Daniel Oliveira – Expresso, opinião, em Blogues
Não conheço nenhum jornalista sério, daqueles que defendem, como eu defendo, que o jornalismo tem limites e que os fins não justificam os meios, que critique a divulgação, por parte da TVI, da conversa entre Vítor Gaspar e Wolfgang Schauble. Diz o código deontológico dos jornalistas portugueses, que não difere muito dos que vigoram noutras democracias: "O jornalista deve respeitar a privacidade dos cidadãos excepto quando estiver em causa o interesse público ou a conduta do indivíduo contradiga, manifestamente, valores e princípios que publicamente defende. O jornalista obriga-se, antes de recolher declarações e imagens, a atender às condições de serenidade, liberdade e responsabilidade das pessoas envolvidas." O interesse público é indiscutível, assim como as condições de serenidade, liberdade e responsabilidade das pessoas envolvidas. O teor da conversa nada tinha de privado. O local era público. E aquelas pessoas estavam ali, não a título privado, mas em representação de Estados.
O acordo tácito com os jornalistas - de não recolherem som de conversas - não tem, não pode ter, mais valor do que a sua obrigação profissional. As regras afixadas, ao que parece numa folha escondida atrás de uma planta, não têm valor de lei. São a vontade de políticos. Até poderiam afixar um papel a dizer que os ministros só podem ser filmados no seu melhor perfil que nem assim os repórteres de imagem (são repórteres, não são fotógrafos de casamentos) deixariam de ter de cumprir a sua obrigação.
Um jornalista que, tendo acesso a uma informação de tal relevância política e económica, que envolve o futuro e a vida de dez milhões de cidadãos, não garantisse o acesso desses mesmos cidadãos a essa informação seria um mau jornalista. Se alguém violou as suas obrigações foram os dois ministros que, na presença de jornalistas e num lugar público, tiveram uma conversa de interesse público achando que aquelas pessoas que ali estavam com câmaras eram meros turistas. Quem quer reserva nas suas conversas, quando essas conversas são sobre assuntos de Estado, escolhe a ocasião e o lugar para as ter. Não conta com a falta de brio profissional dos outros.
Ao contrário do que disse o furioso ministro das finanças alemão, não houve qualquer recolha secreta. A câmara, bem grande, estava à frente dos dois ministros. Não se trata de uma escuta telefónica, de uma violação de correspondência, de uma câmara oculta. Se os ministros são displicentes, perante jornalistas, talvez seja porque se habituaram, citando o nosso Presidente da República, ao "jornalismo suave" que se pratica nos corredores de Bruxelas. A burocracia não afecta apenas funcionários e políticos. Há, nas instituições da União Europeia, demasiados profissionais de informação complacentes com a opacidade de quase todas as decisões.
A suspensão do jornalista da TVI, quando estamos a falar de uma instituição que nos pertence a todos, é um ataque à liberdade de imprensa e um ato de censura. A instituições políticas não têm nem o direito nem a autoridade para suspender jornalistas. Se ainda existisse alguma solidariedade entre jornalistas nenhuma imagem seria recolhida destas reuniões até que o respeito pela liberdade de imprensa fosse reposto (ainda por cima sabendo-se que, apesar deste não ser o primeiro episódio do género, esta é a primeira suspensão de um jornalista). Os políticos não escolhem os jornalistas que podem ter acesso às sedes das instituições públicas. Se o fizerem, passaremos a ter meros propagandistas e noticiar atos políticos. No caso, os mesmos políticos que já tiveram, nas mesmas circunstâncias, conversas em frente a jornalistas para que elas fossem divulgadas. Irritam-se quando a divulgação das suas inconfidências não lhes é útil, apenas isso.
A representante portuguesa na Representações Permanentes (REPER) considerou a decisão "infantil". Porquê? "A TVI devia ser banida para sempre do tour de table", disse Maria Rui Fonseca. Pois eu acho que uma funcionária que, representando Portugal, julga que pode banir órgãos de comunicação social, para sempre, de espaços públicos que são pagos, como ela própria, pelos contribuintes, é que devia ser banida das suas funções. Talvez esteja em Bruxelas há demasiado tempo e julgue que aquele espaço é a sua casa. Não é. É nossa. E ninguém lhe deu qualquer poder para decidir quem são os órgãos de informação que podem e que não podem trabalhar juntos das instituições públicas europeias.
A representante portuguesa defendeu ainda que "a recolha de imagens pelas televisões devia acabar e passar a ser feita pelos serviços do Conselho, que posteriormente as distribuíam". Acho bem. Desde que a sua transmissão seja feita no espaço dedicado à publicidade e que o Conselho pague a sua divulgação. Já a recolha de imagens para noticiários é feita por jornalistas, com carteira profissional e sujeitos a um código deontológico. E eles recolhem as boas e as más imagens, e não apenas aquelas que os políticos querem que os seus eleitores vejam.
Um representante alemão disse que se os jornalistas não passarem a respeitar as regras impostas pelos ministros duvida "que o ministro Schäuble entre na sala enquanto decorrer o tour de table". Parece-me excelente. Se o senhor Schäuble é incapaz de ficar calado deve mesmo precaver-se. A função de um jornalista é que não passa a ser diferente por causa dos amuos de um incontinente verbal.
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