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Esther Mucznik - Público
Há poucos dias, fui
informada por professores de uma escola pública, em Portugal, de que no passado
ano lectivo fora colocado um cartaz (ver foto) na entrada do edifício, nas
paredes dos corredores e na sala de professores, apelando à inscrição dos alunos
num “workshop de alemão”, como forma de “sobrevivência linguística”. Nada disto
seria digno de nota se não fosse o facto de o apelo à inscrição invocar a
submissão ao “Chefe”, neste caso o Führer em pessoa, retratado numa imagem a
fazer a saudação nazi …
O cartaz acabou por
ser retirado, não por iniciativa da direcção da escola ou de um repúdio
generalizado, mas pelo protesto de um único professor, que, para além de
exprimir a sua indignação junto da docente que autorizou tal cartaz, exigiu da
direcção da escola que o mesmo fosse retirado. O que veio efectivamente a
acontecer, juntamente com um pedido de desculpas da professora em questão,
afirmando que "não fazia ideia de que o mesmo iria provocar tanta
susceptibilidade”. Doce inocência, tranquila ignorância…
Na verdade, não
sabemos se é de ignorância que se trata ou de convicções ideológicas. Mas
inclino-me mais para a primeira hipótese: no estado da educação em Portugal
consequência das inúmeras e sempre mais “inovadoras” reformas do sistema
educativo desde o 25 de Abril, do baixo nível de cultura geral de grande parte
dos professores – com honrosas e importantes excepções –, da subalternização
durante décadas das disciplinas de Ciências Humanas, em nome da “eficácia” e do
“sucesso” das carreiras profissionais, a ignorância é certamente a hipótese
mais plausível – mas totalmente inadmissível. É absolutamente inadmissível que
alunos do 12.º ano, depois de terem estudado a Segunda Guerra Mundial nos
currículos de História, elaborem um cartaz destes; é absolutamente inadmissível
que professores de uma escola pública supostamente responsável por ensinar e
educar permitam a colocação de um cartaz deste tipo; é absolutamente
inadmissível que a direcção da escola não tenha, ela própria, tomado a
iniciativa de o retirar imediatamente.
Só que, na
realidade, esta ignorância ou ainda mais provavelmente esta indiferença é
apenas o reflexo de algo muito mais profundo, muito mais atávico em Portugal e
que não data nem de hoje nem do 25 de Abril. É aquilo que nós gostamos de
chamar “tolerância” e que mais não é, na maior parte das vezes, indiferença,
falta de princípios, desprezo pelas ideias e pelas convicções. Em nome de uma
liberdade de expressão, tão instrumentalizada quanto pervertida, não se entende
que sem ética nem moral esta não passa de um relativismo esvaziado de sentido.
Sob a cómoda e aparentemente tão tolerante expressão “cada qual é livre de
dizer o que quiser” esconde-se na maior parte das vezes a indefinição ética, a
recusa tacticista de tomar partido, a indiferença e a contemporização com o
inadmissível. É este encolher de ombros que levou o historiador Ian Kershaw a
escrever que “a estrada de Auschwitz foi construída pelo ódio, mas o seu
pavimento foi a indiferença”.
Exagero? Talvez,
mas é com este encolher de ombros, em nome do “contraditório” (?!), do “Estado
de direito e democrático” ou citando de peito cheio a famosa frase “Não
concordo com o que diz, mas defenderei até à morte o seu direito de o dizer”
que se defende a contratação do engenheiro Sócrates pela televisão pública
portuguesa, sem se perceber que o que está em causa não é “o que ele diz”, mas
a total imoralidade quer do convite, quer da sua aceitação. O ex-chefe do
Governo de Portugal que durante seis anos nos conduziu de vitória em vitória
até à situação actual, que fugiu para França e das responsabilidades que nunca
reconheceu, e cujo único comentário que exprimiu a propósito do Memorando – que
ele próprio assinou – foi que as dívidas não são para pagar, esse homem não
merece um espaço de autopromoção numa televisão que é paga com o dinheiro dos
contribuintes. No momento difícil que o país atravessa, esta contratação é
escarnecer dos portugueses. Se não se percebe que ela nada tem a ver com a
liberdade de expressão, é porque não se entende nada nem de ética, nem de
princípios, e muito menos de liberdade.
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