Luís Reis Ribeiro –
Dinheiro Vivo
O primeiro-ministro
dramatizou ao máximo os danos provocados pelo Tribunal Constitucional (TC) na
execução orçamental e na credibilidade do país na sua tentativa de regressar
aos mercados, mas a verdade é que, uma semana antes da deliberação dos juízes,
já era evidente que a política seguida pelo Governo nas Finanças Públicas e na
economia iria conduzir a um fracasso no cumprimento das novas metas orçamentais
(um défice de 5,5% este ano em vez de 4,5%).
No final de março,
essa folga de quase 1.500 milhões de euros no défice nominal atribuída pela
troika na sétima avaliação já tinha sido totalmente violada. Claro que a
decisão do TC veio agudizar a situação, tendo o Governo aproveitado para
ensaiar um discurso do tudo ou nada em relação à urgência de cortar mais na
despesa pública, algo que iria fazer mais tarde ou mais cedo este ano por causa
do agravamento da recessão.
Com base em dados
do próprio Governo e do Instituto Nacional de Estatística (INE), a 28 de março
último ficou provado que o défice real (o ponto de partida verdadeiro para a
consolidação orçamental deste ano) é de 6,4% do Produto Interno Bruto (PIB) – é
o valor oficial que foi enviado pelo INE ao Eurostat - e não os 6% apresentados
pelo ministro das Finanças a 15 de março, na apresentação das conclusões da
sétima avaliação da troika.
Ou seja, logo aqui
existe um efeito de arrastamento na ordem dos 0,4 pontos percentuais do PIB. O
valor em causa (que diz respeito a uma derrapagem gerada nas contas de 2012)
rondará, a preços do ano passado, 661,6 milhões de euros, o desvio detetado que
começa a comer a folga de 1.481 milhões de euros concedida pela missão externa
por considerar que o país tem cumprido com o calendário das medidas de
austeridade e das reformas e porque há uma parte da derrapagem que deve-se à
envolvente externa – não é atribuível a um mau desempenho do Governo ou das
Finanças.
Na altura o INE
explicou que o ajustamento no valor final deveu-se à não consideração da venda
dos aeroportos (ANA) como receita verdadeira, mas também a outros gastos que o
Governo estimava não ter de assumir, pretensão que chumbou com nas regras do
Eurostat. Assim, na fatura do contribuinte acabaram por entrar os aumentos da
capital da CGD, do universo Parpública e mais uma parte do buraco do BPN -
estas três operações somadas pesaram mais 1.500 milhões de euros.
Mas, no final de
março, era possível perceber outro rombo ainda maior. É que o Governo reviu
substancialmente em alta a recessão projetada para este ano e fez o mesmo em
relação à taxa de desemprego. Ora, de acordo com o próprio modelo de
sensibilidade apresentado no OE/2013, “o aumento da taxa de desemprego em 1
ponto percentual [p.p.] tem como efeito a diminuição do saldo das
administrações públicas em 0,3 p.p.”
Como a revisão em
alta do desemprego previsto para este ano foi de quase o dobro (subiu 1,8
pontos, de 16,4% da população ativa para 18,2%, é fácil perceber que o rombo
nas contas públicas ascenderá a cerca de 887 milhões de euros mais, só por
causa da recessão.
As Finanças até
explicam porquê. “Para este efeito concorre, em primeiro lugar, o impacto
direto de um maior desemprego (e menor emprego) em termos de menores
contribuições sociais e coleta de IRS e maior despesa em prestações sociais (em
particular, subsídio de desemprego). Acresce o efeito que o aumento do
desemprego tem na diminuição do consumo privado, e, desta forma, na menor coleta
dos impostos indiretos.” Por exemplo, dados da execução orçamental dos dois
primeiros meses deste ano já indiciam uma derrapagem de 300 milhões no
orçamento do subsídio de desemprego.
Tudo somado – os
661,6 milhões herdados do erro de cálculo relativo ao ponto de partida em 2012,
mais aqueles 887 milhões que derivam do impacto da austeridade na economia e no
mercado de trabalho e sua transmissão imediata às contas públicas – dá 1.549
milhões de euros de desvio, uma derrapagem que consome a totalidade do bónus
dado pela troika ao défice deste ano.
Oito dias depois da
deliberação do INE/Eurostat e quase um mês depois de se saber que o desemprego
iria ser de 18,2%, o TC viria a chumbar 1.300 milhões de euros em medidas
(valores líquidos). Ironicamente, os erros de cálculo (e em parte de gestão
orçamental) imputados ao Governo valem bastante mais do que o buraco aberto
pela decisão do palácio Ratton.
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