segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Juridicialização da política e contaminação de opinião pública



César MaiaDebates Culturais

É fato sabido e estudado que sempre que o poder político se retrai, seja pela razão que for, o espaço que deixa não ficará vazio. Num quadro de crise, estimula o apetite autoritário e com a chegada do messias.

Em geral, num regime democrático, aquele espaço é ocupado naturalmente pelo poder judiciário, que tendo em vista a parálise político-legislativa, passa a decidir e legislar pontualmente. Isso, várias vezes, é exaltado por muita gente e, em particular, pela imprensa, culpando os políticos e afundando ainda mais a avaliação deles.

Em qualquer lugar do mundo, numa escala de avaliações institucionais, os políticos vêm lá embaixo. As eleições excedem expectativas e, em seguida, o processo político (num regime democrático de independência de poderes, direito das minorias nos parlamentos) não pode e não deve acompanhar a velocidade de decisão do setor privado. Sua lógica e dinâmica carregam o desgaste como inevitável, mudando apenas a profundidade aqui e ali.

Ora, se é assim, quaisquer vetores da sociedade que entrem no vácuo da política em certos períodos e, por isso, essa intervenção ocorra por tempo maior ou de forma sistemática, esse vetor atrairá sobre ele as mesmas expectativas que atrai a política. Isso, em geral, ocorre com o Poder Judiciário nos regimes democráticos, que passa -aqui e ali- a decidir, “legislando” e “liminarizando”.

Com isso, qualquer impasse se transforma em litígio judicial de forma espontaneamente reativa por parte dos próprios políticos e, claro, das pessoas. A reação no parlamento e nas ruas, que vem na ponta da língua é: “vou recorrer à justiça”, antes mesmo de qualquer reflexão sobre os caminhos da divergência, a busca de consensos ou soluções não judiciais.

O Poder Judiciário sempre escalou nos primeiros postos a hierarquia das instituições mais bem avaliadas pela população. Isso vem mudando recentemente por aqui. O curso de direito da FGV de S. Paulo realiza pesquisas sucessivas sobre o que chamou de Índice de Confiança no Judiciário. Esse Índice vem piorando e na primeira divulgação de 2012 indicou que 64% dos entrevistados marcaram “desconfiança”.

E isso não ocorre por conta de casos pontuais que são divulgados como desvios. Haja vista os problemas da Igreja e das Forças Armadas, e estas instituições permanecem no topo da lista. O Poder Judiciário caiu para sexto ou sétimo lugar.

A probabilidade que isso tenha ocorrido pela juridicialização da política é muito grande. Se a dinâmica da política produz, em qualquer parte do mundo, desconfiança, é esperado que quem ocupe o seu vácuo, num certo período, seja também contaminado pela mesma lógica. Melhor é que os poderes não fiquem ansiosos com a parálise do outro e que só atuem, se isso ocorrer, na sua própria competência constitucional, não se deixando atrair pelos que recorrem a eles – ansiosamente – pedindo que atuem fora de suas competências constitucionais e resolvam seus problemas.

*César Epitácio Maia nasceu em 18 de junho de 1945, é economista e professor universitário, foi exilado político e é um dos políticos brasileiros mais atuantes no momento, tendo ocupado diversos cargos públicos, dentre eles o de Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro.

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