LA REPUBBLICA, Roma
– Presseurop – imagem Peter
Schrank
A Europa, prémio Nobel da Paz, está na verdade em guerra há cerca de 15
anos – dos Balcãs à Líbia, passando pelo Afeganistão, e atualmente no Sahel. Um
intervencionismo marcado pela ausência de uma visão a longo prazo e de debates
sobre o seu objetivo no seio dos Vinte Sete.
Na véspera das eleições
italianas [fevereiro] e alemãs [setembro], o silêncio que reina sobre
um assunto tão importante como a guerra é impressionante. Não se houve falar
disso porque esses conflitos ocorrem noutro continente. No entanto, há muito
que a guerra se entranha em nós até aos ossos.
E embora não seja
travada pela União Europeia, desprovida de governação política comum, a guerra
continua hoje em dia a fazer parte do seu quotidiano. Se juntarmos à luta
eterna contra o terrorismo os conflitos que rebentaram nos Balcãs no final do
século XX, concluímos que há cerca de 14 anos que os europeus participam
periodicamente em intervenções armadas. No início, estas intervenções geravam
debates amargos: serão as guerras necessárias? E se não for este o caso, porque
combatemos? Serão verdadeiramente humanitárias, ou devastadoras? E que balanço
podemos tirar da luta contra o terrorismo à escala mundial: terá este diminuído
ou aumentado?
Os políticos não se
pronunciam e nenhum país europeu coloca em causa uma União que não tem nada a
dizer sobre o assunto, estando demasiado concentrada na sua moeda. A Europa,
que entrou numa nova era de guerra neocolonial, avança às cegas.
Explicações falaciosas
A guerra – muitas
vezes sangrenta mas raramente benéfica – nunca é designada pelo seu nome.
Avança disfarçada: com ela conseguiremos estabilizar os países em falência,
torná-los democráticos e, tudo isso, num curto espaço de tempo e sem grandes
despesas. A
que começou a 12 de janeiro no Mali é liderada pela França de François
Hollande, com o fraco apoio de soldados africanos e a aprovação – retroativa –
dos seus aliados europeus.
Não foi previamente
discutida, violando assim o Tratado de Lisboa (art. 32, 347). Somos quase
sempre projetados para a guerra. Até temos alguém – pomposamente batizado de
“alto representante da União para os Negócios Estrangeiros” [Catherine Ashton]-
para agradecer à França e lhe informar que Paris terá de se desenrascar
sozinho, “uma vez que não existe nenhuma força militar europeia”. Uma
imagem que ilustra na perfeição a situação, é verdade, mas esperávamos um
discurso ligeiramente diferente de alguém que ocupa um cargo tão importante.
Lê-se imensas
coisas falsas sobre a guerra que não convidam a meditar sobre o acontecimento
mas a fazer um balanço passivo, e a considerar as intervenções como casos
isolados, sem qualquer relação. A guerra promove também a aparição massiva de
especialistas duvidosos e técnicos. O intervencionismo está a tornar-se um
hábito europeu, inspirado nos americanos, mas nunca chegamos a ouvir a versão
completa desta transformação, que relaciona os conflitos e permite esclarecer a
situação global. Falta para isso uma visão global duradoura que defina o que
somos na África, no Afeganistão, no Golfo Pérsico. Que compare a nossa ideia à
dos outros países. Que analise a política chinesa na África, tão ativa e
diferente da nossa: centrada no investimento, enquanto a nossa se foca no
aspeto militar.
Uma visão global
duradoura que permitiria estabelecer um balanço frio dos conflitos desprovidos
de objetivos claros, de limites geográficos, de calendário – conflitos esses que
promoveram o jihadismo em vez de o conter, passando a dominar a região do Saara
e do Sahel após ter conquistado o Afeganistão. São conflitos que não tiraram
lições dos erros passados, sistematicamente abafados. Os nobres epítetos não
chegam para disfarçar os resultados catastróficos: as intervenções não promovem
a ordem, mas o caos, não criam Estados fortes, mas Estados ainda mais
defeituosos do que aquilo que eram. Após a intervenção, os países são deixados
ao seu próprio destino, ficando um sentimento de profunda desilusão nos povos
assistidos. E parte-se para novas frentes, como se a história das guerras fosse
um safári turístico em busca de recompensas exóticas.
Caso de estudo
O Mali é um caso
exemplar de guerra necessária e humanitária. No decorrer da última década, o
adjetivo humanitário perdeu toda a sua inocência. Era necessário intervir para
parar o genocídio ruandês em 1994, e só não agimos porque a ONU retirou as suas
tropas no momento em que a exterminação começou. Em contrapartida, era necessário
evitar o êxodo – para a Europa – dos kosovares perseguidos pelo exército
sérvio. Mas estas guerras recorrentes não são necessárias, já que não travam o
terrorismo nem são democráticas. Caso contrário, como poderíamos explicar a
aliança com a Arábia Saudita e o montante das ajudas prestadas a Riad, mais
generosas do que as destinadas a Israel? Além de não ser democrático, o reino
saudita é um dos principais investidores do terrorismo.
A degradação da
situação no Mali podia ter sido evitada se os europeus tivessem estudado o
país: considerado durante muitos anos como um símbolo da democracia, o Mali
caiu na pobreza e reavivou os problemas colocados por fronteiras coloniais
artificiais. A luta pela independência dos tuaregues culminou a 6 de abril de
2012 com a independência do Azawad, no norte do país. Durante décadas, os
tuaregues foram ignorados, menosprezados. Para lutar contra um independentismo
inicialmente laico, tolerou-se a formação de milícias islamitas, repetindo
desta forma o erro cometido no Afeganistão. Resultado: os tuaregues apoiaram-se
no [líder líbio] Kadhafi e, mais tarde, nos islamitas: foram estes últimos que
invadiram o norte do Mali, no início de 2012, acabando por recuperar e
corromper a luta tuaregue.
Uma guerra nascida
nas suas cinzas
Mas o erro mais
grave é não encarar as guerras destas últimas décadas de um ponto de vista
global. Uma operação levada a cabo num ponto preciso do globo tem repercussões
noutro sítio: os fracassos afegãos originaram o caso da Líbia, enquanto o
semi-fracasso da Líbia provocou a situação atual do Mali. O problema é que cada
conflito começa sem qualquer análise crítica dos conflitos precedentes. Na
Líbia, o triunfalismo durou anos, até ao assassinato do embaixador dos Estados
Unidos, Christopher Stevens, a 11 de setembro de 2012 em Bengasi. Só depois de
isto acontecer é que se percebeu que muitos membros da milícia de Kadhafi –
tuaregues ou islamitas – se deslocaram para o Azawad. E que a guerra ainda não
tinha acabado, e que estava a ganhar uma segunda vida no Mali.
Em sete anos, o
número de democracias na África caiu de 24 para 19. É um fracasso para a Europa
e o Ocidente. Entretanto, a China, que observa e esfrega as mãos de contente,
aumenta a sua presença no continente. Atualmente, o seu intervencionismo consiste
em construir estradas, e não travar guerras. Trata-se claramente de
colonialismo, mas de um género diferente. As suas forças são a resiliência e a
paciência. Talvez seja por discutirem em Pequim o seu domínio sobre a África e
a Ásia que a Europa e os Estados Unidos se mostram tão agressivos. É apenas uma
hipótese, mas se a Europa começasse a discutir, mencionaria também este
assunto, e não seria de todo inútil.
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