Rui Peralta, Luanda
Bashar-al-Assad fez
a ouvir a sua voz pela primeira vez em sete meses. Da sua boca näo se ouviu
nada de novo, nem outra coisa seria de esperar. Denunciou os terroristas e os “títeres
ocidentais”, de forma correcta e consequente, pois é disso mesmo que se trata:
terroristas a soldo do imperialismo.
Onde as coisas
talvez näo tenham sido tão correctas e consequentes como a denuncia inicial,
foi na apresentação do seu plano. A burocracia síria propõe um diálogo
nacional, que conduza a uma carta nacional, submetida a referendo e aplicada
por um governo amplo. Esta carta seria secundada por uma amnistia geral. Mas
com quem? Com os terroristas, os títeres ocidentais? Com os que querem a
fragmentação da Síria e a instituição de emiratos no território?
Estas e outras
questões näo säo respondidas pelo plano de Assad, que em contrapartida exige
que a OTAN e todas as potencias que financiam os terroristas, devem cessar o
financiamento, de imediato, sendo que o exercito sírio numa segunda fase
suspenderia todas as operações militares, reservando-se o direito de responder
a provocações. Neste plano näo é mencionada uma única palavra sobre o que
acontecerá ao presidente sírio, embora explicite que pretende candidatar-se em
pleito eleitoral a definir pelo acordo.
Isto é apresentado
como um mero detalhe, mas o único ponto que unifica as diversas oposições ao
regime é: Assad. Para as oposições é ponto assente que Assad tem de afastar-se
antes que seja exercível qualquer negociação. Portanto este pequeno detalhe do
plano de Assad torpedeia por completo a construção do mediador da ONU, Lakhdar
Brahimi, que insiste na inclusão da Irmandade Muçulmana Síria, num governo de
transição, partindo do pressuposto do afastamento de Assad.
Seria melhor os
bananocratas (burocratas bananas, expressão diplomática para burrocratas) da
ONU, aconselharem-se ou consultarem os serviços secretos do Hezbollah, os
melhor informados e com projeções mais realistas sobre um eventual afastamento
de Assad: “A Síria näo será mais um Estado unitário e sim uma sucessão de
emiratos, junto á fronteira turca, aguardando a chegada de um messias que
proclame um Estado Islâmico”. E prosseguem: “Os combatentes säo religiosos
extremistas e grande parte das armas estão sob seu controlo, através de um
acordo efectuado com os curdos, que se abastecem a partir destas armas, ficando
com um terço do total e deixando passar dois terços para o Exercito Sírio Livre
e outras organizações islâmicas.”
Assim sendo,
prepara-se um cenário idêntico ao do Afeganistão, depois da saída das tropas
soviéticas, antes da tomada do poder pelos Taliban. O problema é que a Síria
está na costa Mediterrânica, perto, muito perto da Europa. Näo fiquem chocados
as mentes sãs, por eu estar a recorrer ao Hezbollah, que muitos consideram ser
terroristas. Nada disso! Fiquem a saber que o Hezbollah coopera com a ONU, para
manter o problema sírio afastado das fronteiras libanesas. E o general italiano
Paolo Serra, o comandante dos capacetes azuis no sul do Líbano, considera-os os
mais exemplares e bem informados colaboradores da ONU.
Assim sendo näo é
de estranhar que os mercenários sírios pretendam, em uníssono, o afastamento
imediato de Assad. A Irmandade Muçulmana considera-o um criminoso de guerra e o
lambe-botas número de Obama na Síria, Geoges Sabra, vice-presidente do
Coligação Nacional, considera que o plano de Assad é uma declaração de guerra
contra o povo sírio (como pode falar em povo sírio, um tipo que expressa-se melhor
em inglês do que na sua língua mãe?). A cobrir os filhotes vem o Departamento
de Estado dos USA, que acusou Assad de estar longe da realidade. O governo
turco, através de um dos seus porta-vozes de óculos e de dentes amarelados
(será que näo há PEPSODENTE ou COLGATE, por aqueles lados?) fotocopiou as
palavras do Departamento de Estado, acrescentando que Assad só lê o que os
serviços secretos sírios escrevem.
O governo
britânico, através de William Hague, referiu a cassete: Assad tem de sair e
convocou mais uma daquelas conferências secretas de quarenta e oito horas no
Wilton Park, em West Sussex, onde se misturam os especialistas, os académicos
de alcova e os funcionários dos estados do golfo, para além de uns organismos
alienígenas, denominados “agências multilaterais”.
É claro que Assad
näo vai a lado nenhum e continuará no seu posto. Näo porque os trabalhadores e
desempregados sírios (o proletariado urbano e rural) o deseje muito, mas porque
para qualquer sírio que deteste Assad, tudo isto näo passa de uma encenação que
tem como objectivo instalar no poder uma serie de tipos que säo paranoicos e
carteiristas, como aconteceu na Líbia, ou traficantes de droga, como no
Afeganistão, já para näo falar dos proxenetas do Iraque (perguntem á máfia
servia sobre os negócios com as elites iraquianas para abastecer os mercados do
leste europeu com iraquianas). Ou seja: por muito que a Síria necessite de que
Assad seja varrido do mapa, ele foi transformado na ultima garantia contra a
barbárie. Ë claro que é um contra-senso, mas a História está cheia deles.
Os sírios estão
cansados de guerra, näo a querem e também näo pretendem mudanças financiadas
para a barbárie. Säo um povo culto, que tem o peso da História. Näo é um Estado
com trezentos anos, nem com oitocentos ou mil. Já eram cultos quando os
antepassados dos norte-americanos viviam nas florestas da Europa em grupos
tribais, com o corpo coberto por peles de animais.
É por isso, por
essa sábia desconfiança síria, que os clérigos sunitas mais influentes (e dos
mais respeitados em todo o Islão) continuam leais ao governo, para desespero
dos mercenários terroristas. E mais desconfiados ficam, os sírios, quando
presenciaram que este assunto foi iniciado em torno do gasoduto
Irão-Iraque-Síria, um projecto de dez mil milhões de USD, que representaria um
importante factor de desenvolvimento e de independência Síria. O problema é que
seria realizado, na passagem pela Síria e pelo Irão, sem participação das
petrolíferas do costume, que limitar-se-iam ao Iraque.
Quem näo ficou
alheio ao discurso do presidente sírio, foram as autoridades libanesas, que
foram previamente informadas do mesmo. Mas Assad não teve apenas preocupações
diplomáticas com os libaneses. A Arábia Saudita näo é directamente mencionada
no discurso e isso devido às posições assumidas pelo seu ministro da economia,
que num comunicado conjunto com o seu congénere egípcio, refere a importância
da solução politica para a Siria e o afastamento do cenário militar, o que
representa uma alteração da atitude saudita.
Aliás os contactos
dos sauditas com o governo sírio têm sido uma constante no último mês,
utilizando os egípcios na mediação. Idêntico comportamento foi assumido pelo
Koweit e pelos Emiratos Árabes Unidos, através de movimentações de
reaproximação e abertura de canais de comunicação com Damasco, através da
Jordânia.
Várias razões têm
contribuído para esta alteração. A começar pela incapacidade da OTAN e pelo
receio que os regimes árabes detêm sobre faccões islâmicas näo controladas
pelos seus serviços secretos, como a Frente al-Nusra, um ramo da Al Qaeda.
Depois pela posição da Rússia e da China, que mantêm inalterável o seu apoio a
Damasco. Por fim pelo facto do governo sírio näo ter perdido o controlo da
situação e por continuar a ser apoiado por largos sectores da população,
inclusive por sectores que inicialmente o contestavam.
De qualquer forma,
apesar destas leituras e neurastenias diplomáticas, näo há nada de novo no
discurso de Assad. Podemos afirmar que este é um discurso que tem tanto sumo
como um limão seco, que depois de exprimido é só caroço. Resta a importância do
acto e a parte referente á denúncia de agressão. A proposta é indicadora de que
a guerra vai continuar, apesar de estarem a ser abertos canais de comunicação
entre alguns sectores e estados da região.
Parafraseando Erich
Maria Remarque: Em Damasco nada de novo.
Fontes
Síria: Un paraíso
yihadista; Pepe Escobar. http://www.rebelion.org
¿Está Arabia Saudí
modificando su posición sobre Siria? Daoud Rammal http://www.rebelion.org
El discurso de
Bashar; As'ad AbuKhalil; http://www.rebelion.org
Al-Ajbar (edição em
língua inglesa); 11/01/2013.
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