The Times, Londres – Presseurop – imagem Steve West
Os eurocéticos manifestam-se contra a cedência de soberania a Bruxelas. Mas por que é que nunca se queixaram do facto de, desde 1945, as nações terem cedido poderes a instituições como as Nações Unidas, a NATO ou o FMI?, pergunta Bill Emmot.
A questão é simples. É o que dizem os muitos eurocéticos nos bares, nos cafés, nos estúdios de televisão. Tem de se permitir ao povo britânico decidir se quer ficar na União Europeia, e rapidamente, por duas grandes razões. Primeiro, porque estando na UE não somos uma democracia plenamente soberana e podemos não estar felizes com esse facto. E segundo, porque na única votação anterior, em 1975, apenas nos perguntaram se queríamos pertencer ao Mercado Comum, de modo que fomos enganados. Precisamos de uma outra oportunidade de votar sobre aquilo em que a UE realmente se tornou.
Nos próximos meses, anos, décadas e, provavelmente, séculos essas são as duas grandes varas com as quais os partidários da saída nos vão bater sempre na cabeça. A soberania e a votação de 1975 até podem parecer convincentes. O único problema é que ambos os argumentos são disparatados; falsos; material total e completamente absurdo. Desculpe estar a medir as palavras, mas bem sabe como as pessoas podem facilmente sentir-se ofendidas.
Num recente debate, numa noite de informação da BBC, Jeremy Paxman arrancou aplausos quando fez aparecer num ecrã uma fotografia de Herman Van Rompuy, o muito mal conhecido presidente belga do Conselho Europeu, e perguntou ao público que estava no estúdio se tinha votado nele e se sabia quem ele era. Sem discussão: é evidente que preferimos não ser liderados por pessoas que não elegemos e de quem mal sabemos o nome.
No entanto, é um argumento disparatado. Porque é que Paxman não mostrou também fotografias do secretário-geral da NATO, ou do chefe da Organização Mundial de Comércio, ou das Nações Unidas, do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional, da Organização Marítima Internacional, ou até mesmo do presidente da FIFA? Também não votámos em nenhum deles; também são de países estrangeiros e não sabemos os nomes deles – exceto, talvez, o do presidente da FIFA.
Eurocéticos, leiam Adam Smith
No entanto, todos eles detêm nas suas mãos, suadas e não eleitas, partes da nossa soberania. Os nossos representantes eleitos decidiram abrir mão desse poder sem sequer pensarem em referendos. Ser membro da NATO obriga-nos a ir para a guerra se outro país, a Turquia, por exemplo, for atacado. Sem ‘ses’ nem ‘mas’: a menos que estejamos preparados para renegar o tratado fundador da NATO, teremos de ir para a guerra, quer gostemos ou não. E, comparado com isso, os sacrifícios inerentes a ser membro da UE parecem triviais.
Sermos membros da Organização Internacional de Comércio restringe a nossa possibilidade de subsidiarmos a nossa indústria ou de usarmos os impostos para desencorajar as importações. Como membros das Nações Unidas, sob uma carta de fundação que nós próprios ajudámos a escrever, as nossas ações estão sujeitas ao direito internacional. Sermos membros da Organização Marítima Internacional e estando associados à Convenção das Nações Unidas do Direito do Mar, faz com que a nossa navegação esteja sob regulamentos dessas instituições e estabelece os limites da “zona económica exclusiva” em volta das nossas costas.
A verdade é que uma parte crucial da política britânica desde 1945 tem sido criar e aderir a organizações internacionais, concordando com regras comuns para várias atividades, para incentivar a cooperação em vez do conflito, para aumentar a segurança coletiva, para promover o comércio livre. Todos eles envolvem a partilha de soberania em troca de um benefício esperado – tal como a Associação de Futebol entrou para a FIFA para jogar em campeonatos internacionais e todos seguem as mesmas regras do futebol. Podemos ser independentes e definir as nossas próprias regras. Mas isso não nos levará muito longe.
Bom, o que quer que seja que os eurocéticos, e especialmente o UKIP, tentem dizer, o debate sobre a permanência britânica na UE não pode ser reduzido a uma escolha entre preto ou branco, algemado ou livre, servil ou soberano. A menos que queiramos sair de todas essas organizações, simplesmente. É uma questão de grau, de tons de cinzento, de quanta perda de soberania é demasiada, de muito mais aborrecidas questões sobre benefícios e custos.
É aqui que entra o Mito do Grande Mercado Comum. Também aqui a brigada dos pró-UE falha normalmente. Ao serem confrontados sobre o referendo de 1975, dizem que os ‘anti’ não prestaram a devida atenção, não leram corretamente a informação, por isso, não foi um golpe. No entanto, essa é a resposta errada. A resposta certa é que a votação de 1975 foi de facto sobre sermos membros de um Mercado Comum e é isso que a grande maioria das atividades da UE e diretrizes são. O que acontece é que os ‘anti’ não percebem o que é que um Mercado Comum implica.
Eurocéticos, leiam Adam Smith. Há dois séculos, ele explicou que, para que um mercado funcione, são necessárias regras comummente aceites e um meio de aplicação dessas regras. Podíamos fazer apenas as regras base de uma zona de comércio livre, limitando o uso de tarifas ou óbvias barreiras não-tarifárias, mas deixando que as empresas tivessem de cumprir legislação separada para cada sistema nacional nessa zona, para poderem vender em cada um dos países.
Inútil ter uma votação em breve
Ou podíamos torná-las mais profundas, abrangendo tanto as pessoas como os bens e serviços, protegendo os membros tanto contra os cartéis como contra as tarifas, unificando os regulamentos, lidando com barreiras não-tarifárias e subsídios estatais, tratando do falso whisky escocês e tudo o resto. Isso é um verdadeiro mercado comum. E isso precisa de regras, funcionários para elaborar as regras, inspetores implacáveis e tribunais para fazer cumprir as regras. É principalmente nisso que a UE consiste – sim, incluindo a medonha Política Agrícola Comum, que é apenas uma forma unificada de subsidiar os agricultores.
Esqueçam a linha “precisamos da nossa soberania de volta”. Nós não vamos ser soberanos, mesmo que abandonemos a UE. Deitem no lixo a linha “eu só queria um Mercado Comum”. É isso o que temos. Todas as verdadeiras questões são acerca de graus e não de espécie. É por isso que seria especialmente inútil ter uma votação em breve, enquanto a natureza da zona euro – uma forma altamente avançada do Mercado Comum, mas com uma falha política no seu projeto – está tão fluida. Todos os graus poderão mudar, radicalmente. Ou não.
No entanto, é também por isso que, quando ou se a votação eventualmente acontecer, vai ser realmente decidida pelo facto de as pessoas acharem se vale a pena incomodarem-se em sair da UE. Seria uma decisão única e definitiva. Tal como no caso de os escoceses votarem pela independência, haverá um argumento emocional para a saída. Mas a pergunta que fazemos é se, na manhã a seguir a esse momento emocional, e em todas as outras manhãs seguintes, os benefícios que vêm da saída serão verdadeira e suficientemente grandes.
O grau extra de soberania que recuperaríamos seria suficiente para valer a pena? Menos Mercado Comum ainda seria suficientemente comum? A perda do direito automático dos britânicos a viverem e trabalharem em Espanha, Itália, Alemanha ou em qualquer outro lugar é um preço que vale a pena pagar?
The Times / NI Syndication
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