segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

RAÚL CASTRO A PRIMEIRA DAS VOZES CRÍTICAS





Ao contrario da ideia que a imprensa imperialista amplamente difunde, o debate crítico está presente na sociedade cubana. Naturalmente que, para os inimigos da Revolução Cubana, debater os problemas reais com que Cuba se defronta deveria constituir uma oportunidade para condenar a opção socialista. Mas o que há a registar é que esse debate é animado pelos mais altos responsáveis, não para trair a revolução, mas para a defender. Para Salim Lamrani, o crítico mais virulento de Cuba chama-se Raúl Castro.

No Ocidente Cuba é representada como uma sociedade fechada sobre si própria, onde o debate crítico é inexistente e a pluralidade das ideias é proibida pelo poder. Na realidade, Cuba está longe de ser uma sociedade monolítica que compartilharia um pensamento único. Com efeito, a cultura do debate desenvolve-se cada dia mais e o Presidente cubano Raúl Castro simboliza-a, ao ter-se convertido no primeiro crítico das vicissitudes, contradições, aberrações e injustiças presentes na sociedade cubana.

A necessidade de mudança e do debate crítico

Em Dezembro de 2010, numa intervenção perante o Parlamento cubano, Raúl Castro lançou o alarme e colocou o governo e os cidadãos face às suas responsabilidades: “ Ou rectificamos ou já se acabou el tempo de continuar circulando à beira do el precipício, afundamo-nos e afundar-nos-emos” (1). Acrescentou também pouco tempo depois: “é imprescindível romper a colossal barreira psicológica que resulta de uma mentalidade enraizada em hábitos e conceitos do passado” (2).

Raúl Castro também fustigou a debilidade do debate crítico em Cuba. Fustigou também os silêncios, a complacência e a mediocridade. Lançou um apelo a mais franqueza. “Não há que temer as discrepâncias de critérios […], as diferenças de opiniões, que […] serão sempre mais desejáveis do que a falsa unanimidade baseada na simulação e no oportunismo. Para além do mais, é um direito do qual ninguém deve ser privado”. Castro denunciou “o excesso de secretismo a que nos habituámos durante mais de 50 anos” para ocultar enganos, falhas e erros. “É necessário mudar a mentalidade dos quadros e de todos os compatriotas”, acrescentou (3).

Sobre os media, disse o seguinte:

“A nossa imprensa fala bastante disso, das êxitos da Revolução, e nos discursos também fazemos coro; mas há que ir à medula dos problemas […]. Sou um defensor da luta contra o secretismo, porque atrás dessa ornamentada tapeçaria é onde se ocultam as falhas que temos e os interessados em que seja assim e assim continue. E eu recordo algumas críticas; “sim, façam sair no jornal tal crítica”, orientei eu próprio […]. Imediatamente a grande burocracia começou a mover-se: “Essas coisas não ajudam, desmoralizam os trabalhadores”. ¿Quais trabalhadores vão desmoralizar? Como em uma ocasião, na grande empresa estatal leiteira, El Triángulo. Passavam semanas, porque um dos camiões dessa vacaria que estava aí em Camagüey estava avariado, e então todo o leite que se produzia nas vacarias dessa zona, desse lugar, era deitada a uns porcos que estavam a criar. Foi então que disse a um secretario do Comité Central responsável pela agricultura nessa altura: mete no Granma, conta tudo isto que se está a passar, faz uma crítica. Alguns vieram e até comentaram comigo que: “Estas coisas não ajudam, porque desmoralizam os trabalhadores”. O que não sabiam é que era eu quem tinha dado esta orientação” (4)

Em 1 de Agosto de 2011, durante o seu discurso de encerramento da VII Legislatura do Parlamento Cubano, Raúl Castro reiterou a necessidade do debate crítico e da controvérsia na sociedade: “Todas as opiniões devem ser analisadas, e quando não se alcance o consenso, as discrepâncias serão levadas às instancias superiores com competências para decidir e ninguém está mandatado para o impedir” (5). Apelou a acabar com “o hábito do triunfalismo, a estridência e o formalismo ao abordar a actualidade nacional e produzir materiais escritos e programas de televisão e radio que pelo seu conteúdo e estilo captem a atenção e estimulem el debate na opinião pública” para evitar “materiais aborrecidos, improvisados e superficiais” nos meios de comunicação (6).

A corrupção

Raúl Castro tão pouco evitou o problema da corrupção: “ Ante as violações da Constituição e da legalidade estabelecida não resta outra alternativa senão recorrer à Procuradoria e aos Tribunais, como já começámos a fazer, para exigir responsabilidade aos infractores, sejam eles quem forem, porque todos os cubanos, sem excepção, somos iguais perante a lei” (7). Raúl Castro, consciente de que a corrupção também afecta os altos funcionários, enviou uma mensagem clara aos responsáveis de todos os sectores: “Há que lutar para desterrar definitivamente a mentira e o engano da conduta dos quadros, a qualquer nível”. De modo mais insólito apoiou-se em dois dos dez mandamentos bíblicos para ilustrar o seu ponto de vista: “Não roubarás” e “não mentirás”. Do mesmo modo, evocou os três princípios éticos e morais da civilização inca: “não mentir, não roubar, não ser estroina”, os quais devem guiar a conduta de todos os responsáveis da nação (7).

A liberdade religiosa

Do mesmo modo, Raúl Castro condenou severamente as derivas sectárias. Assim, denunciou publicamente pela televisão alguns atentados à liberdade religiosa devidos à intolerância “enraizada na mentalidade de não poucos dirigentes a todos os níveis” (8). Evocou o caso de uma mulher, quadro do Partido Comunista, com trajectória exemplar, que foi afastada das suas funções em Fevereiro de 2011 devido à sua fé cristã, e cujo salario foi reduzido em 40%, em violação do artigo 43º da Constituição de 1976 que proíbe todo o tipo de discriminação. O presidente da República denunciou assim “os danos causados a uma família cubana por atitudes baseadas numa mentalidade arcaica, alimentada pela simulação e o oportunismo”. Recordando que a pessoa vítima desta discriminação tinha nascido em 1953, data do ataque ao quartel Moncada pelos partidários de Fidel Castro contra a ditadura de Fulgêncio Batista, Raúl Castro expressou o seguinte:

“Eu não fui ao Moncada para isso […]. Da mesma forma, recordávamos que em 30 de Julho, dia da reunião mencionada, se cumpriam 54 anos do assassínio de Frank País e do seu fiel companheiro Raúl Pujol. Eu conheci Frank no México, voltei a vê-lo na Serra, não me lembro de ter conhecido uma alma tão pura como essa, tão valente, tão revolucionaria, tão nobre e modesta, e dirigindo-me a um dos responsáveis dessa injustiça que cometeram, disse-lhe: Frank acreditava em Deus e praticava a sua religião, que eu saiba nunca deixou de o fazer ¿Que teriam vocês feito com Frank País?” (9)

A produtividade, o salario mensal e a caderneta de abastecimento

Quanto à produtividade e à política económica, Raúl Castro admite “uma ausência de cultura económica na população”, bem como os erros do passado. “Não pensamos voltar a copiar ninguém, bastantes problemas nos trouxe fazê-lo, até porque além do mais muitas vezes copiamos mal” (10). O governo cubano dá prova de lucidez no que diz respeito às carências em matéria económica. Reconhece que “a espontaneidade, a improvisação, a superficialidade, o incumprimento das metas, a falta de profundidade nos estudos de viabilidade e a carência de integralidade ao empreender um investimento” atentam gravemente contra a nação (11).

Quanto ao rendimento mensal dos cubanos, Raúl Castro dá prova de lucidez: “O salario ainda é claramente insuficiente para satisfazer todas as necessidades, pelo que praticamente deixou de cumprir o papel de assegurar o principio socialista de que cada qual contribua segundo a sua capacidade e receba segundo o seu trabalho. E isso favoreceu manifestações de indisciplina social” (12).

Do mesmo modo, o presidente cubano não vacilou em sublinhar os efeitos negativos da caderneta de abastecimento em vigor desde 1960, particularmente “o seu nocivo carácter igualitarista”, que a converteu em “uma carga insuportável para a economia e em um desestimulo ao trabalho, para além de gerar ilegalidades diversas na sociedade”. Também apontou as seguintes contradições: “Como a caderneta está concebida para abranger de forma igual os mais de 11 milhões de cubanos, não faltam exemplos absurdos como o do café tabelado abastecer até os recém-nascidos. O mesmo sucedia até Setembro de 2010 com os cigarros que eram distribuídos sem distinguir fumadores e não fumadores, propiciando o crescimento deste hábito nocivo na população”. Segundo ele, a caderneta “ contradiz na sua essência o principio da distribuição que deve caracterizar o socialismo, ou seja, “De cada qual segundo a sua capacidade, a cada qual segundo o seu trabalho”. Por isso, “ será imprescindível esforçarmo-nos para erradicar as profundas distorções existentes no funcionamento da economia e da sociedade no seu conjunto” (13).

A renovação geracional

Por outra lado, Raúl Castro também sublinhou a presença de um problema crucial em Cuba: a relevo geracional e a falta de diversidade. Denunciou “ a insuficiente sistematicidade e vontade política para assegurar a promoção a cargos decisórios de mulheres, negros, mestiços e jovens, na base do mérito e das condições pessoais”. Exprimiu o seu desagrado sem elidir a sua própria responsabilidade: “ Não ter resolvido este último problema em mais de meio século é uma verdadeira vergonha, que carregaremos nas nossas consciências durante muitos anos”. Em resultado deste problema, Cuba sofre “as consequências de não contar com uma reserva de substitutos devidamente preparados, com suficiente experiencia e maturidade para assumir as novas e complexas tarefas de direcção no Partido, no Estado e no Governo” (14).

Todas estas declarações foram feitas em directo na televisão cubana em horário nobre. Permitem ilustrar a presença do debate crítico em Cuba ao mais alto nível do Estado. Assim, Raúl Castro não é apenas o Presidente da nação, mas também – segundo parece – o mais feroz crítico das derivas e imperfeições do sistema.

Notas:
(1) Raúl Castro Ruz, «Discurso pronunciado pelo General do Exército Raúl Castro Ruz, Presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros, no encerramento do Sexto Período Ordinário de Sessões da Sétima Legislatura da Assembleia Nacional do Poder Popular», República de Cuba , 18 de Dezembro de 2010.
http://www.cuba.cu/gobierno/rauldiscursos/2010/esp/r181210e.html (sitio consultado el 2 de Abril de 2011).
(2) Raúl Castro Ruz, «Intervenção do General do Exército Raúl Castro Ruz, Presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros da República de Cuba no encerramento do X Período de Sessões da Sétima Legislatura da Assembleia Nacional do Poder Popular», 13 de Dezembro de 2012. http://www.cubadebate.cu/raul-castro-ruz/2012/12/13/raul-todo-lo-que-hagamos-va-dirigido-a-la-preservacion-y-desarrollo-en-cuba-de-una-sociedad-socialista-sustentable-y-prospera-fotos/ (sitio consultado em 2 de Janeiro de 2013).
(3) Raúl Castro, « Discurso…», 18 de Dezembro de 2010, op.cit.
(4) Ibid.
(5) Raúl Castro, «Toda resistência burocrática ao estrito cumprimento dos acordos do Congresso, apoiados massivamente pelo povo, será inútil», Cubadebate, 1 de agosto de 2011.
(6) Raúl Castro, «Texto íntegral do Informe Central ao VI Congresso do PCC», 16 de Abril de 2011. http://www.cubadebate.cu/opinion/2011/04/16/texto-integro-del-informe-central-al-vi-congreso-del-pcc/ ( sitio consultado em 20 de Abril de 2011).
(7) Raúl Castro, «Toda resistência…», op. cit.
(8) Raúl Castro, « Discurso…», 18 de Dezembro de 2010, op.cit.
(9) Raúl Castro, «Toda resistência…», op. cit.
(10) Ibid.
(11) Raúl Castro, « Discurso…», 18 de Dezembro de 2010, op.cit.
(12) Partido Comunista de Cuba, «Resolução sobre as linhas da política económica e social do partido e a Revolução», op. cit.
(13) Raúl Castro Ruz, « Discurso…», 18 de Dezembro de 2010, op. cit.
(14) Raúl Castro, «Relatório central ao VI Congresso do Partido Comunista de Cuba», 16 de Abril de 2011. http://www.cuba.cu/gobierno/rauldiscursos/2011/esp/r160411e.html (sitio consultado em 2 de Janeiro de 2013).
(15) Ibid.

*Doutor em Estudos Ibéricos y Latino-americanos de la Universidade Paris Sorbonne-Paris IV, Salim Lamrani é professor titular de la Universidade de la Reunión y periodista, especialista de las relações entre Cuba y Estados Unidos. Seu último libro se titula Etat de siège. Les sanctions économiques des Etats-Unis contre Cuba, Paris, Edições Estrela, 2011, com um prólogo de Wayne S. Smith y um prefácio de Paul Estrade. Contacto: lamranisalim@yahoo.fr ; Salim.Lamrani@univ-reunion.fr Página Facebook: https://www.facebook.com/SalimLamraniOfficiel


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