Pedro Marques Lopes
– Diário de Notícias, opinião - ontem
1 Durante
estes quase dois anos, o primeiro-ministro defendeu Miguel Relvas contra tudo e
contra todos. Não houve incompetência grosseira que Passos Coelho não
avalizasse, não houve mentira descarada que lhe não perdoasse, não houve
equivalência académica suspeita que o preocupasse. Felizmente, o não-assunto
académico chocou com um ministro corajoso e não houve maneira de Passos Coelho
segurar a sua alma gémea no Governo.
Com Vítor Gaspar é
a mesma coisa: não há clamoroso erro, não há falha gritante no atingir de
metas, não há desvio colossal, não há disparar do desemprego, não há
agravamento do buraco nas contas públicas, não há recessão, não há teimosia
contra a Constituição que não aumente o poder do revolucionário ministro. E
como Vítor Gaspar precisou de fazer exame a mais de três cadeiras para se
licenciar, vamos continuar, contra todos os factos, contra todas as evidências,
a ver o seu poder crescer. Pode o primeiro-ministro ver as pessoas a desesperar
sem emprego e sem dinheiro, a miséria a crescer nas ruas, em resultado da
política criminosa de Gaspar e camaradas troikanos, que não o deixará de
acompanhar de lira em punho enquanto o País arde aos seus pés. Talvez até
convide os ministros alemães, finlandeses e outros tratantes europeus para
assistir ao espectáculo. Os tais que se atrevem a mandar bitaites sobre os
nossos assuntos, sem que o nosso primeiro-ministro ou o nosso Presidente da
República se indignem e os mandem abaixo de Braga.
Depois de mais um
chumbo no Constitucional e quando já toda a gente sabe da catástrofe na
execução orçamental do primeiro trimestre que será anunciada dia 23, nada
melhor que mais uma exibição do poder de Gaspar.
Começou com a ida
de Passos Coelho e de Vítor Gaspar a Belém. A que propósito foi também o
ministro das Finanças? Passos Coelho não era capaz de explicar a posição do
Governo? Quem foi cobrir quem? Passos Coelho, Vítor Gaspar ou Vítor Gaspar,
Passos Coelho?
Depois, a
comunicação ao País do primeiro-ministro em que este, de forma cristalina,
explicou que estava tudo a correr às mil maravilhas, mas que o Tribunal
Constitucional tinha estragado a fantástica obra feita e a fabulosa em preparação. Um
discurso para a história, aliás. Mentir descaradamente aos portugueses e fazer
do guardião da Constituição o principal inimigo é obra. Talvez tentar negociar,
talvez aproveitar estes dinheiritos e devolvê-los à economia. Nada disso. A
cartilha de Gaspar não deixa e essa é sagrada.
Para concluir a
gloriosa semana de Gaspar tivemos o já famoso despacho em que todas as despesas
do Estado não contratadas (também era melhor) ficam dependentes da autorização
do ministro até ver. Ou seja, um verdadeiro estado de excepção.
Claro que ninguém
acredita na parte do despacho em que se refere que ficava tudo suspenso por
causa do acórdão do Tribunal. Se houvesse um despacho destes por cada desvio
orçamental já nem respirar se podia sem a autorização de Gaspar. Em frente, as
mentiras já são tantas que para a nossa sanidade mental é melhor esquecermos
algumas.
Compreende-se o
despacho: os outros ministros são incompetentes e precisam de ser levados pela
mão pelo infalível Gaspar. Entende-se: os camaradas europeus do ministro, os
revolucionários que vão construir o homem novo, precisam de saber que é ele que
manda para aliviarem os prazos de pagamento da dívida.
E ainda havia quem
julgasse Gaspar remodelável.
2 Se o
impressionante curriculum de Miguel Poiares Maduro como académico e conselheiro
lhe tiver dado capacidade para executar políticas no terreno, para coordenar
politicamente o Governo, para negociar com as autarquias, para tratar da
comunicação do Executivo, para implementar o QREN, para tutelar a comunicação
social e mais umas tantas tarefas, o Governo fez uma excelente aquisição.
Se o novo ministro
conseguir mudar a opinião de Gaspar e Passos sobre o caminho que a Europa deve
tomar - é defensor, por exemplo, dos eurobonds - e conseguir impor algumas das
suas ideias sobre comunicação social - defende que devemos conhecer os
verdadeiros donos dos media - já não era nada, mesmo nada, mau.
Que o Governo
ganhou com a troca não há dúvida. Que é o oposto total a Relvas também. Já não
é pouco.
Digamos que para um
homem com muita experiência política e habituado a gerir dossiers complicados
não seria nada fácil; para alguém que vai ter esse tipo de experiências pela
primeira vez, ainda para mais nas presentes circunstâncias, será ainda mais
difícil.
3 Como seria
de esperar não houve remodelação. Mais uma vez o CDS ficou a falar sozinho.
Por decisão
pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
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