Bruno Faria Lopes –
Jornal i, opinião
Uma simples revisão
no deflator do PIB engoliu o contributo que a venda da EDP deu para reduzir o
rácio da dívida. Esta semana houve avisos sobre o risco de que poucos falam
A venda da EDP ao
grupo estatal chinês Three Gorges rendeu 2,7 mil milhões de euros ao Estado
para abater na dívida pública. Tendo em conta os números em 2011, o ano da
operação, a venda contribuiu para reduzir o rácio de dívida pública de Portugal
em 1,6% do PIB (para 108,1%). Um ano depois, contudo, um acontecimento
imprevisto pela troika e pelo governo mais do que anulou esta redução, juntando
cerca de 2,5 pontos ao rácio da dívida – esse acontecimento foi a queda geral
de preços na economia portuguesa. Nos últimos dias quer a Unidade Técnica de
Apoio Orçamental, quer o banco francês Société Générale avisaram sobre a
necessidade de juntar mais um risco à já vasta colecção que pesa sobre a
escassa sustentabilidade da dívida portuguesa: o risco de deflação.
A atenção principal
da troika e dos mercados, o rácio de dívida, é calculado (grosso modo)
dividindo a montanha de dívida pública portuguesa pelo PIB nominal. Este
indicador do PIB conta não só com a actividade na economia – o crescimento
real, de que os media falam constantemente –, mas também com um indicador mais
obscuro e opaco: o deflator do PIB, que soma à actividade o efeito dos preços.
Falando com alguns economistas percebe-se que poucos sabem ao certo o que está
dentro do cálculo do deflator (feito pelo INE). Sabe-se, em geral, que mede os
preços de todos os bens intermédios e finais na economia, incluindo as
exportações. É diferente da inflação – embora genericamente não tenda a diferir
muito –, que mede os preços de bens finais de consumo num cabaz tipificado para
as famílias portuguesas.
O que está a
acontecer em 2012 é revelador da importância do deflator. No início do ano o
governo previu um deflator (1,7%) que foi discretamente revisto em forte baixa
pelo INE em Setembro, no reporte enviado para Bruxelas. A revisão, para 0,3%,
roubou algo como dois mil milhões de euros à previsão do PIB nominal – e será
responsável por cerca de 2,5% a mais no rácio da dívida pública este ano. O
deflator poderá ser ainda negativo em 2012 (pela primeira vez em vinte anos),
prevê a OCDE, o que a confirmar-se significará um agravamento de mais algumas
décimas (lá se vai parte do contributo da ANA…). Ninguém no governo explicou o
que se passou, mas parece ser o efeito inevitável de uma mudança grande no padrão
da procura interna (queda) e um peso maior das exportações (onde os preços
também deverão estar em queda – o objectivo, afinal, da desvalorização
salarial).
Especialistas como
James Nixon, do Société Générale (SG), dizem que a verdadeira queda de preços
está escondida atrás da subida do IVA, dos preços da energia e dos preços
administrativos (transportes, por exemplo) e que, quando esse efeito de
comparação cair, será visível a tendência de deflação. Os atentos técnicos da
UTAO são mais prudentes – um ano de queda de preços não chega para fazer uma
tendência – mas avisam tal como o SG: a manutenção deste comportamento durante
mais anos é um peso adicional que compromete fatalmente o esforço de redução da
dívida. Não é tanto a deflação à moda do Japão , onde a queda de preços levou
os consumidores a adiarem decisões, reforçando o buraco da economia. Mas pode
ser uma tendência com potencial para encolher ainda mais o PIB nominal e
aumentar o já obviamente insustentável rácio de dívida (124% do PIB em 2014, prevê
a troika, que já previu pouco mais de 110%...).
A surpresa em 2012
já está a pôr alguns departamentos de economia dos bancos a olhar para o
assunto. Da troika e do governo, nem um pio. Estamos perante um risco real?
Depende da velocidade com que o governo conseguir excedentes orçamentais,
depende da estabilização das expectativas na economia (crucial para o
investimento), depende do efeito das reformas, depende, enfim, da recuperação.
Pesando todos os “dependes” – e tendo em conta as previsões até 2014 –
conclui-se que, tal como está a acontecer na Grécia, a deflação é um risco a
ter em conta, pouco falado no espaço público. Surpresa? Não. Ninguém disse que
era fácil – ou sequer possível – estabilizar a dívida quando a economia está a
cair em termos reais e nominais.
Jornalista. Escreve
à sexta-feira
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