Hermínio José – Verdade (mz), em Tema de Fundo
Para os moradores do distrito de Boane, sobretudo os que inevitavelmente atravessam a ponte de Boane-Massaca, a que liga a vila-sede do distrito aos bairros de Xideanine, dos Combatentes, Massaca 1 e 2, o ano 2012 não devia existir. A ponte foi destruída pela corrente das águas do Rio Umbelúzi em Janeiro último e semeou na comunidade um eterno sofrimento.
É imensurável o sofrimento por que passa a população dos bairros do distrito de Boane, província de Maputo, cuja ligação depende necessariamente da ponte Boane-Massaca, que em Janeiro deste ano foi engolida pelas águas do Rio Umbelúzi. Devido ao seu já avançado estado de degradação, o mais provável era o desabamento.
Os moradores daquele distrito dizem não ter ficado surpresos quando ouviram dizer que a ponte já tinha desabado. Aliás, consta que desde que ela foi construída, há sensivelmente dez anos, nunca sofreu obras de manutenção, ainda que a cada dia que passasse ela documentasse a sua precariedade ante um olhar tranquilo e cúmplice do Governo.
Segundo os populares abordados pelo @Verdade, mesmo antes de a ponte ceder à pressão das águas, era preciso pôr a mão ao peito enquanto se fazia a travessia, pois as rachas e o pavimento enrugado não davam motivos para se estar tranquilo.
Para além da precariedade, um detalhe chama a atenção de quem por ali passa: a ponte foi construída sem uma faixa para a travessia de peões, o que obriga(va) os transeuntes e automobilistas a disputar a minúscula largura de cinco metros. “Não temos boas memórias desta ponte, há muitas vidas que se foram neste local. Isto é penoso, até as viaturas disputavam entre si, elas circulavam nos dois sentidos”, conta Pedro Tonela, de 27 anos de idade, e morador do bairro Massaca 1.
Este jovem diz ter testemunhado um triste episódio no ano passado, quando uma viatura conduzida por um jovem supostamente embriagado atropelou mortalmente uma idosa tendo o seu corpo de seguida sido projectado para as águas do rio. O fenómeno deu-se quando ela fazia a travessia em direcção a Massaca onde morava.
A ponte, que se afigura um grande perigo para as populações e o móbil da desgraça que paira no seio destas, foi construída sem os mínimos padrões de segurança e a sua vida foi abreviada pelos camiões de grande tonelagem e geralmente carregados que passavam por ali.
Não tem que se ser necessariamente um técnico de construção civil ou engenheiro para ver a péssima qualidade do material de construção usado para erguer a ponte de Boane-Massaca.
Porque parte desta já está despedaçada, vê-se que os varões usados são do tipo 12 e 16, o betão parece não ter sido feito para aquele propósito, talvez fosse para uso doméstico ou então muito cimento, varões, pedras foram desviados para fins ainda desconhecidos.
Apesar de todas as anomalias, a ponte não chegou a beneficiar de obras de manutenção. Desde que ela foi construída até desabar nunca havia sido feita uma intervenção técnica.
Um sofrimento sem um fim à vista
Quando a ponte de Boane-Massaca, como é conhecida, desabou, as autoridades da província de Maputo foram informadas do caso e enviaram para o local técnicos e engenheiros de construção civil para ver in loco as consequências de um trabalho mal feito.
António Mufate conta 57 anos de idade e é morador do bairro dos Combatentes, no distrito de Boane. Não declinou mostrar o seu ressentimento na sequência da degradação da ponte que mais não trouxe senão a desgraça. Este nosso interlocutor afirma que mora naquele distrito desde a década de 70, cujo acesso depende daquela infra-estrutura.
“Esta ponte foi construída há quase dez anos, em pouco tempo e por ter de suportar vários tipos de viaturas, foi-se degradando, de tal forma que nos princípios deste ano desabou, mas já prevíamos que tal fosse acontecer. Para as pessoas atravessarem têm de pensar duas vezes e ter consciência do risco que isso representa para as suas vidas. É muito triste”, lamenta.
Na verdade não era apenas o disputar dos peões e viaturas pela minúscula largura da ponte que os deixava aterrorizados, mas sim as precárias condições técnicas que a infra-estrutura denotava.
“Quando chovesse torrencialmente a corrente das águas do rio Umbelúzi aumentava e fazia estremecer a ponte. As barreiras metálicas colocadas nas laterais foram consumidas pela ferrugem e aos poucos desapareceram. É por isso que de há uns tempos para cá a travessia não oferecia segurança”, comenta Mufate.
Uma ligeira desatenção ou distracção do transeunte e um pequeno despiste por parte dos automobilistas eram motivos para se verem projectados de cima para as águas do rio. “Semanalmente, ouviam-se notícias dando conta de que fulano ou sicrano circulando a pé ou a bordo de uma viatura foi projectado para as águas. Contudo, isso não foi suficiente para convencer o Governo de forma a resolver o problema de há anos”, ajunta.
Uma dor prolongada pelo Governo!
Em muitas ocasiões, os moradores do distrito de Boane, na província de Maputo, participaram às autoridades governamentais os incidentes que se regista(va)m na ponte. Mas, para o seu espanto não foram ouvidos, ou seja, os seus choros e gritos de socorro foram ignorados por aqueles que, diga-se, deviam ter no povo o centro das suas atenções.
Segundo as nossas fontes, quando a ponte desabou, os residentes dirigiram-se à sede do governo provincial, de onde supostamente tiveram a seguinte resposta: “o problema é conhecido, mas não pode ser resolvido ainda este ano, talvez a partir de 2013”.
O facto deve-se alegadamente à falta de orçamento para a sua reabilitação e mais ainda, a reabilitação da ponte não estava contemplada para este ano, por isso a solução vai durar mais alguns meses”.
Uma vez desabada a ponte, as viaturas para chegarem aos bairros de Massaca 1 e 2, Xideanine, entre outros, têm de atravessar pouco menos de 50 metros de águas correntes. Esta movimentação depende necessariamente do nível das águas, pois há dias em que sobe e, quando assim acontece, as viaturas não circulam. Como alternativa os automobilistas vêem-se obrigados a usar a via da Namaacha, percorrendo assim uma distância de pouco mais de dez quilómetros.
A subida do nível das águas também se refl‑ecte na vida dos peões, uma vez que recorrem a uma ponte aérea por onde passa o comboio. “Sabemos que é um grande risco usar esta ponte, mas para podermos passar temos de depender do comboio, ou seja, temos de saber quando ele passa para evitarmos ser trucidados”, afirmam os moradores.
Para permitir a travessia dos peões na ponte ora destruída, e porque os moradores de Boane sobretudo os afectados por esta situação são órfãos do Governo, decidiram, por conta própria, montar em Abril último numa das partes por onde a ponte se partiu uma escada e uma rampa.
Informações a que a nossa reportagem teve acesso no local dão conta de que pouco antes de se improvisar a escada, perderam a vida uma criança que aparentava ter 12 anos de idade e uma idosa, quando tentavam fazer a travessia.
... e o banditismo à solta!
A falta de corrente eléctrica ao longo da ponte e as ruínas provocadas pelo desabamento afiguram-se um terreno fértil para os malfeitores lograrem os seus intentos. Estes, na calada da noite, posicionam-se naquele local, onde fazem dos pacatos transeuntes as sua vítimas.
Recentemente, foram física e violentamente agredidos dois jovens que voltavam da Escola Secundária Joaquim Chissano. O episódio deu-se por volta das 20 horas e os larápios apoderaram-se de alguns bens como telemóveis, pastas e dinheiro das vítimas.
Este fenómeno acontece de forma recorrente naquele lugar, onde infelizmente a polícia não se faz presente, mesmo sabendo do perigo que o local representa para as comunidades que inevitavelmente têm de passar por ali.
“O Presidente Guebuza devia ter vindo para aqui”
Há semanas, o chefe de Estado, Armando Guebuza, efectuou uma visita à província de Maputo no âmbito da sua famigerada Presidência Aberta e Inclusiva. Não se sabe ao certo quem define o itinerário do Presidente da República nessas suas incursões pelo país, mas é um dado adquirido que a população do distrito de Boane, sobretudo a dos bairros afectados pelo desabamento da ponte, quer vê-lo naquele local para testemunhar o sofrimento por que passa no seu dia-a-dia.
Estes dizem estar preocupados pelo facto de o chefe de Estado não ter escalado aquele local para ver de perto o sofrimento gerado pela queda da ponte, cuja solução ainda é uma miragem. “Nós pedimos que a governadora da província convide Armando Guebuza para vir ajudar-nos a chorar nesta desgraça sem um fim à vista”, apelam.
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