Charles Nisz, São Paulo – Opera Mundi
Segundo documentos, o então ministro da Defesa teria sonegado informações sobre tortura em prisioneiros
Um escândalo militar na Dinamarca, cujos desdobramentos podem afetar o ex-primeiro-ministro dinamarquês e atual secretário-geral da OTAN (Organização do Atlântico Norte) Andreas Rasmussen, eclodiu após a divulgação de documentos secretos da diplomacia norte-americana pelo Wikileaks. Segundo os despachos, forças do país nórdico no Iraque consentiram com a transferência de presos para autoridades do país mesmo sabendo que eles seriam torturados.
O ministro da Defesa do governo do então premiê Rasmussen, Soren Gade, é acusado de sonegar informações sobre tortura em prisões iraquianas ao governo dinamarquês. Em 2004, o ministro enviou um relatório ao Parlamento, mas não mencionou as torturas, temendo abalos na cooperação Dinamarca-Iraque.
Em maio de 2004, três meses antes da inspeção na prisão de Al Makil, o primeiro-ministro Rasmussen disse em debate no Parlamento: se o governo tiver informações sobre tortura, irá revelar. Mas isso não ocorreu: as passagens sobre tortura foram deletadas do arquivo enviado aos deputados.
De acordo com o jornal Copenhagen Post, a investigação de julho de 2004, liderada pelo conselheiro jurídico do Exército dinamarquês, Major Kurt Borgkvist, revelou “queimaduras com cigarros, molares apertados e agressões nos genitais” e outras violências sofridas pelos prisioneiros iraquianos. Alguns deles perderam seus dedos, reportou Borkvist. O relatório continha imagens fotográficas, descritas por Soren Gade como “tortura ao estilo Abu-Ghraib”, em referência à prisão iraquiana, onde iraquianos foram torturados por soldados dos EUA.
Rasmussen, líder da coalizão de direita que governou a Dinamarca entre 2001 e 2009, deixou o governo em agosto daquele ano para assumir o posto de secretário-geral da OTAN. Ele apoiou a ação militar da OTAN para destituir o ex-líder líbio Muamar Kadafi, assim como a intervenção no Iraque. Ironicamente, ele citava a resolução de 2003 da ONU contra torturas como um dos motivos para a guerra contra Saddam Hussein.
Para piorar a situação do ex-ministro da Defesa dinamarquês, Soren Gade, um relatório feito em 2010 pelo atual titular da pasta mostra que os dinamarqueses entregaram 500 rebeldes ao governo iraquiano. Gade e seu partido Venstre alegaram serem apenas 200 homens. Gade se defendeu dizendo que “a disparidade aconteceu porque muitos desses rebeldes foram detidos por forças britânicas”.
Gade poderá ser intimado a testemunhar em tribunal internacional, segundo a matéria do Copenhagen Post. Pela Convenção da ONU contra tortura, soldados não podem entregar prisioneiros se eles suspeitam que a outra autoridade irá torturá-los. Em editorial de 5 de janeiro de 2012, o Copenhagen Post intima o governo a cooperar com as investigações mesmo que altas autoridades sejam implicadas no processo.
O escândalo veio à tona em 2010, com a divulgação dos Iraq War Logs, pelo site Wikileaks. Reportagem de 5 de novembro daquele ano no jornal islandês IceNews dizia que o governo dinamarquês continuou entregando rebeldes iraquianos ao governo local até 2005, mas o governo de Copenhague sabia da tortura nas prisões do país desde 2003.
Matéria de 23 de outubro de 2010, no jornal dinamarquês Information, dá conta do conhecimento do governo dinamarquês sobre as torturas nas prisões do Iraque: a coalizão militar ocidental compartilhava documentos sobre essa situação. Tudo isso confirmava os alertas feitos por organizações como a Cruz Vermelha e os Direitos Humanos.
Acusações similares de transferência de prisioneiros também ocorreram durante a intervenção norte-americana no Afeganistão. Em setembro de 2011, a OTAN anunciou a suspensão da maioria das transferências de rebeldes após relatos de tortura por membros do governo afegão e da própria OTAN.
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