quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Eleições na Catalunha: UM PERIGOSO SALTO PARA O DESCONHECIDO

 


El País, Madrid – Presseurop – imagem Kap
 
O tema central das eleições autonómicas catalãs do próximo dia 25 de novembro será a possibilidade de secessão de Espanha. O objetivo do presidente da Generalitat, Artur Mas, é conseguir uma maioria absoluta que legitime um referendo nesse sentido. Mas a tensão da campanha eleitoral revela que os acontecimentos podem ficar fora de controlo, anuncia, com preocupação, o escritor Javier Cercas.
 
 
O recente surto independentista na Catalunha causa-me um misto de perplexidade e apreensão. Talvez por isso resolvi quase guardar silêncio escrito sobre o assunto, até porque imagino que haja uma certa afinidade com os leitores desta coluna, e o que tenho para dizer devia ser dito a quem não pensa como eu. Mas esse surto coincidiu com a publicação do meu último romance [Las Leyes de La Frontera (As Leis da Fronteira)] e, nas entrevistas promocionais, fizeram-me perguntas sobre este assunto; respondi, mais ou menos, o seguinte: “Percebo que haja pessoas zangadas e desesperadas. E também entendo que a zanga e o desespero nos levem a pensar que não poderemos ficar pior do que já estamos e que é preferível entrar em aventuras do que continuar fechados neste beco sem saída.
 
A isto só posso responder com uma certeza e uma confissão. A certeza, evidentemente, é que poderemos vir a ficar não pior mas muitíssimo pior do que estamos (de facto, foi assim que estivemos quase sempre). A confissão é que gosto de aventuras, mas nos livros e nos filmes; na política, não: em política sou um feroz partidário do mais terrível aborrecimento, de um tédio letal, suíço ou, no mínimo, escandinavo (e do sistema político mais aborrecido possível, que é a democracia).
 
Por isso, fico com os cabelos em pé quando oiço o presidente Mas declarar que irmos até à independência significa entrarmos em ‘terreno desconhecido’. Para os escritores e para os cientistas pisar terreno desconhecido é obrigatório, ir ‘au fond de l’Inconnu pour trouver du nouveau’ [ao fundo do desconhecido para encontrar o novo], como disse Baudelaire; mas, para os políticos, isso deveria ser proibido: se, ao embrenhar-se no desconhecido, o escritor cair no abismo, não acontece nada, porque só ele cai; mas se o político cai no abismo, caímos todos com ele (e o abismo é o abismo da história). Não sei se será necessário acrescentar, além do mais, que não sou nem nacionalista nem independentista.”
 
Ilusória sensação de unanimidade
 
Foi isto que eu disse. E desde que o disse a minha surpresa não para de crescer. Surpreendo-me por haver quem me tenha felicitado pela coragem de pronunciar essas palavras. Surpreendi-me quando me cruzei com uma historiadora “catalanista” que me lembrou que Pierre Vilar cunhou a palavra “unanimismo” para se referir a esses momentos sociais em que o medo cala toda a dissidência e cria uma ilusória sensação de unanimidade, e por ela me ter confessado que não se atrevia a dizer em público que discorda do fervor independentista.
 
Surpreende-me que ainda haja idiotas que continuam sem perceber que, hoje, a esquerda e o nacionalismo – começando em Espanha pelo nacionalismo espanhol – são incompatíveis, e idiotas mais idiotas ainda que não percebem que uma coisa é o nacionalismo catalão, que é só de alguns, e outra coisa é a língua catalã, que é de todos, oferecendo assim um bem comum aos nacionalistas.
 
Surpreende-me a surpresa que José Manuel Lara provocou ao dizer que a Planeta [a editora que dirige] sairia de uma Catalunha independente e que o secretário-geral da ERC [Esquerra Republicana de Catalunya, um partido independentista de esquerda] diga que uma Catalunha independente seria bilingue, quando o independentismo sempre defendeu que o bilinguismo conduz à extinção do catalão.
 
Na história não há nada impossível
 
Surpreende-me a genialidade de Artur Mas que, de um dia para o outro, conseguiu que a Catalunha tenha deixado de o culpar a ele por todos os seus males e tenha passado a atribuir a Espanha a culpa de todos os seus males. Surpreende-me (e horroriza-me) que um ex-presidente [do governo regional da Estremadura] estremenho diga que os estremenhos da Catalunha deveriam ser devolvidos à Estremadura, como se fossemos gado, e surpreende-me (e horroriza-me) que o presidente catalão, encarregue de elaborar as leis e de velar pelo seu cumprimento, afirme que passará por cima da lei.
 
Dito isto, já me surpreende menos que um escritor quase apele à insurreição armada ou que um político [Alejo Vidal Quadras, deputado do Partido Popular] peça uma intervenção da Guardia Civil na Catalunha. Mas o que mais me surpreende é que pessoas aparentemente sensatas defendam que a secessão da Catalunha se realizaria de maneira cordial e sem traumas e que quase todos pareçam acreditar que é impossível a situação degenerar em violência.
 
Santo Deus, nem sequer aprendemos que na história não há nada impossível, e que as grandes mudanças quase sempre se fizeram a sangue e fogo? Voltámos a ficar outra vez tão insensatos e pusilânimes que já nem somos capazes de arranjar uma saída civilizada para este imbróglio?
 
Traduzido do castelhano por Maria João Vieira
 

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