terça-feira, 15 de maio de 2012

Professores brasileiros desistem de dar aulas no Timor Leste após atraso nos salários


Paulo Bastos dava aulas de ciência política no Timor Leste (Foto: Arquivo pessoal)

Ana Carolina Moreno e Vanessa Fajardo - G1, em São Paulo

Eles criticaram o atraso nos salários e na emissão do visto de trabalho

Segundo fundação, universidade timorense enfrentou entraves burocráticos

Dois professores de um grupo de 31 brasileiros que embarcaram em fevereiro para dar aulas na Universidade Nacional do Timor Leste (UNTL) durante um ano decidiram retornar ao Brasil depois de três meses no país asiático. Eles alegaram que o atraso no pagamento dos salários prometidos aos docentes impediu que eles pudessem arcar com os custos de moradia e alimentação, além de outros acordos não cumpridos.

Paulo Bastos, de 39 anos, que dava aulas de ciência política no Timor Leste, voltou para o Rio de Janeiro, onde morava com a esposa, na última sexta-feira (11). Ele viajou para o Timor no dia 11 de fevereiro, mas retornou ao Brasil antes do previsto porque, segundo ele, não havia mais condições de ficar.

Ele foi selecionado por meio de um edital da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), que no ano passado fechou convênio com a UNTL para escolher e capacitar os docentes brasileiros. O professor disse que o grupo foi enviado ao Timor sem a prévia assinatura de um contrato de trabalho e, ao chegar lá, descobriu que a UNTL não tinha estrutura jurídica para contratá-los. Por isso, a Fundação de Universidades Portuguesas (FUP), entidade que seleciona professores de Portugal em um convênio semelhante ao do Mackenzie, decidiu se responsabilizar também pelos brasileiros e utilizar sua estrutura para pagar os salários.

Segundo o representante da FUP no Timor Leste, Vasco Fitas da Cruz, a UNTL já fez a transferência do dinheiro para a fundação e os salários serão pagos "nos próximos dias", assim que os prazos estipulados pelos bancos sejam cumpridos.

Condições de vida

“O Mackenzie nos mandou para fora do país com um projeto mal desenhado. Passei de fevereiro até esta sexta [dia 11] sem receber salário, as condições de vida estavam muito difíceis”, afirmou Bastos.

O Mackenzie afirmou que há dez anos mantém parcerias com o Timor Leste e que a ação mais recente é a seleção de professores para atuarem na UNTL. A instituição brasileira disse, em nota, que, após a seleção e capacitação, "a única atribuição do Mackenzie é monitorar o desenvolvimento das atividades acadêmicas, nada interferindo no pagamento dos salários dos docentes".

O G1 enviou um e-mail à reitoria da instituição timorense, mas não obteve resposta. Segundo Fitas da Cruz, essa foi a primeira vez que a UNTL se responsabilizaria pelos trâmites administrativos da contração de professores. Os recursos saem do orçamento do governo timorense, mas a UNTL necessitava de uma conta bancária específica para isso.

Segundo Fitas da Cruz, "a Universidade Presbiteriana Mackenzie e a UNTL não encontraram mecanismos que permitissem a contratação e pagamento de salários em Timor Leste aos docentes selecionados" no Brasil. Por isso, "a FUP disponibilizou-se para auxiliar estas duas instituições na resolução desse impasse, tendo assumido a responsabilidade de contratar os docentes e pagar os seus salários quando tivesse disponibilidade orçamental, ao abrigo de finaciamento acordado com a UNTL e a UPM, para tal".

O contrato assinado pelos professores com a FUP em abril, segundo o representante, é retroativo ao início do trabalho deles e foi enviado a Portugal para assinatura da fundação. Fitas da Cruz afirmou que o documento será entregue aos professores depois da assinatura. Bastos afirmou que retornou ao Brasil sem receber a sua cópia.

Solidariedade dos amigos

O professor disse ainda que o salário combinado de US$ 3.500 - anunciado no edital do Mackenzie - mensais nunca foi pago. “No fim de março recebi US$ 1.000, e em abril US$ 2.000. A vida é cara no Timor, o dinheiro só cobria os gastos com a moradia.” No total, segundo ele, dos US$ 10.500 combinados, recebeu US$ 3.000.

Sem ter reserva de dinheiro ou fonte de renda no Brasil, Bastos afirmou que, se não fosse a solidariedade de amigos feitos no Timor, teria até passado fome, pois não recebeu nenhuma quantia nos primeiros 40 dias que passou no país. “Ouvíamos explicações do tipo ‘fica mais um pouco’, ‘espera que o salário vai sair’. Saí do Brasil com minhas dívidas pessoais e voltei com outras maiores. Deixei meu país, larguei minha família, minha esposa e não tive nenhum tipo de apoio. Fui para trabalhar e não vi salário na minha conta. De quem é a culpa? A Justiça terá de dizer.”

A viagem de volta foi custeada pela mãe de Bastos, que é aposentada. “Voltar é desgastante pessoal, profissional e emocionalmente, mas passei o máximo de tempo que podia.”

Fitas da Cruz explicou que a situação do país asiático, atualmente em processo de reestruturação, acaba provocando lentidão em trâmites burocráticos e jurídicos. "Não se esqueça que Timor Leste é uma jovem nação que está a dar os primeiros passos em questões como esta, pelo que naturalmente, e sem haver más intenções ou irresponsabiliades, os processos não decorreram com a celeridade que todos desejávamos."

A assessoria do Mackenzie afirmou que o atraso no salário é um problema "inédito" e, em função disso, o Mackenzie "foi chamado a participar da introdução da FUP como gestora financeira da ação, por solicitação da reitoria da UNTL".

Situação irregular

Bastos também reclamou da lentidão no processo de emissão dos vistos de trabalho dos professores. Todos eles chegaram com visto de turista, o que, segundo a assessoria de imprensa do Itamaraty, é praxe na chegada de cooperantes de convênios locais. Segundo Bastos, porém, o visto expirou e a nova documentação não chegou nem após o governo timorense reter os passaportes dos brasileiros durante 15 dias.

Procurado pelo G1, o Itamaraty informou que o embaixador brasileiro em Dili, Edson Monteiro, tem mantido contato frequente com a Secretaria de Estado de Segurança do governo timorense para solicitar a celeridade na emissão dos vistos adequados, chamados no Timor de estada especial. Em telegrama enviado a Brasília, Monteiro relatou que, de acordo com o governo, o visto não ficou pronto em tempo hábil.

Ainda segundo o Itamaraty, Monteiro tem feito visitas à reitoria da UNTL para acompanhar a solução do problema do atraso nos salários para que os professores brasileiros possam seguir no país, apesar de o convênio assinado entre o Mackenzie e a universidade timorense ser de relação de direito privado.

Projetos de cooperação

O Timor Leste conquistou a independência de Portugal em 1975, mas logo em seguida foi invadido e anexado pela Indonésia. A população timorense conquistou sua independência da Indonésia em 1999, em um referendo popular organizado pela Organização das Nações Unidas. O processo desencadeou um conflito entre independentistas e milícias contrárias, apoiadas pelo governo indonésio, que deixou cerca de 1.400 mortos e 30 mil refugiados, além de ter destruído o país.

Desde então, os esforços de reconstrução do Timor Leste contam com o apoio dos governos lusófonos, principalmente do Brasil e de Portugal, interessados na difusão da língua portuguesa, um dos dois idiomas oficiais no país - o outro é o tétum.

Segundo a assessoria de imprensa do Itamaraty, atualmente, além dos professores selecionados pelo Mackenzie, um grupo de professores com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) também está no Timor, mas com vínculo direto com a coordenação.

1 comentário:

Anónimo disse...

Os portugueses chamam disso ‘que bagunça’ e os brasileiros chamam ‘balaio de gato’. Assinaturas sobre assinaturas de acordos mas incapazes de levar a cabo os tais acordos. Resultado 1-0 para os assinantes dos acordos. E os estudantes que vão ao cavaco (e por acaso, este vai estar por aqui dentro de dias pois não?).

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