El País,
Madrid – Presseurop – imagem Kap
O tema central das
eleições autonómicas catalãs do próximo dia 25 de novembro será a possibilidade
de secessão de Espanha. O objetivo do presidente da Generalitat, Artur Mas, é
conseguir uma maioria absoluta que legitime um referendo nesse sentido. Mas a
tensão da campanha eleitoral revela que os acontecimentos podem ficar fora de
controlo, anuncia, com preocupação, o escritor Javier Cercas.
O recente surto
independentista na Catalunha causa-me um misto de perplexidade e apreensão.
Talvez por isso resolvi quase guardar silêncio escrito sobre o assunto, até
porque imagino que haja uma certa afinidade com os leitores desta coluna, e o
que tenho para dizer devia ser dito a quem não pensa como eu. Mas esse surto
coincidiu com a publicação do meu último romance [Las Leyes de La Frontera (As Leis da
Fronteira)] e, nas entrevistas promocionais, fizeram-me perguntas sobre este
assunto; respondi, mais ou menos, o seguinte: “Percebo que haja pessoas
zangadas e desesperadas. E também entendo que a zanga e o desespero nos levem a
pensar que não poderemos ficar pior do que já estamos e que é preferível entrar
em aventuras do que continuar fechados neste beco sem saída.
A isto só posso
responder com uma certeza e uma confissão. A certeza, evidentemente, é que
poderemos vir a ficar não pior mas muitíssimo pior do que estamos (de facto,
foi assim que estivemos quase sempre). A confissão é que gosto de aventuras,
mas nos livros e nos filmes; na política, não: em política sou um feroz
partidário do mais terrível aborrecimento, de um tédio letal, suíço ou, no
mínimo, escandinavo (e do sistema político mais aborrecido possível, que é a
democracia).
Por isso, fico com
os cabelos em pé quando oiço o presidente Mas declarar que irmos até à
independência significa entrarmos em ‘terreno desconhecido’. Para os escritores
e para os cientistas pisar terreno desconhecido é obrigatório, ir ‘au fond de
l’Inconnu pour trouver du nouveau’ [ao fundo do desconhecido para encontrar o
novo], como disse Baudelaire; mas, para os políticos, isso deveria ser
proibido: se, ao embrenhar-se no desconhecido, o escritor cair no abismo, não
acontece nada, porque só ele cai; mas se o político cai no abismo, caímos todos
com ele (e o abismo é o abismo da história). Não sei se será necessário
acrescentar, além do mais, que não sou nem nacionalista nem independentista.”
Ilusória sensação
de unanimidade
Foi isto que eu
disse. E desde que o disse a minha surpresa não para de crescer. Surpreendo-me
por haver quem me tenha felicitado pela coragem de pronunciar essas palavras.
Surpreendi-me quando me cruzei com uma historiadora “catalanista” que me
lembrou que Pierre Vilar cunhou a palavra “unanimismo” para se referir a esses
momentos sociais em que o medo cala toda a dissidência e cria uma ilusória
sensação de unanimidade, e por ela me ter confessado que não se atrevia a dizer
em público que discorda do fervor independentista.
Surpreende-me que
ainda haja idiotas que continuam sem perceber que, hoje, a esquerda e o
nacionalismo – começando em Espanha pelo nacionalismo espanhol – são
incompatíveis, e idiotas mais idiotas ainda que não percebem que uma coisa é o
nacionalismo catalão, que é só de alguns, e outra coisa é a língua catalã, que
é de todos, oferecendo assim um bem comum aos nacionalistas.
Surpreende-me a
surpresa que José Manuel Lara provocou ao dizer que a Planeta [a editora que
dirige] sairia de uma Catalunha independente e que o secretário-geral da ERC
[Esquerra Republicana de Catalunya, um partido independentista de esquerda] diga
que uma Catalunha independente seria bilingue, quando o independentismo sempre
defendeu que o bilinguismo conduz à extinção do catalão.
Na história não há
nada impossível
Surpreende-me a
genialidade de Artur Mas que, de um dia para o outro, conseguiu que a Catalunha
tenha deixado de o culpar a ele por todos os seus males e tenha passado a
atribuir a Espanha a culpa de todos os seus males. Surpreende-me (e
horroriza-me) que um ex-presidente [do governo regional da Estremadura]
estremenho diga que os estremenhos da Catalunha deveriam ser devolvidos à
Estremadura, como se fossemos gado, e surpreende-me (e horroriza-me) que o
presidente catalão, encarregue de elaborar as leis e de velar pelo seu
cumprimento, afirme que passará por cima da lei.
Dito isto, já me
surpreende menos que um escritor quase apele à insurreição armada ou que um
político [Alejo Vidal Quadras, deputado do Partido Popular] peça uma
intervenção da Guardia Civil na Catalunha. Mas o que mais me surpreende é que
pessoas aparentemente sensatas defendam que a secessão da Catalunha se
realizaria de maneira cordial e sem traumas e que quase todos pareçam acreditar
que é impossível a situação degenerar em violência.
Santo Deus, nem
sequer aprendemos que na história não há nada impossível, e que as grandes
mudanças quase sempre se fizeram a sangue e fogo? Voltámos a ficar outra vez
tão insensatos e pusilânimes que já nem somos capazes de arranjar uma saída
civilizada para este imbróglio?
Traduzido do
castelhano por Maria João Vieira
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