sábado, 13 de abril de 2013

Portugal: Gaspar comeu folga dada pela troika ainda antes da decisão do TC




Luís Reis Ribeiro – Dinheiro Vivo

O primeiro-ministro dramatizou ao máximo os danos provocados pelo Tribunal Constitucional (TC) na execução orçamental e na credibilidade do país na sua tentativa de regressar aos mercados, mas a verdade é que, uma semana antes da deliberação dos juízes, já era evidente que a política seguida pelo Governo nas Finanças Públicas e na economia iria conduzir a um fracasso no cumprimento das novas metas orçamentais (um défice de 5,5% este ano em vez de 4,5%).

No final de março, essa folga de quase 1.500 milhões de euros no défice nominal atribuída pela troika na sétima avaliação já tinha sido totalmente violada. Claro que a decisão do TC veio agudizar a situação, tendo o Governo aproveitado para ensaiar um discurso do tudo ou nada em relação à urgência de cortar mais na despesa pública, algo que iria fazer mais tarde ou mais cedo este ano por causa do agravamento da recessão.

Com base em dados do próprio Governo e do Instituto Nacional de Estatística (INE), a 28 de março último ficou provado que o défice real (o ponto de partida verdadeiro para a consolidação orçamental deste ano) é de 6,4% do Produto Interno Bruto (PIB) – é o valor oficial que foi enviado pelo INE ao Eurostat - e não os 6% apresentados pelo ministro das Finanças a 15 de março, na apresentação das conclusões da sétima avaliação da troika.

Ou seja, logo aqui existe um efeito de arrastamento na ordem dos 0,4 pontos percentuais do PIB. O valor em causa (que diz respeito a uma derrapagem gerada nas contas de 2012) rondará, a preços do ano passado, 661,6 milhões de euros, o desvio detetado que começa a comer a folga de 1.481 milhões de euros concedida pela missão externa por considerar que o país tem cumprido com o calendário das medidas de austeridade e das reformas e porque há uma parte da derrapagem que deve-se à envolvente externa – não é atribuível a um mau desempenho do Governo ou das Finanças.

Na altura o INE explicou que o ajustamento no valor final deveu-se à não consideração da venda dos aeroportos (ANA) como receita verdadeira, mas também a outros gastos que o Governo estimava não ter de assumir, pretensão que chumbou com nas regras do Eurostat. Assim, na fatura do contribuinte acabaram por entrar os aumentos da capital da CGD, do universo Parpública e mais uma parte do buraco do BPN - estas três operações somadas pesaram mais 1.500 milhões de euros.

Mas, no final de março, era possível perceber outro rombo ainda maior. É que o Governo reviu substancialmente em alta a recessão projetada para este ano e fez o mesmo em relação à taxa de desemprego. Ora, de acordo com o próprio modelo de sensibilidade apresentado no OE/2013, “o aumento da taxa de desemprego em 1 ponto percentual [p.p.] tem como efeito a diminuição do saldo das administrações públicas em 0,3 p.p.”

Como a revisão em alta do desemprego previsto para este ano foi de quase o dobro (subiu 1,8 pontos, de 16,4% da população ativa para 18,2%, é fácil perceber que o rombo nas contas públicas ascenderá a cerca de 887 milhões de euros mais, só por causa da recessão.

As Finanças até explicam porquê. “Para este efeito concorre, em primeiro lugar, o impacto direto de um maior desemprego (e menor emprego) em termos de menores contribuições sociais e coleta de IRS e maior despesa em prestações sociais (em particular, subsídio de desemprego). Acresce o efeito que o aumento do desemprego tem na diminuição do consumo privado, e, desta forma, na menor coleta dos impostos indiretos.” Por exemplo, dados da execução orçamental dos dois primeiros meses deste ano já indiciam uma derrapagem de 300 milhões no orçamento do subsídio de desemprego.

Tudo somado – os 661,6 milhões herdados do erro de cálculo relativo ao ponto de partida em 2012, mais aqueles 887 milhões que derivam do impacto da austeridade na economia e no mercado de trabalho e sua transmissão imediata às contas públicas – dá 1.549 milhões de euros de desvio, uma derrapagem que consome a totalidade do bónus dado pela troika ao défice deste ano.

Oito dias depois da deliberação do INE/Eurostat e quase um mês depois de se saber que o desemprego iria ser de 18,2%, o TC viria a chumbar 1.300 milhões de euros em medidas (valores líquidos). Ironicamente, os erros de cálculo (e em parte de gestão orçamental) imputados ao Governo valem bastante mais do que o buraco aberto pela decisão do palácio Ratton.

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