Flávio Aguiar,
Berlim – Opera Mundi - foto EFE
Na mesma semana em
que a Economist pede a cabeça de Mantega, bom aluno Monti anuncia renúncia e BC
alemã diminui expectativa de crescimento
Lasciate ogni
speranza voi che entrate (inscrição na porta do Inferno de Dante...)
Na semana em que a revista The Economist, num rompante intempestivo, pediu, no bom estilo colonialista, a cabeça do ministro Guido Mantega, invadindo o espaço político brasileiro, quem acabou oferecendo a sua foi o premiê italiano Mario Monti, o tecnoburocrata que os mandantes da União Européia nomearam na Itália para por a casa em ordem.
Seria trágico, se não fosse cômico.
A tragédia já está no ar. Seu pano de fundo e roteiro, no momento, são os planos de “austeridade” que vão devastando a Europa pelas bordas e pelo centro, onde ela está chegando devagarinho, mas com acenos firmes de que vem por aí.
Também ao findar a semana o poderoso Banco Central Alemão, onde reina o menino prodígio da ortodoxia, Jens Weidmann, anunciou que rebaixara drasticamente as expectativas de crescimento econômico da Alemanha para este ano que finda e para o próximo. Não vi Economist nenhuma pedindo a cabeça do ministro das Finanças Wolfgang Schäuble por conta disso, que foi o pretexto alegado para pedir a queda de Mantega. Queda, não: a expulsão do ringue. Talvez até com aquelas degradações militares. Só que no caso de um ministro civil, imagino, deva-se cortar-lhe os botões do paletó, a ponta da gravata e a cinta, algo assim.
Em verdade, em verdade, o que provocou a intervenção destrambelhada da revista na política de um país soberano – aliás, não qualquer um, mas a sexta economia do mundo (aliás, de passagem, como vai ficar a reunião do G-8 agora? O Brasil entra ou não entra?) – foi muito provavelmente o relatório recente da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico), já comentado aqui, bem como a reação de nossa preclara mídia velha a ele.
Na semana em que a revista The Economist, num rompante intempestivo, pediu, no bom estilo colonialista, a cabeça do ministro Guido Mantega, invadindo o espaço político brasileiro, quem acabou oferecendo a sua foi o premiê italiano Mario Monti, o tecnoburocrata que os mandantes da União Européia nomearam na Itália para por a casa em ordem.
Seria trágico, se não fosse cômico.
A tragédia já está no ar. Seu pano de fundo e roteiro, no momento, são os planos de “austeridade” que vão devastando a Europa pelas bordas e pelo centro, onde ela está chegando devagarinho, mas com acenos firmes de que vem por aí.
Também ao findar a semana o poderoso Banco Central Alemão, onde reina o menino prodígio da ortodoxia, Jens Weidmann, anunciou que rebaixara drasticamente as expectativas de crescimento econômico da Alemanha para este ano que finda e para o próximo. Não vi Economist nenhuma pedindo a cabeça do ministro das Finanças Wolfgang Schäuble por conta disso, que foi o pretexto alegado para pedir a queda de Mantega. Queda, não: a expulsão do ringue. Talvez até com aquelas degradações militares. Só que no caso de um ministro civil, imagino, deva-se cortar-lhe os botões do paletó, a ponta da gravata e a cinta, algo assim.
Em verdade, em verdade, o que provocou a intervenção destrambelhada da revista na política de um país soberano – aliás, não qualquer um, mas a sexta economia do mundo (aliás, de passagem, como vai ficar a reunião do G-8 agora? O Brasil entra ou não entra?) – foi muito provavelmente o relatório recente da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico), já comentado aqui, bem como a reação de nossa preclara mídia velha a ele.
Na verdade, o relatório é elogioso ao Brasil, ainda que carregado de
observações ortodoxas. Prevê ele que as medidas tomadas pelo governo brasileiro
(com a liderança da presidenta Dilma e do ministro Mantega agora de cabeça
posta a prêmio) frutificarão no ano que vem e em 2014, de modo muito positivo.
Ao mesmo tempo aponta as fragilidades da política econômica norte-americana e
da recessão europeia.
Ora, para quem defende com unhas e dentes a ortodoxia econômica, isso é insuportável, pois pode jogar suas ideias no arquivo morto da história – mais uma vez, como já aconteceu na América Latina e no Sudeste Asiático.
É óbvio – só não vê quem não quer – que a política ortodoxa está afundando a Europa em um redemoinho de longa duração e efeitos ainda imprevisíveis no seu conjunto, ameaçando transformar a União Europeia – um patrimônio da humanidade, como muito bem definiu o ex-presidente Lula na semana passada em Berlim – no palco de uma tragédia de dimensões continentais, mais uma a devastar este continente.
Portanto justifica-se o açodamento intempestivo, de índole colonial, repito, da revista: é que veio puxar-lhe os pés, de debaixo do tapete, a abantesma [assombração] de mais uma contundente derrota ideológica. Ela, que já investira recentemente com armas e bagagens contra o presidente Hollande, quis atacar agora o “perigo” que lhe vem d’além-mar, o país-besouro que, segundo seu credo, não devia voar, mas que, no entanto, avoa. E isso num momento em que, na Europa inteira, crescem as rebeldias anti-ortodoxas e anti-austeridade.
Ora, para quem defende com unhas e dentes a ortodoxia econômica, isso é insuportável, pois pode jogar suas ideias no arquivo morto da história – mais uma vez, como já aconteceu na América Latina e no Sudeste Asiático.
É óbvio – só não vê quem não quer – que a política ortodoxa está afundando a Europa em um redemoinho de longa duração e efeitos ainda imprevisíveis no seu conjunto, ameaçando transformar a União Europeia – um patrimônio da humanidade, como muito bem definiu o ex-presidente Lula na semana passada em Berlim – no palco de uma tragédia de dimensões continentais, mais uma a devastar este continente.
Portanto justifica-se o açodamento intempestivo, de índole colonial, repito, da revista: é que veio puxar-lhe os pés, de debaixo do tapete, a abantesma [assombração] de mais uma contundente derrota ideológica. Ela, que já investira recentemente com armas e bagagens contra o presidente Hollande, quis atacar agora o “perigo” que lhe vem d’além-mar, o país-besouro que, segundo seu credo, não devia voar, mas que, no entanto, avoa. E isso num momento em que, na Europa inteira, crescem as rebeldias anti-ortodoxas e anti-austeridade.
Como se isso não
bastasse o paladino da ortodoxia (embora com algumas rebeldias) em Roma jogou a
toalha e anunciou que assim que for votado o novo orçamento “austero”, ele
renuncia. Em conseqüência disso as eleições nacionais italianas, que deveriam
se realizar em abril, deverão ser antecipadas para fevereiro.
Qual a razão dessa atitude aparentemente fora do eixo? Bem, ela é muito clara: o PdL (Partido da Liberdade), de Sílvio Berlusconi, anunciou que, votado o orçamento, não apoiará mais Monti, fazendo com que a posição deste no Parlamento periclite. Ele mesmo disse que essa atitude do PdL equivalia a um voto de desconfiança.
Por que o partido de Berlusconi tomou essa atitude? Porque seu líder maior anunciou, depois de várias idas e vindas, que vai mesmo disputar o cargo de primeiro-ministro nas eleições. O PdL, que já quase teve maioria absoluta no Parlamento, hoje está com 15% das intenções de voto, e sem seu líder carismático no páreo, daí não se alevantará. Como essa palavra é comum de dois gêneros, pode-se dizer que o que derrubou Monti foi a volta... do abantesma, que saiu do armário e voltou a assombrar o castelo europeu, ele que fora desbancado pelo comando de Bruxelas e Frankfurt por desordenar a casa romana.
Tais movimentações e reações mostram o impasse em que a ortodoxia econômica está mais uma vez entrando. Não soluciona nada na Europa, só piora a situação. Ao mesmo tempo, na América Latina os não-ortodoxos, apesar do esperneio e da gritaria cada vez mais histérica das elites orotodoxas e seus porta-vozes na mídia arcaica, fazem o bem-estar da população nadar de braçada. Os fantasmas que aquela ortodoxia pensava condenar ao ostracismo voltam à cena.
Só dizendo mesmo: pobre Economist, perdida no mato e com a cachorrada latindo atrás.
Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.
Qual a razão dessa atitude aparentemente fora do eixo? Bem, ela é muito clara: o PdL (Partido da Liberdade), de Sílvio Berlusconi, anunciou que, votado o orçamento, não apoiará mais Monti, fazendo com que a posição deste no Parlamento periclite. Ele mesmo disse que essa atitude do PdL equivalia a um voto de desconfiança.
Por que o partido de Berlusconi tomou essa atitude? Porque seu líder maior anunciou, depois de várias idas e vindas, que vai mesmo disputar o cargo de primeiro-ministro nas eleições. O PdL, que já quase teve maioria absoluta no Parlamento, hoje está com 15% das intenções de voto, e sem seu líder carismático no páreo, daí não se alevantará. Como essa palavra é comum de dois gêneros, pode-se dizer que o que derrubou Monti foi a volta... do abantesma, que saiu do armário e voltou a assombrar o castelo europeu, ele que fora desbancado pelo comando de Bruxelas e Frankfurt por desordenar a casa romana.
Tais movimentações e reações mostram o impasse em que a ortodoxia econômica está mais uma vez entrando. Não soluciona nada na Europa, só piora a situação. Ao mesmo tempo, na América Latina os não-ortodoxos, apesar do esperneio e da gritaria cada vez mais histérica das elites orotodoxas e seus porta-vozes na mídia arcaica, fazem o bem-estar da população nadar de braçada. Os fantasmas que aquela ortodoxia pensava condenar ao ostracismo voltam à cena.
Só dizendo mesmo: pobre Economist, perdida no mato e com a cachorrada latindo atrás.
Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.
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