honra de apresentar, na conferência e no lançamento do livro que fez, na Fundação Mário Soares, com os movimentos que provocou por toda a Europa, chegou à conclusão de que não basta indignarmo-nos.

É verdade. É preciso ir mais além. Escreve Stéphane Hessel, num livro recente, publicado em parceria com um jovem de 25 anos, Gilles Vanderpooten, intitulado Empenhai-Vos!. É certo. É urgente agir para evitar o pior, ou seja: A catástrofe europeia e o fim do euro, com as suas deploráveis consequências. Agir concertadamente, organizando-nos para podermos intervir coletivamente de modo a mudar o caminho da União Europeia, voltando aos valores e ideais com que foi criada.

Cito Hessel: "É preciso saber dizer não ao que está mal. Denunciar, Protestar, Resistir. Mas também dizer sim. Agir, combater, participar na insurreição pacífica que nos permita dar resposta a um mundo que não nos agrada. Numa palavra, empenhar- mo-nos." E mais adiante: "As alternativas existem: temos a possibilidade de engendrar os caminhos de um mundo mais bem governado."

Para tanto, é preciso defender a democracia que, em termos europeus, está a ser destruída.

As instituições europeias estão paralisadas e a dupla Mer- kozy parece querer governar, sem prestar contas aos outros parceiros europeus, pelo menos da zona euro, a que Portugal tem o orgulho de pertencer. Não é aceitável! É por isso que é preciso protestar.

Por mim, há muito tempo que aprendi que não há democracia sem partidos políticos, porque as democracias de partido único, como houve no pós-guerra, nos países de Leste, foram tão-só ditaduras.

Pelo contrário, as democracias que estão na base da construção da CEE e depois da União Europeia foram democracias pluripartidárias, sendo que a sua espinha dorsal foram duas famílias político-ideológicas: os partidos democratas cristãos e os partidos socialistas (ou social-democratas ou trabalhistas).

Sucede que hoje essas duas famílias políticas estão praticamente extintas: só há partidos populares e neoliberais a governar, que - note-se - nos arrastaram para a situação em que estamos. Com efeito, a União Europeia é hoje governada por partidos ultraconservadores, sem visão democrática e sem valores éticos, que só pensam no dinheiro e, por isso, obedecem cegamente às imposições dos mercados especulativos.

3. Não creio que valha a pena, no deserto ético e político, em que nos encontramos, fundar novos partidos. Não só não são necessários como podem ser contraproducentes. Mas é urgente refundar os que temos ainda e se autodestruíram, por pressão da chamada terceira via ou por abandono da doutrina social da Igreja, que foi considerara, após o Concílio Vaticano II, como algo do passado. O que não é, creio, apesar das atualizações que são necessárias.

A luta contra as tremendas desigualdades sociais, que constituem, para certos países, como Portugal, depois da Revolução dos Cravos, uma vergonha, é a demonstração disso. Bem como a situação dos católicos que, deslumbrados pelo capitalismo selvagem, esqueceram os grandes princípios da doutrina social da Igreja. Como os socialistas, pela mesma razão, se encantaram com a "terceira via", que os conduziu a idênticos resultados. É, pois, necessário que essas duas famílias políticas repensem as suas ideologias e voltem aos valores ético-políticos que estão na origem do seu poder e do mito do projeto político europeu. Se possível em associação com os verdes e com os que professem os mesmos valores: culto da paz; aprofundamento democrático; desenvolvimento da justiça social; combate contra as desigualdades e a corrupção; luta contra o desemprego; defesa das ameaças que pesam sobre o nosso Planeta.

4. Reconheçamos que a União Europeia tem vindo progressivamente, nos últimos anos, a perder os seus valores e daí a profunda decadência em que se encontra. Como disseram Schmidt, Kohl, Delors e alguns outros políticos bem conhecidos mas que não estão no ativo, por razões de idade ou outras. A nossa Europa está à beira do abismo. É preciso evitar que esse salto perigosíssimo venha a dar-se, em benefício dos europeus - de todos os seus Estados -, mas também dos não europeus, com sentido da responsabilidade.

Para isso, é preciso também perder o medo. Lutar com a mesma energia e convicção com que o fizemos contra o nazi-fascismo e os outros totalitarismos. Quando a leitura de Hannah Arendt nos ensinou o que foram, no século passado, os totalitarismos de vários tipos que nos afetaram. Federico Mayor Zaragoza, ex-diretor-geral da UNESCO, onde realizou uma ação excecional, e homem político e de grandes Cau- sas - e que é também poeta -, acaba de publicar um livro de poesia, Donde no Habite el Miedo, em parceria com María Novo. É um livro lindíssimo - pelo conteúdo dos poemas e pela beleza da apresentação - que reflete e repudia o medo da primeira à última linha. Efetivamente, coragem e determinação precisam-se para salvar a Europa.

5. Ao contrário da Europa, a América do Norte, de Barack Obama, está a dar um salto em frente considerável, no sentido do progresso da sua economia e da redução do número de desempregados.

Se assim continuar, nos próximos meses, é provável que Barack Obama não tenha problemas em ganhar as eleições para os próximos quatro anos. Até porque os candidatos republicanos, religiosos ou não, extremistas ou mais moderados, carecem de um discurso lógico que possa convencer o eleitorado americano médio. Se assim for, Obama volta a ganhar, para um segundo mandato, o que é uma excelente coisa para a América, para a Europa e para o mundo.

Abriu-se, assim, nas últimas semanas, uma réstia de esperança que importa alimentar, com realismo. Num mundo que surge como tão pessimista, em todos os continentes, quando a China parece estar em dificuldades, como aliás, mais tarde ou mais cedo, eram previsíveis, e a Rússia começa a saber o que são grandes manifestações populares, que põem em causa o regime autocrático de Putin e, por toda a parte, surge a incerteza quanto ao futuro próximo, talvez com a única exceção da Ibero-América, com destaque para o Brasil, o país líder desse subcontinente.

Tenhamos pois nós, europeus, esperança num futuro melhor, de que bem precisamos. Apesar das dificuldades que estão a fustigar os grandes Estados - a Itália e a Espanha - e que se fazem sentir em países como a Alemanha e a França. À quelque chose malheur est bon, como dizem os franceses.

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