Pragmatismo Político
PMs são denunciados
por agressão, tortura e racismo após ação em Curitiba. Durante
a ocorrência, idosos e deficientes foram agredidos e moradores ofendidos
Uma perseguição a
um motociclista que andava sem capacete terminou de forma desastrosa no último
fim de semana, no Bairro Alto, em Curitiba. Moradores
relatam que policiais militares invadiram uma casa sem mandado de busca ou de
prisão e agrediram moradores e vizinhos, entre eles uma idosa e uma portadora
de deficiência. Na sequência, quatro pessoas foram detidas. Elas denunciam que
foram torturadas. Uma advogada foi presa por desacato e afirma ter sido vítima
de racismo. A Corregedoria da Polícia Militar (PM) instaurou um inquérito para
apurar o caso.
A ocorrência foi
registrada na Rua Rio Guaíba, na noite de sábado (24). Na descrição da
ocorrência, a PM afirma que um motociclista sem capacete fazia manobras
perigosas e teria desobedecido a ordem de parada de uma equipe policial,
entrando em uma casa. O mesmo registro faz referência ao uso de armas não
letais, como bastões e teasers (aparelho de choque), para controlar cerca de 50
pessoas que teriam se aglomerado diante da residência.
O caso só veio à
tona nesta terça-feira (27), depois que uma das pessoas que foi presa, a
advogada Andréia Cândido Vítor denunciou a truculência da ação da PM. Os
relatos dão conta de que os policiais invadiram a casa para onde o motociclista
fugiu e agrediram moradores.
Um vídeo divulgado
pela Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (AbraCrim) traz
depoimento de seis pessoas que afirmam ter sido agredidas pelos policiais. Eles
apresentam sinais nas costas e braços, arranhões e cabeças enfaixadas. Uma
delas é uma senhora de 74 anos. Outra, uma adolescente que tem problemas de
locomoção.
“Eu peguei no braço
do policial e falei: ‘pelo amor de Deus, não faz isso’. E quando eu fui ver, o
policial me deu uma cotovelada, eu caí no chão e bati com a minha cabeça na
parede. Depois disso, eu não vi mais nada”, relata a adolescente. Em vídeos
gravados por moradores, é possível ver quando ela é retirada da casa, carregada
por um homem.
O dono da casa
invadida afirma que um de seus filhos ainda está hospitalizado por causa dos
ferimentos. As gravações feitas após a ação policial mostra manchas de sangue
em vários cômodos e peças de roupa e até pedaços de um cacetete que teria sido
usado pela PM. “Nós não somos vagabundos. Nós somos gente”, lamentou o dono da
casa.
Os vídeos gravados
pelos moradores mostram ainda o grande contingente policial em frente à casa.
Uma policial parece debochar dos moradores. Outro policial se refere à
população como “cambada” e chega a gritar um palavrão, quando um morador
questiona uma das prisões.
Tortura
Quatro pessoas
foram detidas pela PM, entre elas a advogada Andréia Vítor. Ela conta que,
acompanhada de uma líder comunitária, questionou o tenente que comandava a ação
sobre os motivos da abordagem à residência. O tenente teria xingado as mulheres
de “vagabundas” e “vadias” e, quando Andréia se apresentou como advogada,
recebeu voz de prisão por desacato.
“Eu disse: ‘Eu preciso
de um representante da OAB. Ele gritou: ‘Você não precisa de nada, sua
vagabunda. Entra no carro que você vai ter o que você precisa’”, narrou a
advogada.
Andréia afirma que
ela e os outros três presos foram algemados e levados de viatura até um módulo
policial localizado na Praça da Liberdade. Lá, todos teriam sido postos de
joelhos e espancados, com tapas no rosto e pontapés. A advogada afirma ainda
ter sido vítima de injúria racial. “Uma das policiais olhava para mim e dizia:
‘Você não é advogada? Advogada o quê? Com essa corzinha?’”, relatou.
A denúncia será
apresentada na quarta-feira (28) ao Grupo Especial de Atuação e Combate ao
Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Paraná (MP-PR). A intenção
dos denunciantes é que os policiais respondam criminalmente pelos atos. “Era
uma infração administrativa de trânsito, mas resultou nesta barbárie. Barbárie
é o nome que resume o que ocorreu”, disse o advogado de Andréia, Elias Mattar
Assad.
Apurações
Os policiais
envolvidos nas denúncias pertencem à 3ª Companhia do 20º Batalhão da PM. O
chefe da Corregedoria, coronel Marcos César Vinícius Kogut disse que já recebeu
a denúncia e determinou a abertura de um inquérito policial militar, para
apurar o que ocorreu. “Foi solicitado o acompanhamento do MP-PR, para que
transcorra tudo normalmente e que se apure o que realmente aconteceu.
Caso os abusos
sejam comprovados, as investigações internas conduzidas pela PM podem terminar
em punições que variam de repreensão a expulsão dos envolvidos. O coronel reconhece
que os policiais terão cometido uma infração grave, se os detidos tiverem sido,
de fato, levados ao posto policial antes de serem encaminhados à Polícia Civil.
“O padrão da corporação é deslocar com os detidos direto à delegacia da Polícia
Civil após a prisão”, disse.
O coronel ressaltou
que a corporação tem interesse em apurar o que realmente aconteceu e de punir
os excessos. “A PM instrui seu efetivo para atuar dentro da lei. Os abusos não
devem nos chocar, mas devem ser apurados com rigor. As denúncias são importantes
para que desvios se tornem cada vez menos corriqueiros”, afirmou.
A descrição da
ocorrência, feita por policiais da 3ª Companhia do 20º Batalhão menciona que as
equipes policiais teriam sido hostilizadas pelos moradores que se aglomeraram
diante da residência que foi abordada. O documento diz que os agentes foram
xingados pela população a recebidos a pedradas. Um soldado teria sido atingido
por um soco.
Atualização: PM
reconhece abuso em ação no Bairro alto
A Corregedoria da
Polícia Militar do Paraná reconheceu que houve abuso por parte dos policiais
que participaram da ação no Bairro Alto, em Curitiba. Durante
a ocorrência, idosos e deficientes foram agredidos e moradores ofendidos. Uma
investigação foi aberta e os militares que tiverem cometido excessos podem ser
punidos.
Criamos uma polícia
truculenta, e ela está se voltando contra nós
As imagens e os
relatos sobre a atuação da Polícia Militar paranaense no Bairro Alto são
aterrorizantes. Mostram o quanto nossas forças e segurança podem ser
despreparadas, violentas e como agem contra a lei.
Tudo começa com um
sujeito infringindo o Código de Trânsito. O certo seria meramente repreendê-lo,
multá-lo. Mas, para a nossa polícia, pareceu pouco. Foi preciso fazer um cerco,
machucar pessoas, humilhar, ofender, prender.
O efetivo
mobilizado mostra que tratava-se de uma emergência de alta periculosidade.
Certamente não estavam ocorrendo homicídios, assaltos ou crimes mais graves na
cidade naquele instante. A prioridade era o caso de um sujeito de moto sem
capacete.
O vídeo mostra um
policial partindo para cima de um cidadão, armando o cassetete contra ele,
xingando de f.d.p. e dando a entender que vai derrubá-lo com as armas que têm
em mãos.
É isso que dá criar
uma polícia que acha que bandido bom é bandido morto. O desrespeito aos
direitos civis, aos direitos humanos, que contamina inclusive o pensamento de
boa parte dos formadores de opinião, acaba nisso.
É o tipo de
pensamento que permite que as pessoas sejam agredidas simplesmente porque a
polícia pode fazer isso. É o tipo de pensamento que leva uma pessoa a ser
humilhada pela cor da pele. Uma adolescente com deficiência a apanhar da
polícia até cair.
Quando defendemos
que a polícia faça isso com um, estamos possibilitando que faça com todos.
Inclusive comigo e com você. Demos discurso, criamos a truculência, e ela está
se voltando contra nós.
No começo do ano,
foi um garoto de 19 anos que acabou torturado no Uberaba. A cada passo, ouvimos
histórias iguais e brutalmente graves. Imagine o quanto se passa sem que sequer
tenhamos notícia.
O coronel Bondaruk
chegou com um discurso diferente ao comando da tropa. Resta saber se será o
suficiente para mudar anos de pensamento ditatorial que criaram esse tipo de
aberração que todos vemos.
Gazeta do Povo, com
Rogerio Waldrigues Galindo
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