domingo, 9 de setembro de 2012

Moçambique: XAI-XAI AINDA SONHA POR MELHORES DIAS

 


Hélder Xavier – Verdade (mz), em Tema de Fundo
 
Xai-Xai é uma das poucas cidades moçambicanas que se pode orgulhar do seu crescimento económico, alcançado nos últimos anos, e galvanizado pelas suas potencialidades turísticas e agrícolas, e não só. Porém, nem tudo é um mar de rosas. O desenvolvimento da urbe acontece numa única via: ao longo da Estrada Nacional número um (N1). Transformar a capital da província de Gaza na “cidade de sonho” é o desafio dos munícipes e da edilidade.
 
Está uma manhã escaldante de Agosto. Entoando uma vibrante canção em Xi-changana, um grupo constituído por quatro mulheres caminha apressadamente pela cintura verde junto à planície do Limpopo e, subitamente, perde-se de vista na vasta plantação de milho que sobressai aos olhos de quem entra na cidade de Xai-Xai, capital provincial de Gaza, vindo da província de Maputo.
 
Trata-se de um cântico de júbilo muito frequente nas cerimónias tradicionais da região do sul do país. Dissonante, o grupo prossegue desenvolto, até porque, para elas, pouco importa a harmonia do canto. Na verdade, o que interessa é o que a música representa naquele instante: alegria.
 
Elas são integrantes da família, Novela. Hoje, mais do que nunca, os Novela têm razões mais do que suficientes para sorrir: tiveram a melhor colheita dos últimos cinco anos. “Até agora já obtivemos mais de 20 sacos de milho de 50 quilogramas cada nesta época”, garante, expressando-se com largueza do gesto, Sónia, a única do grupo que fala fluentemente Português. E acrescenta: “Poderíamos ter colhido mais sacos de milho se não tivéssemos sido vítimas de roubo”.
 
Há 15 anos que a família detém um pedaço de terra não superior a um hectare numa das margens do rio Limpopo. Porém, o que sucedeu na anterior campanha, isto é, no ano passado, nunca antes havia acontecido. Os Novela perderam quase toda a produção devido às inundações que assolaram aquela região do país.
 
Presentemente, a matriarca não se quer lembrar daquela situação que classificou de “catastrófica”. Nem a boa colheita deste ano consegue amainar a dor do investimento de uma vida inteira perdida. Diga- -se, em abono da verdade, que as chuvas que caíram em 2011 deixaram profundas marcas em Amélia. “Existem situações que é melhor não lembrar”, diz, receando um mau agouro.
 
A produção destina-se à sobrevivência, mas, quando há excedentes, é comercializada. O caso dos Novela não é isolado. É apenas mais uma gota num oceano de famílias que contribui – ainda que informalmente – para o crescimento económico (e também social) de um município com uma população estimada em 116 mil habitantes.
 
Todos os dias, de manhã, centenas de pessoas abandonam o sossego dos seus respectivos lares à procura de meios de sobrevivência. A agro-pecuária nas margens férteis do Limpopo e o comércio informal, sobretudo ao longo da N1, são as actividades que empregam grande parte da população local.
 
O vale do Limpopo tem potencial para a produção de todo o tipo de culturas de rendimento, nomeadamente feijão, trigo, arroz, hortícolas e banana. Apesar de pos- suir áreas com as características descritas, estas não estão a ser devidamente exploradas, fazendo com que Xai-Xai ainda continue a importar em grande medida os produtos das províncias circunvizinhas e também da África de Sul. Esta realidade deve-se ao facto de o município não dispor de um plano eficaz para promover o desenvolvimento agro-pecuário de forma ordenada.
 
A outra Xai-Xai
 
A economia da cidade pulsa mais forte na N1. O desenvolvimento da urbe também. Os que praticam o comércio formal, e os que se encontram no informal, separados por uma linha ténue, têm como palco o mesmo espaço. É ao longo da Estrada Nacional onde se encontram algumas das principais instituições (públicas e/ou estatais), centros comerciais e outros serviços que mantêm viva a vida económica de uma urbe com apenas 131 quilómetros quadrados de extensão territorial.
 
Diga-se de passagem, é ainda nesta via pública onde se está a erguer o maior centro comercial do distrito de Xai-Xai que vai ocupar uma área de cinco mil metros quadrados.
 
Perto de celebrar o seu 51º aniversário de elevação à categoria de cidade – o que acontecerá no próximo dia 07 de Outubro –, Xai-Xai cresce no meio de dificuldades, desde acesso limitado à água potável e à saúde, passando pelos bairros desordenados, erosão até ao crescimento desenfreado do comércio informal na via pública.
 
O desafio das autoridades municipais é transformá-la numa “cidade de sonho”. Porém, os inúmeros problemas com que se debate a urbe, em particular, e o distrito em geral, revelam que a pretensão não passa de uma mera ambição política. São desafios próprios de uma cidade em desenvolvimento.
 
A primeira impressão quando se está na N1 é de que Xai-Xai é uma das melhores e mais limpas cidades do país, porém, quando se sai daquela estrada depara-se com uma “nova Xai-Xai” que apresenta as seguintes características: falta de saneamento do meio e uma política de urbanização funcional, e vias públicas de difícil acesso. Com um ordenamento territorial dúbio e desactualizado, a cidade parece não estar preparada para receber mais habitantes.
 
Xai-Xai é constituída por 12 bairros. A maior parte deles carece de vias de acesso. O actual plano de ordenamento há muito que precisa de ser actualizado. A cidade possui duas zonas distintas que enfrentam problemas ambientais.
 
Uma considerada zona alta e outra baixa. Na zona alta, assiste-se a uma ocupação espontânea para habitação assim como para a abertura de machambas nas dunas interiores, acelerando os processos de erosão e deslizamento de terras. A mesma situação se verifica na zona baixa, onde os solos têm fraca capacidade de absorção de águas e a altitude se encontra a nível das águas do rio Limpopo. Neste local as inundações acontecem com frequência, pois os diques de defesa são insuficientes.
 
De acordo com a edilidade, cerca de 60 porcento do território de Xai-Xai não possuem condições para se construir habitação nem infra-estruturas ou equipamentos. O acesso à água potável ainda é deficitário. A realidade indica que alguns bairros ainda recorrem ao uso de poços a céu aberto, revelando que o desafio da provisão do precioso líquido a todos os munícipes está longe de ser ultrapassado.
 
O (eterno) sonho de ganhar a vida fora da terra natal
 
Procurar um emprego noutras latitudes é o sonho da maioria dos jovens, pois acredita-se que Xai-Xai não tem muito a oferecer. Na luta pela vida, dezenas deles chegam a abandonar a sua terra natal em busca de oportunidades frequentemente utópicas. Maputo e a vizinha África de Sul são os principais destinos escolhidos por essa camada da população.
 
Em Xai-Xai, as maiores oportunidades estão na área de agro-pecuária e turismo, porém, as ambições dos jovens são outras. A título de exemplo, até há bem pouco tempo, não passava pela cabeça de Jonas Matsinhe a ideia de abandonar a terra que o viu nascer nem queria ouvir falar em começar a vida num outro canto do país. No entanto, de há uns dias para cá ele pondera fazê-lo, porque, afirma, “não há oportunidades de trabalho aqui em Xa-Xai”.
 
O jovem, de 28 anos de idade, procura uma oportunidade para deixar o país em busca de melhores condições de vida na terra do rand. Regra geral, este tem sido o sonho da juventude de Gaza. “O meu desejo é sair desta cidade e arranjar um emprego em Maputo ou mesmo na África de Sul. Gostaria de juntar dinheiro para comprar um ‘minibus’ e voltar para a minha terra e fazer chapa”, diz.
 
Breve historial
 
Xai-Xai possui um legado histórico único. De acordo com a Portaria nº 263 de 11 de Dezembro, em 1897, após a ocupação colonial, foi designada “cabeça de distrito”, uma medida que tinha como objectivo a abertura de estabelecimentos comerciais como forma de os colonos aproveitarem o seu potencial produtivo. Antigamente, era conhecida por povoação de Chai-Chai. Volvidos 14 anos, foi elevada à categoria de Vila por Decreto de 27 de Outubro de 1911.
 
No entanto, o regime colonial, insatisfeito com a designação de “Chai-Chai”, a qual evocava a memória de um dos régulos que se notabilizou na resistência à dominação estrangeira, alterou o nome par “Vila Nova de Gaza”. A 2 de Fevereiro de 1928, o regime colonial impôs a designação de “Vila de João Belo”.
 
Por ocasião da visita do então Ministro do Ultramar, Adriano Moreira, a 7 de Outubro de 1961, a Vila de João Belo foi elevada à categoria de cidade e manteve o nome colonial até à independência nacional, altura em que o Governo moçambicano decidiu resgatar o nome Xai- Xai.
 
Em 1998, conhece o seu primeiro governo eleito, a par da introdução das autarquias locais no país. No ano de 2004, a cidade foi a primeira a eleger uma mulher para o cargo de presidente de uma cidade com a categoria de capital provincial.
 
O distrito de Xai-Xai
 
O distrito de Xai-Xa, atravessado pela Estrada Nacional número 1 e com uma população estimada em 115,752 habitantes (segundo dados estatísticos de 2008), distribuídos por 23 mil agregados familiares, ocupa uma área de cerca 131 quilómetros quadrados.
 
Há mais mulheres (54 porcento do total da população) que homens (46 porcento) neste ponto do país. Apesar do seu potencial agrícola e turístico, o distrito debate-se com problemas de diversa índole.
 
Até há pouco tempo, o abastecimento de água era feito através de cinco sistemas para a cidade e 140 furos, dos quais 63 operacionais, para o resto do distrito. Apenas 7 porcento da população do distrito de Xai-Xai têm acesso a água canalizada no domicílio, 48%obtêmna fora de casa, 21% têm acesso a um fontanário e 8 porcento bebem água de poço a céu aberto.
 
A electricidade ainda é um sonho para muitas famílias. Em alguns bairros, o acesso a corrente eléctrica ainda é precário. Cerca de 71 por cento da população do distrito têm no petróleo de iluminação a sua principal fonte de energia na habitação. Quanto a unidades sanitárias, existem cinco (um hospital provincial e três centros de saúde).
 

Sem comentários:

Mais lidas da semana