quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

O PLANO BASHAR




Rui Peralta, Luanda

Bashar-al-Assad fez a ouvir a sua voz pela primeira vez em sete meses. Da sua boca näo se ouviu nada de novo, nem outra coisa seria de esperar. Denunciou os terroristas e os “títeres ocidentais”, de forma correcta e consequente, pois é disso mesmo que se trata: terroristas a soldo do imperialismo.

Onde as coisas talvez näo tenham sido tão correctas e consequentes como a denuncia inicial, foi na apresentação do seu plano. A burocracia síria propõe um diálogo nacional, que conduza a uma carta nacional, submetida a referendo e aplicada por um governo amplo. Esta carta seria secundada por uma amnistia geral. Mas com quem? Com os terroristas, os títeres ocidentais? Com os que querem a fragmentação da Síria e a instituição de emiratos no território?

Estas e outras questões näo säo respondidas pelo plano de Assad, que em contrapartida exige que a OTAN e todas as potencias que financiam os terroristas, devem cessar o financiamento, de imediato, sendo que o exercito sírio numa segunda fase suspenderia todas as operações militares, reservando-se o direito de responder a provocações. Neste plano näo é mencionada uma única palavra sobre o que acontecerá ao presidente sírio, embora explicite que pretende candidatar-se em pleito eleitoral a definir pelo acordo.

Isto é apresentado como um mero detalhe, mas o único ponto que unifica as diversas oposições ao regime é: Assad. Para as oposições é ponto assente que Assad tem de afastar-se antes que seja exercível qualquer negociação. Portanto este pequeno detalhe do plano de Assad torpedeia por completo a construção do mediador da ONU, Lakhdar Brahimi, que insiste na inclusão da Irmandade Muçulmana Síria, num governo de transição, partindo do pressuposto do afastamento de Assad.

Seria melhor os bananocratas (burocratas bananas, expressão diplomática para burrocratas) da ONU, aconselharem-se ou consultarem os serviços secretos do Hezbollah, os melhor informados e com projeções mais realistas sobre um eventual afastamento de Assad: “A Síria näo será mais um Estado unitário e sim uma sucessão de emiratos, junto á fronteira turca, aguardando a chegada de um messias que proclame um Estado Islâmico”. E prosseguem: “Os combatentes säo religiosos extremistas e grande parte das armas estão sob seu controlo, através de um acordo efectuado com os curdos, que se abastecem a partir destas armas, ficando com um terço do total e deixando passar dois terços para o Exercito Sírio Livre e outras organizações islâmicas.”

Assim sendo, prepara-se um cenário idêntico ao do Afeganistão, depois da saída das tropas soviéticas, antes da tomada do poder pelos Taliban. O problema é que a Síria está na costa Mediterrânica, perto, muito perto da Europa. Näo fiquem chocados as mentes sãs, por eu estar a recorrer ao Hezbollah, que muitos consideram ser terroristas. Nada disso! Fiquem a saber que o Hezbollah coopera com a ONU, para manter o problema sírio afastado das fronteiras libanesas. E o general italiano Paolo Serra, o comandante dos capacetes azuis no sul do Líbano, considera-os os mais exemplares e bem informados colaboradores da ONU.

Assim sendo näo é de estranhar que os mercenários sírios pretendam, em uníssono, o afastamento imediato de Assad. A Irmandade Muçulmana considera-o um criminoso de guerra e o lambe-botas número de Obama na Síria, Geoges Sabra, vice-presidente do Coligação Nacional, considera que o plano de Assad é uma declaração de guerra contra o povo sírio (como pode falar em povo sírio, um tipo que expressa-se melhor em inglês do que na sua língua mãe?). A cobrir os filhotes vem o Departamento de Estado dos USA, que acusou Assad de estar longe da realidade. O governo turco, através de um dos seus porta-vozes de óculos e de dentes amarelados (será que näo há PEPSODENTE ou COLGATE, por aqueles lados?) fotocopiou as palavras do Departamento de Estado, acrescentando que Assad só lê o que os serviços secretos sírios escrevem.

O governo britânico, através de William Hague, referiu a cassete: Assad tem de sair e convocou mais uma daquelas conferências secretas de quarenta e oito horas no Wilton Park, em West Sussex, onde se misturam os especialistas, os académicos de alcova e os funcionários dos estados do golfo, para além de uns organismos alienígenas, denominados “agências multilaterais”.

É claro que Assad näo vai a lado nenhum e continuará no seu posto. Näo porque os trabalhadores e desempregados sírios (o proletariado urbano e rural) o deseje muito, mas porque para qualquer sírio que deteste Assad, tudo isto näo passa de uma encenação que tem como objectivo instalar no poder uma serie de tipos que säo paranoicos e carteiristas, como aconteceu na Líbia, ou traficantes de droga, como no Afeganistão, já para näo falar dos proxenetas do Iraque (perguntem á máfia servia sobre os negócios com as elites iraquianas para abastecer os mercados do leste europeu com iraquianas). Ou seja: por muito que a Síria necessite de que Assad seja varrido do mapa, ele foi transformado na ultima garantia contra a barbárie. Ë claro que é um contra-senso, mas a História está cheia deles.

Os sírios estão cansados de guerra, näo a querem e também näo pretendem mudanças financiadas para a barbárie. Säo um povo culto, que tem o peso da História. Näo é um Estado com trezentos anos, nem com oitocentos ou mil. Já eram cultos quando os antepassados dos norte-americanos viviam nas florestas da Europa em grupos tribais, com o corpo coberto por peles de animais.

É por isso, por essa sábia desconfiança síria, que os clérigos sunitas mais influentes (e dos mais respeitados em todo o Islão) continuam leais ao governo, para desespero dos mercenários terroristas. E mais desconfiados ficam, os sírios, quando presenciaram que este assunto foi iniciado em torno do gasoduto Irão-Iraque-Síria, um projecto de dez mil milhões de USD, que representaria um importante factor de desenvolvimento e de independência Síria. O problema é que seria realizado, na passagem pela Síria e pelo Irão, sem participação das petrolíferas do costume, que limitar-se-iam ao Iraque.

Quem näo ficou alheio ao discurso do presidente sírio, foram as autoridades libanesas, que foram previamente informadas do mesmo. Mas Assad não teve apenas preocupações diplomáticas com os libaneses. A Arábia Saudita näo é directamente mencionada no discurso e isso devido às posições assumidas pelo seu ministro da economia, que num comunicado conjunto com o seu congénere egípcio, refere a importância da solução politica para a Siria e o afastamento do cenário militar, o que representa uma alteração da atitude saudita.

Aliás os contactos dos sauditas com o governo sírio têm sido uma constante no último mês, utilizando os egípcios na mediação. Idêntico comportamento foi assumido pelo Koweit e pelos Emiratos Árabes Unidos, através de movimentações de reaproximação e abertura de canais de comunicação com Damasco, através da Jordânia.

Várias razões têm contribuído para esta alteração. A começar pela incapacidade da OTAN e pelo receio que os regimes árabes detêm sobre faccões islâmicas näo controladas pelos seus serviços secretos, como a Frente al-Nusra, um ramo da Al Qaeda. Depois pela posição da Rússia e da China, que mantêm inalterável o seu apoio a Damasco. Por fim pelo facto do governo sírio näo ter perdido o controlo da situação e por continuar a ser apoiado por largos sectores da população, inclusive por sectores que inicialmente o contestavam.

De qualquer forma, apesar destas leituras e neurastenias diplomáticas, näo há nada de novo no discurso de Assad. Podemos afirmar que este é um discurso que tem tanto sumo como um limão seco, que depois de exprimido é só caroço. Resta a importância do acto e a parte referente á denúncia de agressão. A proposta é indicadora de que a guerra vai continuar, apesar de estarem a ser abertos canais de comunicação entre alguns sectores e estados da região.

Parafraseando Erich Maria Remarque: Em Damasco nada de novo.

Fontes
Síria: Un paraíso yihadista; Pepe Escobar. http://www.rebelion.org
¿Está Arabia Saudí modificando su posición sobre Siria? Daoud Rammal http://www.rebelion.org
El discurso de Bashar; As'ad AbuKhalil; http://www.rebelion.org
Al-Ajbar (edição em língua inglesa); 11/01/2013.

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