domingo, 29 de abril de 2012

OS GOLPES DE ESTADO NA GUINÉ-BISSAU




Belarmino Van-Dunén – Jornal de Angola
 
 
Os últimos acontecimentos na Guiné-Bissau deixaram tudo e todos com o sentimento que aquele país não tem viabilidade enquanto se mantiver o actual relacionamento entre o poder político e as Forças Armadas.

Os militares passam despercebidos até decidirem depor um Governo legitimamente instituído. Mas o que agrava a situação é o facto dos mentores dos golpes constantes contra a República ficarem incólumes e ainda receberem incentivos com promoções e notoriedade internacional.

A história repete-se ciclicamente. Nino Vieira foi o primeiro a perpetrar um golpe militar e manteve-se como Presidente da República, Ansumane Mané seguiu a mesma via e chegou a ser Comandante-Chefe das Forças Armadas, cargo constitucionalmente reservado ao Presidente da República. Acabou morto em combate contra as suas próprias tropas. Kumba Yala foi vítima de um “golpe de Estado branco”. Os militares deslocaram-se à residência presidencial e convidaram-no a deixar o poder.

A Guiné-Bissau foi já várias vezes ameaçada de ser suspensa das organizações internacionais de que faz parte e a CEDEAO ensaiou uma intervenção em 1998, com o Senegal a liderar a ECOMOG, o braço armado daquela comunidade, mas a operação foi mal sucedida.

O fracasso desta missão aumentou o mito das Forças Armadas guineenses serem invencíveis, o que faz com que as chefias militares sempre que sentem a sua influência em causa, deponham o poder político legitimamente instituído.

Desta vez, os militares foram ao extremo ao sugerirem a criação de um Governo de Transição constituído por partidos sem representatividade parlamentar.

Nino Vieira foi o único que se manteve no poder na sequência de um golpe de Estado. Naquela altura, em 1980, a conjuntura nacional e internacional era outra e os conceitos de soberania e de não ingerência nos assuntos internos dos Estados eram venerados.

Actualmente é inadmissível o que os militares guineenses propuseram no suposto acordo com os partidos da oposição, um Governo de transição para governar a Guiné-Bissau por dois anos, findo os quais, o poder era entregue aos civis após eleições simultâneas, presidenciais e legislativas.

O acordo, que estabelece que apenas são respeitados o poder judicial e o militar, sublinha que os partidos signatários acordaram em manter a chefia militar. Este ponto é claramente despropositado por se saber não ser possível destituir o Chefe do Estado-Maior por ser um desrespeito à Constituição da República e uma traição à pátria.

A Comunidade Internacional continua a perder terreno e as divisões já se fazem sentir. A CEDEAO parece dar a bênção ao Governo de transição por ter sido depois da visita da delegação daquela organização a Bissau que o Comando Militar anunciou a intenção de negociar com os partidos da oposição como via para consolidar o golpe de Estado.

A União Africana suspendeu a Guiné-Bissau de todas as actividades da organização e por isso não se compreende como é que a CEDEAO convidou o Comando Militar a participar numa cimeira extraordinária e como é que a delegação guineense viajou num avião da Costa do Marfim.

Nada garante que desta vez os militares voltem às casernas e respeitem o poder político democraticamente eleito.

Por isso não se compreende a complacência da CEDEAO em relação ao Comando Militar. Há necessidade da comunidade internacional ajudar a Guiné-Bissau e os guineenses a encontrarem a paz política e democrática, mas se o Comando Militar efectivar a instituição de um Governo de transição abre-se um precedente gravíssimo em África.

A novidade é a CEDEAO ter anunciado estar pronta a enviar um contingente de 638 militares da Nigéria, Costa do Marfim, Senegal e do Burkina Faso. Mas não está claro se essa força vai obrigar o Comando Militar a repor a legalidade constitucional.

Além disso, porquê que somente agora é que a CEDEAO demonstrou essa disponibilidade quando há anos se solicita o seu envolvimento? É esta falta de convergência de estratégias para a resolução dos problemas que faz com que o caos reine em certos países de África.

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