sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Portugal – O PALAVRÃO AUSENTE: DEFLAÇÃO

 

Bruno Faria Lopes – Jornal i, opinião
 
Uma simples revisão no deflator do PIB engoliu o contributo que a venda da EDP deu para reduzir o rácio da dívida. Esta semana houve avisos sobre o risco de que poucos falam
 
A venda da EDP ao grupo estatal chinês Three Gorges rendeu 2,7 mil milhões de euros ao Estado para abater na dívida pública. Tendo em conta os números em 2011, o ano da operação, a venda contribuiu para reduzir o rácio de dívida pública de Portugal em 1,6% do PIB (para 108,1%). Um ano depois, contudo, um acontecimento imprevisto pela troika e pelo governo mais do que anulou esta redução, juntando cerca de 2,5 pontos ao rácio da dívida – esse acontecimento foi a queda geral de preços na economia portuguesa. Nos últimos dias quer a Unidade Técnica de Apoio Orçamental, quer o banco francês Société Générale avisaram sobre a necessidade de juntar mais um risco à já vasta colecção que pesa sobre a escassa sustentabilidade da dívida portuguesa: o risco de deflação.
 
A atenção principal da troika e dos mercados, o rácio de dívida, é calculado (grosso modo) dividindo a montanha de dívida pública portuguesa pelo PIB nominal. Este indicador do PIB conta não só com a actividade na economia – o crescimento real, de que os media falam constantemente –, mas também com um indicador mais obscuro e opaco: o deflator do PIB, que soma à actividade o efeito dos preços. Falando com alguns economistas percebe-se que poucos sabem ao certo o que está dentro do cálculo do deflator (feito pelo INE). Sabe-se, em geral, que mede os preços de todos os bens intermédios e finais na economia, incluindo as exportações. É diferente da inflação – embora genericamente não tenda a diferir muito –, que mede os preços de bens finais de consumo num cabaz tipificado para as famílias portuguesas.
 
O que está a acontecer em 2012 é revelador da importância do deflator. No início do ano o governo previu um deflator (1,7%) que foi discretamente revisto em forte baixa pelo INE em Setembro, no reporte enviado para Bruxelas. A revisão, para 0,3%, roubou algo como dois mil milhões de euros à previsão do PIB nominal – e será responsável por cerca de 2,5% a mais no rácio da dívida pública este ano. O deflator poderá ser ainda negativo em 2012 (pela primeira vez em vinte anos), prevê a OCDE, o que a confirmar-se significará um agravamento de mais algumas décimas (lá se vai parte do contributo da ANA…). Ninguém no governo explicou o que se passou, mas parece ser o efeito inevitável de uma mudança grande no padrão da procura interna (queda) e um peso maior das exportações (onde os preços também deverão estar em queda – o objectivo, afinal, da desvalorização salarial).
 
Especialistas como James Nixon, do Société Générale (SG), dizem que a verdadeira queda de preços está escondida atrás da subida do IVA, dos preços da energia e dos preços administrativos (transportes, por exemplo) e que, quando esse efeito de comparação cair, será visível a tendência de deflação. Os atentos técnicos da UTAO são mais prudentes – um ano de queda de preços não chega para fazer uma tendência – mas avisam tal como o SG: a manutenção deste comportamento durante mais anos é um peso adicional que compromete fatalmente o esforço de redução da dívida. Não é tanto a deflação à moda do Japão , onde a queda de preços levou os consumidores a adiarem decisões, reforçando o buraco da economia. Mas pode ser uma tendência com potencial para encolher ainda mais o PIB nominal e aumentar o já obviamente insustentável rácio de dívida (124% do PIB em 2014, prevê a troika, que já previu pouco mais de 110%...).
 
A surpresa em 2012 já está a pôr alguns departamentos de economia dos bancos a olhar para o assunto. Da troika e do governo, nem um pio. Estamos perante um risco real? Depende da velocidade com que o governo conseguir excedentes orçamentais, depende da estabilização das expectativas na economia (crucial para o investimento), depende do efeito das reformas, depende, enfim, da recuperação. Pesando todos os “dependes” – e tendo em conta as previsões até 2014 – conclui-se que, tal como está a acontecer na Grécia, a deflação é um risco a ter em conta, pouco falado no espaço público. Surpresa? Não. Ninguém disse que era fácil – ou sequer possível – estabilizar a dívida quando a economia está a cair em termos reais e nominais.
 
Jornalista. Escreve à sexta-feira
 

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