terça-feira, 20 de março de 2012

CHEGADA DA PRIMAVERA NOS EUA REANIMA OCCUPY WALL STREET



Raphael Prado, Nova York – Opera Mundi, com foto

Confronto entre polícia e manifestantes deixou 73 presos no sábado, de acordo com os militantes

Para os padrões brasileiros, ainda não acabou o frio em Nova York: é preciso pelo menos uma blusa para sair à rua - o que já é uma grande mudança se compararmos com a média de 3ºC de duas semanas atrás. Mas a proximidade da primavera já é suficiente para que manifestantes do movimento Occupy Wall Street comecem a se reorganizar e tomar novamente as ruas do centro financeiro mundial.

Opera Mundi acompanhou o segundo dia de retomada do movimento, que completou seis meses no sábado (17/03). Nesta data em que multidões andavam bêbadas pelas ruas para comemorar o St. Patrick’s Day, os manifestantes do Occupy voltaram ao Parque Zuccotti, ao sul da ilha de Manhattan, para protestar contra o capitalismo e o mercado financeiro. Eles haviam tomado o local pela primeira vez em 17 de setembro de 2011.

Mas a polícia nova-iorquina também havia se preparado para o aniversário dos seis meses do movimento. Segundo os integrantes do Occupy, a reação diante da retomada do parque foi violenta e terminou com 73 presos. A polícia não confirma a quantidade de detidos.

Domingo (18/03), os protestos foram retomados e, pelo que indicam os manifestantes, pelo menos até o próximo inverno. Aos gritos de “Fora, polícia!” - mas sem nenhum incidente registrado - os “occupiers” voltaram e encontraram a área do parque cercada por grades. Foi quando a indignação começou.

O parque Zuccotti, ou Liberty Place, é um dos 503 POPS de Nova York (sigla em inglês para Espaço Público Privado). Funciona da seguinte maneira: quando a prefeitura cede a uma corporação o espaço para levantar um arranha-céu, ela obriga que parte do terreno seja usado para atender o público. A área vira uma praça, é de uso dos cidadãos, mas não é pública. Manifestantes do Occupy Wall Street entendem que o espaço pode ser ocupado, mas a prefeitura, não.

Caminhada

Cercada a área, restou marchar pela cidade. E nessa caminhada que levou quase quatro horas, Opera Mundi pode conhecer um pouco do perfil de quem está pedindo a mudança do sistema sócio-político-econômico mundial e entender suas mais variadas reivindicações.

A portorriquenha Ivelin Talarico tem 65 anos, três filhos e três netos. Ela é pintora e mora nos Estados Unidos desde a adolescência. “Cheguei aqui muito jovem, trabalhei como costureira para criar minha família”, conta a artista que participa do movimento desde a primeira ocupação, em setembro do ano passado. “Nós que somos imigrantes viemos em busca de um sonho de uma nova vida. Mas, primeiro, que sonho é esse? E por que ele não está disponível em todos os países?”, questiona.

Desde que decidiu entrar para o Occupy, as obras de Talarico passaram a refletir aquilo que via no movimento. “Pintei sobre um novo mundo, mas também pintei violência policial, a violência daqueles que estão aqui para nos bater e defender a manutenção desse sistema desigual”, diz. A manifestante também explica o porquê de não haver uma liderança centralizada no Occupy. “Tudo o que eles querem [os policiais] é alguém que seja o líder, porque aí eles prendem aquele que acham ser a cabeça da serpente. Por isso, se alguém pergunta, todo mundo responde: ‘Eu sou o líder’”, explica.

Crítica também frequente é a de que não há objetivos definidos para o movimento. “Isso é bobagem. Eu acho que a mídia que faz essa crítica ajudou o sistema a chegar a esse ponto”, opina a estudante Christina Gonzalez, de 25 anos. Ela acompanha o movimento desde 18 de setembro de 2011, o segundo dia de “Occupy”. “Não há só uma mensagem, são várias. É preciso ouvi-las e perceber que todas elas são legítimas. O sistema é tão complexo agora que como alguém vem cobrar de nós que a gente saiba como uma nova estrutura deve ser?”, acrescenta. Para ela, não se trata de reformar o capitalismo, mas substituí-lo.

Debora Goodman, de 50 anos, passou todo o sábado do St. Patrick’s Day com os manifestantes, participando de protestos pacíficos e manifestações culturais. Por volta das 23h, voltou para casa para recarregar a câmera. “Eu estava sentindo que alguma coisa ruim ia acontecer e queria poder registrar”, diz. No tempo em que esteve fora, a polícia retirou à força os manifestantes do parque Zuccotti.

Ela lamenta que a violência policial seja um argumento para mobilizar mais pessoas. “Preferia que o movimento crescesse pelas nossas ideias, mas também não podemos aceitar esse tipo de violência e opressão do Estado”, afirma. A aposentada critica o prefeito de Nova York, Michael Bloomberg. “Essa repressão vem de cima, essa é a forma como ele atua, um cara que é doente pelo poder e acha que a polícia é o exército pessoal dele”, opina.

A luta pelo acesso universal à saúde gratuita é o que traz Goodman ao Ocuppy Wall Street. Sobrevivente de um câncer de mama, ela gostaria que todas as pessoas tivessem oportunidade de tratamento. Mas tem dúvidas se sobreviverá para ver a construção de um novo mundo. “Não é difícil, basta cada um olhar no olho do outro, apertar as mãos e fazer algo bom para todos. Mas hoje tudo gira em torno da ganância e do lucro”, lamenta.

Union Square

Depois de caminhar por algumas das principais ruas do sul da ilha de Manhattan, os manifestantes votaram para onde iriam. Com o fechamento do parque pela polícia, eles decidiram que ocupariam a Union Square, uma das mais movimentadas praças de Nova York, na altura da Rua 14 com a Broadway. Ao chegarem ao local, eles se juntaram a outros militantes que já tinham passado uma noite no local.

A polícia permitiu que houvesse pernoite na praça, mas impôs regras: não seriam permitidas barracas e os ocupantes não poderiam dormir ali. “Se ficarem cansados, podem até deitar, fechar os olhos, mas alguém tem que estar consciente no grupo. Caso contrário, a polícia irá nos expulsar”, avisava na chegada um dos ativistas.

Enquanto os novos moradores da Union Square se acomodavam, outros se organizavam para comprar comida. Os mais ansiosos planejavam e convidavam “a imprensa do Brasil” a participar daquele dia que definem como um marco para o movimento: um ato gigantesco no 1º de maio. Nesta data, garante Ivelin Talarico, “tudo vai parar. E vai ser em Wall Street”.

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